A insurreição, que foi deflagrada em janeiro de 1835, ocorreu na antiga Província do Grão-Pará e foi a único do Brasil em que o poder foi tomado por pessoas negras, indígenas e pobres
Texto / Flávia Ribeiro | Edição / Lenne Ferreira | Imagem / Reprodução da internet
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“Na madrugada do dia 07 de janeiro, de 1835, eclodiu uma insurreição popular com a tomada do palácio do governo sediado em Belém e consequentemente culminando com primeira tomada da cidade por rebeldes que posteriormente seriam chamados pelos cronistas e pela historiografia como cabanos”. É assim que a historiadora e poeta, Roberta Tavares, começar a falar sobre a Cabanagem. Ocorrida na antiga Província do Grão-Pará, hoje compreendida como a Amazônia Brasileira, o movimento resultou na tomada do poder até 1840 por pessoas negras, indígenas, pobres, que ocupavam as moradias chamadas de ‘cabanas’.
A historiadora explica que há muitas definições simplistas sobre o tema, como a ideia de que teria sido uma revolta simplesmente separatista do império do Brasil, ou uma exigência de retorno e permanência da ligação com Portugal. “Na verdade, a revolta da cabanagem, envolveu, principalmente, os segmentos da população miserável, empobrecida e explorada, indígenas, negros libertos e escravizados que viam na rebelião a oportunidade de mudar as estruturas de suas próprias vidas”, destaca.
Assim como outras formas de resistência da época, a Cabanagem tem sido invisibilizada ao longo da história do Brasil, mas ela tem uma característica que a difere de outras. “Aqui, os revoltosos tomaram o poder e governaram. Isso não aconteceu em nenhuma outra parte deste território, infelizmente. O único paralelo nas Américas é da Revolução Haitiana, somente” frisa, Roberta. Esse seria um dos fatores que influenciaria para a revolta receber pouca visibilidade, até mesmo nos estados da região amazônica.
Ainda sobre os aspectos que resultaram no apagamento da issurreição, explica Roberta, há uma narrativa vigente que demarca a “História do Brasil” como concentrada no eixo São-Paulo e Rio, que ao mesmo tempo fortalece a ideia de que a produção historiográfica feita fora desse eixo é automaticamente encaixada como ‘história regional’. “Além disso, existe uma política de silêncio que também foi planejada e é proposital. Os jornais do século XIX evitavam até pronunciar o nome Cabanagem .Se dizia que era preciso evitar o assunto, de tão pavoroso que era para as autoridades locais e imperiais. E se faziam comparações com a Revolução Haitiana, então o pacto era não deixar que aqui ocorresse o que ocorreu no Haiti, onde negros escravizados tomaram o poder e fizeram uma revolução sem paralelo na história da humanidade. Quero dizer que existiu desde a Cabanagem um pacto de silêncio por aqueles que se sentiam ameaçados com um evento desta envergadura e esse silêncio perdurou por muito tempo e ainda tem efeito até hoje, embora menos que antes” destaca a historiadora.
O levante revolucionário foi massacrado e representou a morte de cerca de 40 mil pessoas, de uma população estimada em 100 mil do Grão-Pará. Apesar disso, a Cabanagem deixa lições que mostrar que as classes subalternizadas podem tomar o poder e governar. “E também estabelecer organização e alianças envolvendo as comunidades dos mais profundos e diferentes matizes rurais. Haja vista que, a Cabanagem foi uma rebelião que se interiorizou, ganhando os mais diversos caminhos de rios e de igarapés do interior da Amazônia, que fizeram frentes de resistência e combate quando a capital foi retomada pelas forças legalistas”, pontua Roberta.
“A Cabanagem ensina que a rebeldia é essência dos povos desse território, e a história prova isso, mas é preciso entender a região em toda sua complexidade, das tantas comunidades rurais indígenas, negras e outras. Ensina que não basta pensar que entender Belém é suficiente para construir mudanças e melhoras para um território tão diverso, que insistir nisso é incorrer no erro. É preciso, portanto, não só conhecer nossa própria história, mas conhecer esse território continental para além dos olhos focados na capital como se fosse ela o umbigo do Estado”, conclui.
Para quem quer conhecer mais sobre o assunto, Roberta Tavares indica algumas sugestões:
“As mulheres na Cabanagem: presença feminina no Pará insurreto”, de Eliana Ramos; “O negro na Formação da Sociedade Paraense”, de Vicente Salles; “Rebelião na Amazônia: Cabanagem, raça e cultura popular no Norte do Brasil”, de Mark Harris e “Bernardo de Sena – negro, cabano e “prefeito”, de Patrícia Sampaio.
*A maioria do textos sugeridos pode ser acessada livremente na internet