Com a maior proporção de pessoas que se declaram negras entre os municípios paulistas, Cubatão tem a pesca como fonte de renda de parte da população; há quatros meses, pescadores estão sem trabalhar
Texto: Roberta Camargo | Edição: Lenne Ferreira | Imagem: Reprodução – Prefeitura de Cubatão
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Em dezembro de 2020, foi aprovada pelo Governo de São Paulo a instalação do Terminal de Regaseificação de São Paulo, no Porto de Santos. O TRSP é uma obra realizada pela Compass, com aprovação e licença de instalação emitida pelo Ministério da Infraestrutura, pela Autoridade Portuária de Santos, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e a Marinha do Brasil.
A obra representa mais um dos capítulos da história de poluição e desmatamento que marca Cubatão, na Baixada Santista. Em 2015, o município, que abriga boa parte da comunidade de pesca artesanal, sofreu com os impactos de uma explosão em um dos 179 tanques de armazenamento do terminal da Ultracargo, localizado em Santos. Foram mais de nove toneladas de peixes mortos na região, episódio que gerou muito prejuízo ambiental e financeiro para pescadores artesanais.
Depois disso, em 2018, veio a construção de uma Cava subaquática de 25 metros de profundidade e 400 metros de largura. O espaço fica no Largo do Casqueiro, próximo ao manguezal, o encontro entre água doce e salgada, bioma que abrigada caranguejos e outras espécies que também ajudam na formação de renda da população de Cubatão.
A construção da Cava aconteceu para ampliar a navegabilidade na região de Piaçaguera. A cratera foi construída para a eliminação de lixo tóxico, formado por diversos sedimentos contaminados e foi alvo de manifestações vindas da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo e do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente. Além disso, a população local de Cubatão organizou ações como o movimento “Cava é Cova” e, mesmo assim, o Ministério Público afirma que a cava não oferece riscos à natureza e nem para a comunidade.
Imagem: Diário do Litoral
A construção do TRSP
Agora, outra obra ameaça a população de Cubatão: a contrução do Terminal de regaseificação no Porto de Santos. “Sempre foi a pesca que salvou a gente” diz o economista Leandro Araújo, mestrando em políticas públicas, membro do Movimento contra a cava subaquática e membro da Coordenação dos Excluídos da Baixada Santista. Ele conta que sua família se manteve ao longo de muitos anos apenas da pesca artesanal e venda de caranguejos na estrada e reforça como a região está sensível e é ameaçada por novas construções aquaviárias.
Imagem: Google Maps
A proximidade das duas cidades pode ser vista no mapa. O deslocamento dos pescadores que residem em Cubatão acontece diriamente.
Ainda que se trate de uma obra no Porto de Santos, a comunidade pesqueira que está em Cubatão, em especial as que realizam oesca artesanal perdem extensão de espaço para a realização da atividade e, consequentemente, perdem renda. “Poluição não respeita limite geográfico, então, a comunidade de Cubatão, é também muito afetada”, aponta Leandro.
“O nosso medo é vazar óleo, vazar gás, o impacto para o meio ambiente”, pontua a bióloga Cíntia Labes. Ela diz que a população enxerga a obra e a instalação como um navio-bomba. A exemplo do que aconteceu em Beirute, em 2020, a comunidade teme por todas as consequências, inclusive irreversíveis, que o terminal pode gerar.
Quando o assunto é o impacto financeiro da construção, visto que os pescadores da comunidade utilizam aquela região como área de trabalho, Cíntia conta que são quatro meses sem poder pescar para a realização das primeiras etapas da instalação, prejuízo que não tem o auxílio do poder público. “O poder público, em si, não tá discutindo com a gente. A gente está correndo atrás, discutindo com a empresa e tentando provocar o poder público”, relata.
O que dizem os envolvidos
Procuradas, as Secretarias de Meio Ambiente e Saúde de Cubatão não se pronunciaram. O mesmo aconteceu com a Secretaria de Saúde do estado de São Paulo e Ministério da Infraestrutura.
A TRSP afirmou em nota enviada para a Agência Alma Preta que: “Todos os procedimentos para garantir a viabilidade socioambiental do projeto, incluindo a utilização das mais modernas tecnologias na sua implementação, um plano de comunicação com a comunidade local e um estudo de impacto ambiental aprovado na CETESB. O Terminal possui procedimentos de segurança que seguem rigorosos padrões e normas internacionais.”
Do lado da população, o economista Leandro Araújo desabafa: “É uma sucessão de empreendimentos que causam impactos na produção pesqueira, em locais que são, naturalmente, de pesca artesanal, numa comunidade como a vila dos pescadores que tem mais de 60 anos. É difícil mensurar os valores que serão perdidos, mas basta compreender como os pescadores perdem o espaço que eles pescam, muda até a cadeia de produção alimentar”.