Embora seja um dos maiores vencedores da história da Fórmula 1 e o melhor piloto em atividade, o atleta é alvo de uma campanha racialmente orquestrada para ofuscar e diminuir a magnitude das suas conquistas
Texto: Henrique Oliveira | Imagem: Divulgação/Mercedes
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Confesso que eu não acompanho Fórmula 1, assim como a grande maioria dos brasileiros, o meu parco vínculo estabelecido com o esporte foi graças a Ayrton Senna, meu pai até conta que eu chorei quando ele morreu, em 1994. Não lembro muito bem disso, mas é provável que sim. Eu acabei gostando mais de futebol, acho um saco ficar acompanhando os carros darem 40, 50 ou mais voltas para sabermos quem é o vencedor.
A questão é que em 2020, a Fórmula 1 voltou ao meu radar, não bem a Fórmula 1, mas um piloto em especial, Lewis Carl Davidson Hamilton, e não só pelas suas conquistas profissionais. O que chamou a atenção foi a sua atuação política enquanto homem negro. Hamilton se tornou a voz do antirracismo na competição, ao se engajar nos protestos “Black Live Matter”, e denunciar o silêncio da F1, um “esporte dominado por brancos”, como ele bem pontuou. Recentemente, a Federação Internacional do Automobilismo proibiu os pilotos de vestirem camisas por cima do macacão durante a cerimônia do pódio, após Lewis Hamilton usar uma camisa pedindo a prisão dos policiais que mataram a paramédica negra Breonna Taylor, em março, nos EUA, depos de invadirem a sua casa na cidade de Louisville.
Diferente dos outros pilotos, que são de famílias brancas e ricas, desde o Kart, Hamilton sempre foi o único negro e de família pobre, num certo momento, o pai dele, Anthony Hamilton, chegou a ter três empregos para manter vivo o sonho do filho. Hamilton estreou na F1 em 2007, em 2013 se tornou piloto da Mercedes, sendo campeão mundial de 2014 a 2019, e atualmente é líder isolado com 230 pontos, uma diferença de 69 pontos do segundo colocado.
Após vencer o GP da Alemanha, no domingo (11), Hamilton igualou o número de 91 vitórias do ex- piloto alemão Michael Schumacher, inclusive, Mick Schumacher, filho do ex-piloto, entregou um capacete do pai, como forma de premiar Hamilton pelo recorde alcançado. Os números de Hamilton são inquestionáveis, com 35 anos, o piloto da Mercedes é hexacampeão mundial, faltando muito pouco para se tornar hepta, nessa mesma idade o piloto brasileiro Ayrton Senna era tricampeão mundial. Michael Schumacher, por exemplo, conseguiu o número de 91 vitórias em 21 anos como piloto, Hamilton alcançou a sua marca em 13 anos.
Dizer que os números de Lewis Hamilton são inquestionáveis não significa que ele não possa ser criticado, porém, o que estamos vendo é uma tentativa de retirada dos seus méritos. Segundo o ex-piloto Jacky Stewart, os números de Hamilton não o colocam entre os maiores pilotos da F1, como Juan Manuel Fangio e Jim Clark, pois atualmente os pilotos realizam mais corridas do que no passado e a pressão seria menor.
Jacky Stewart também minimizou a importância da diversidade étnico racial na competição após as críticas feitas por Lewis Hamilton. Willy T. Ribbs, o primeiro piloto negro a testar pela F1, em 1985, saiu em defesa de Hamilton e falou que Jacky Stewart foi o piloto mais racista e hostil que ele conheceu.
Hamilton é o primeiro piloto negro da F1 e seu ativismo antirracista também incomodou o ex- piloto Mario Andretii, que falou que Hamilton se converteu num “militante”, que ele sempre foi aceito, ganhou o respeito de todo mundo e estava criando um problema que não existia. Como que não existe um problema racial na Fórmula 1, quando em mais de 70 anos de existência do esporte, Hamilton é o primeiro e único piloto negro?
O ex- chefe da Fórmula 1, Bernie Ecclestone, criticou a forma pela qual Lewis Hamilton se veste dizendo que se dependesse do estilo que o atleta se veste, ele nunca saberia que o mesmo era um piloto, comparando Hamilton com dois pilotos brancos Schumacher e Piquet, que segundo ele, “estavam vestidos para o papel.” Até Kimi Raikkonen resolveu “trollar” Hamilton por causa das suas roupas, abordando a evolução dos pilotos de F1. Só lembrando que Hamilton é envolvido com a moda, e chegou a lançar uma coleção de roupas agênero pela grife Tommy Hilfiger.
Ecclestone também tentou diminuir as conquistas de Hamilton ao falar que o ex- piloto alemão Michael Schumacher dirigia sozinho e Hamilton recebe auxílio técnico de pessoas sobre pressão dos pneus e velocidade nas curvas, o que facilitaria as suas vitórias e títulos. Quando Hamilton começou o seu ativismo antirracista, Ecclestone chegou a dizer que os afro-americanos são mais racistas que os brancos. Não podemos nos esquecer, que em entrevista concedida em 2009, para o “The Times”, Bernie elogiou os regimes ditatoriais, inclusive Adolf Hitler.
O jornalista da Rede Globo, Guga Chacra, no seu perfil no Twitter falou que Hamilton é um gênio, mas não enfrentou outros gênios na Fórmula 1. Vejam, para Chacra, Hamilton é um grande piloto, entretanto, o que colaborou não foi apenas a sua qualidade, mas a ausência de adversários a altura. Quando se é negro existe sempre um “mas” ou outros artíficios relativizadores do mérito.
Hamilton é um gênio, mas que não enfrentou outros gênios na F1. É diferente de Senna, que enfrentou gênios como Piquet, Prost e mesmo um Schumacher em início de carreira. O mesmo vale para o tênis de hoje. Temos 3 gênios – Federer, Nadal e Djokovic. É mais difícil vencer
— Guga Chacra ?????????? (@gugachacra) October 12, 2020
Lewis Hamilton respondeu às críticas dos ex-pilotos de Fórmula 1 prometendo ser diferente deles no futuro. Para o piloto, cada um tem sua jornada e ele não acha que deveriam criticar ninguém pela maneira como as coisas são feitas.
“Muitas pessoas fazem isso, especialmente pilotos mais velhos, que ainda têm algum problema comigo – não sei por que, talvez um dia eles vão superar. Tenho muitos respeito pelas lendas do esporte, embora eles teimem em falar mal de mim o tempo todo. Mas ainda assim os considero grandes porque sei que, na época deles, enfrentaram dificuldades. Eram outros tempos e eles mantiveram como lendas”, afirmou.
“Daqui a 20 anos, quando estiver olhando para trás, posso prometer para vocês que não vou fazer isso, não vou ficar falando mal de qualquer piloto que está tendo bons resultados porque acho que a nossa responsabilidade, como pilotos mais velhos, é destacar e encorajar. Vai haver outros pilotos, como Charles [Leclerc] ou Max [Verstappen], que vão perseguir os recordes que eu, eventualmente, estabelecer. E seria a abordagem errada ficar torcendo para que eles não quebrem. Você tem que encorajá-los a atingir o máximo de seu potencial e, se isso significa, bater os recordes, isso é algo incrível”, complementou.
Mesmo sendo um dos maiores vencedores da história da Fórmula 1 e o melhor piloto em atividade, Lewis Hamilton é vítima de uma campanha racialmente orquestrada para ofuscar e diminuir a magnitude das suas conquistas. Quando o fato é que Hamilton superou as adversidades de ser um homem negro de origem pobre, que entra para a história de um esporte elitizado e branco. Só isso já faz com que o seu mérito seja incontestável, pois como nos disse Mano Brown: “Por você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor.”