Apoiada pela história de resistência dos que vieram antes, a juventude negra busca a ampliação de conquistas de pautas populares e avanços contra o racismo
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Jesus Carlos – 7 de julho de 1978
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Avanços como a criação de leis para combater o racismo e as desigualdades no Brasil aconteceram após forte mobilização dos movimentos negros. A Frente Negra Brasileira (FNB), no início do século 20, foi pioneira na politização e alfabetização da população negra, largada à própria sorte após a abolição da escravidão em 1888.
Na cidade de São Paulo, o sociólogo Tadeu Kaçula, no livro “Casa Verde: A pequena África Paulistana”, explica que durante a primeira onda de gentrificação dos bairros do centro, como Bela Vista, Brás e Bexiga, com o aumento progressivo do custo de vida para a população negra nesses territórios, houve uma mobilização que possibilitou a compra de lotes de terra, onde hoje é o bairro da Casa Verde, para serem doados às famílias negras que não podiam mais morar no centro da cidade.
“A FNB foi a primeira organização a pensar em um projeto político para o Brasil. Ela era formada por líderes sociais, pessoas da área da cultura e da academia. Para garantir direitos à população negra precisou disputar politicamente a sociedade. Só que veio a ditadura Vargas, que acabou com todos os partidos, a frente negra entrou na ilegalidade e acabou se desfazendo”, conta Aline Pereira da Costa, mestre em relações etno-raciais e membra da coordenação nacional do MNU (Movimento Negro Unificado).
Em 1945, foi realizada a Convenção Nacional do Negro, com mais de 700 pessoas no Rio de Janeiro e em São Paulo, que resultou em um manifesto exigindo a criminalização da discriminação racial. A proposta foi apresentada na assembleia Constituinte de 1946, porém foi rejeitada pelos parlamentares, na sua maioria brancos, com o argumento de que “não existia provas de racismo no Brasil”.
Mas foi a partir da continuidade e insistência do movimento negro organizado que, em 1951, foi aprovada a primeira legislação contra o racismo no país.
A potência da organização dos negros ao denunciar o racismo sempre foi um incômodo para a política brasileira, gerando medo nas mais diversas correntes ideológicas. Em dezembro de 1968, no Ato Institucional número 5 (AI-5) que inaugurou o período de maior repressão da ditadura militar, o governo proibiu no item três do quinto artigo as “atividades ou manifestações de natureza política’, visando desarticular as organizações do movimento negro, que foram duramente perseguidas desde então.
A resposta dos negros foi também a mais rápida contra a ditadura, em 1978, antes do surgimento dos partidos de esquerda, foi criado o MNU (Movimento Negro Unificado), que apresenta as principais pautas de reivindicações do povo negro na área social, política e econômica, além de denunciar o genocídio da população negra e a brutalidade policial.
No centenário da abolição e ano de uma nova Constituição, surge o Geledés, Instituto da Mulher Negra, que abre uma importante frente de luta e denúncia contra o racismo e pela valorização da cultura afro-brasileira.
“O espaço de consciência negra, de autoafirmação e empoderamento não acontece no individual. A transformação é resultado de grandes debates anteriores e coletivos. A discussão sobre o genocídio foi feita primeiramente por Abdias do Nascimento, fundador da FNB e do MNU. Quando a gente resgata que os nossos passos vêm de longe é para compreender que fazemos parte de um legado e tudo o que fizermos agora vai reverberar nas próximas gerações”, pontua Aline, coordenadora do MNU.
Movimento negro atual
A organização na luta pelos direitos dos negros atualmente é a principal estratégia na conquista de políticas afirmativas e antirracistas. “É fundamental para a minha geração compreender a luta do Movimento Negro nas últimas décadas para entender o processo atual. O MNU tem tido uma renovação importante com jovens reivindicando esse programa que exige um mundo com democracia para a população negra”, destaca Simone Nascimento, de 28 anos, membra do MNU de São Paulo.
Simone destaca que o governo federal e a crise provocada pela pandemia da Covid-19 ampliaram os espectros de desigualdade para os negros. “O governo Bolsonaro com a extrema direita trouxe retrocessos e precarização. Aumentou o desemprego, a fome e a violência contra trabalhadores negros nas periferias. Por outro lado, teve uma resposta no fortalecimento da luta popular organizada. Todos os avanços sociais e constitucionais para melhorar a vida dos mais pobres foram construídos a partir da organização de base, apoiando um projeto político do povo negro”, explica.
Para a militância jovem do movimento negro, os embates sobre negritude estão numa fase de avanços e agendas comuns de luta, com a ocupação de espaços institucionais como as câmeras de vereadores, o que gera um contra-ataque. “O MNU construiu uma história que é atacada por personagens negros da direita como Sérgio Camargo [presidente da Fundação Cultural Palmares] e Fernando Holiday [vereador de São Paulo], que entram no debate da senzala ideológica, tentando polarizar a questão com o argumento do negro liberal e não consideram o racismo como ponto estrutural das desigualdades brasileiras, uma herança do colonialismo”, finaliza Simone.