Em Pernambuco, a cada dez pessoas mortas pela polícia, nove são negras; Bahia apresenta o maior percentual de negros mortos do país em números absolutos e situação do Ceará também é alarmante
Texto: Lenne Ferreira | Edição: Nataly Simões | Imagem: DW/J. Soares
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Dados inéditos da Rede de Observatórios da Segurança revelam o racismo que estrutura a atuação policial no Nordeste brasileiro. O estudo “A cor da violência policial: a bala não erra o alvo”, divulgado nesta quinta-feira (9), mostra que 93,1% da violência letal intencional provocada pela atuação de agentes da segurança pública em Pernambuco é direcionada à população negra. Na Bahia, esse percentual chega a 96,9%.
Os dados também são alarmantes no Ceará onde o percentual de negros mortos pelas forças policiais é de 87%, maior que os 86% do Rio de Janeiro. Ainda no estado cearense, 77% dos casos de vítimas fatais da polícia não contam com o registro de raça/cor.
O racismo estrutural na dinâmica da letalidade policial demonstra que 13,3% das mortes violentas no Brasil foram provocadas por policiais, totalizando 6.357 óbitos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) só em 2019. O novo estudo da Rede de Observatórios da Segurança reafirma o marcador racial nesse tipo de crime.
Só em Pernambuco, onde os negros compõem 61,9% dos moradores, esse grupo populacional corresponde a nove em cada dez mortos pela polícia em 2019.
“O racismo, como bem sabemos, é estrutural, violento e velado. Já sabemos que homicídios atingem desproporcionalmente os negros, principalmente os jovens. Mas homicídios dizem respeito a diversas dinâmicas, como disputas entre facções e conflitos interpessoais. No caso de mortes decorrentes de ação policial, o surpreendente é que o fenômeno tem como único agente o representante da lei, o representante do Estado. Também surpreendeu a desproporção chocante. Uma coisa é termos um viés racial, uma violência racializada, outra é termos mais de 90%, das vítimas negras de violência policial letal”, pontua Dália Celeste, pesquisadora do núcleo do Observatório no estado pernambucano.
Subnotificação da letalidade policial
A pesquisadora, que também é estudante de Direito e Criminologia e se descreve como afrotransfeminista, alerta para a subnotificação dos dados, principalmente na cobertura da grande mídia hegemônica.
“O debate público é de vital importância. A subnotificação e o apagamento desses casos é também uma afronta aos direitos humanos e às instituições estabelecidas. O racismo em Pernambuco atua de forma sútil e os números crescem nas execuções. Isso não tem sido debatido ou levado em pauta, o que é mais uma forma do racismo agir”, discorre Dália, que também atua como analista de dados no Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop).
Somente em 2020 já foram registrados 55 mortes de pessoas negras pela polícia em Pernambuco, entre eles está o adolescente, Jhonny Lucindo Ferreira, de 17 anos, assassinado no bairro de Prazeres, Região Metropolitana do Recife. A família segue cobrando Justiça. Em novembro, duas chacinas com nove mortes foram registradas no estado.
Ainda na análise do estado pernambucano, o levantamento mostra que os brancos correspondem a 36,5% dos moradores e são menos de 7% das pessoas assassinadas pela polícia em 2019. O Ceará possui uma singularidade: é o estado em que o número de vítimas cuja cor não foi informada (77%) supera o número das pessoas cujas cores são conhecidas.
Na pesquisa, a Rede relata o nível de dificuldade que enfrentou em conseguir dados sobre o número de mortes por raça junto às secretarias estaduais. Para o historiador Dudu Ribeiro, coordenador da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia, os dados reforçam a distribuição da morte como política de Estado.
Ele observa que a negligência na produção e divulgação de dados impede a criação de políticas públicas de combate à violência contra corpos negros, que se consolidam no topo das estatísticas de genocídio.
“A letalidade violenta se concentra na faixa etária de 20 a 29 anos entre jovens negros. Quadro comum nos diversos estados brasileiros onde governos replicam historicamente um processo genocida de controle das possibilidades de existencias, imposição aos territórios negros de operar a vida a partir da lógica da sobrevivência, inclusive, condicionando jovens e crianças a uma sociabilidade produzida apatir da perda precoce de seus pares”, reitera.
O historiador observa que não só na Bahia, mas em cemitérios de outros estados, “é possível observar o gigantesco número de lápides com inscrição de datas de nascimento desde 1999 para cá, o que demonstra uma produção de morte concentrada em impedir a nossa juventude”.