Para ex-jogadores, comentaristas e admiradores brasileiros do esporte estadunidense, protestos e boicotes tiveram que aumentar o tom para chamar a atenção, mas ainda não devem ser suficientes para que ocorram mudanças estruturais
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: LeBron James/Reprodução
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As reações dos atletas diante dos casos de violência policial contra negros nos Estados Unidos nas últimas semanas levantaram polêmicas sobre os modelos de protestos antirracistas. Na NBA, a liga americana de basquete masculina, e na WNBA, a liga feminina, o boicote repercutiu em todo mundo.
O ativismo contra o racismo espelha em nomes como LeBron James, Lewis Hamilton, Layshia Clarecon (jogadora do NY Liberty), a mesma luta do boxeador Muhammad Ali, nos anos 60, que se recusou a ir para guerra no exterior, enquanto ainda existiam leis segregacionistas nos EUA. “Os caras da NBA tiveram peito para fazer o que tinha que ser feito. Vamos boicotar. Vamos deixar os empresários sem dinheiro e as televisões sem audiência. Infelizmente, é a única forma de sermos ouvidos”, diz Jorge de Sá, ex-jogador de basquete do Flamengo, ator e ex-comentarista de jogos da NBA.
O jogador LeBron James, do Los Angeles Lakers, maior estrela da liga na temporada, apoiou os protestos dos jogadores interrompendo os playoffs, a fase do torneio que define as duas equipes finalistas.
O boicote aconteceu logo após o início dos protestos em quase todo os EUA por conta do caso de Jacob Blake, que levou sete tiros pelas costas da polícia quando ia entrar no carro em que estavam os três filhos pequenos, em Kenosha, estado de Wisconsin. “O boicote é o resultado de uma impotência por apenas gritar e pedir. Teve que ser na marra, de tomar a bola e dizer: ‘É com a gente. Somos os atletas’. É uma medida radical para ver se conseguimos alguma atitude”, acrescenta Jorge de Sá.
O protesto interrompeu os playoffs na cidade de Orlando, na Flórida, onde estavam todas as equipes da fase de encerramento da temporada, em um complexo de hotéis e quadras isoladas por conta da pandemia da Covid-19, que a liga chama de “bolha”.
O escritor Toni C, apaixonado por NBA, destaca a importância do posicionamento da principal estrela da NBA, de forma mais contundente, sobre as questões raciais. “Dentro daquele uniforme dourado e lilás tem uma alma preta, tem um ser humano que está exigindo uma coisa simples: ‘justiça’. Quando Lebron veste uma camiseta escrito ‘Vote ou morra’ penso que ele é tão certeiro como em sua cravada”, comenta.
Por outro lado, Toni C considera que uma mudança mais ampla na tensão racial dos EUA não depende exclusivamente do posicionamento da liga ou dos atletas. “A manifestação política eminente que vemos em frases nos uniformes, no chão da quadra da Disney, é uma manifestação contundente, mas não podemos esperar que naquele complexo de resorts com quadras climatizadas para treinos e jogos durante este período de isolamento tenhamos nada diferente do que a própria NBA denomina deste projeto: uma bolha!”, avalia.
O rapper e produtor Enézimo, criador da gravadora “Pau de Dá em Doido”, foi jogador de basquete por influência da legendária equipe acrobática Harlem Globetrotter. Ele diz que a participação das atletas da WNBA teve papel significativo na luta antirracista. “Vi os protestos da WNBA e acredito que esse levante não teria o menor sentido sem a força das mulheres. Elas são a base de toda luta. São vozes valorosas e precisamos escutá-las, encaminhar e potencializar suas propostas, o feminismo preto mais do que nunca precisa dessa pauta”, acredita Enézimo.
Para o rapper, há similaridades entre a situação dos negros nos EUA e no Brasil. “Lá a política pública defende como normalidade o genocídio da população preta americana. Atitude que também é replicada aqui no Brasil através de uma política que investe mais em armas, enquanto corta recursos para saúde, educação e cultura”.