O distanciamento social é a principal recomendação mundial para reduzir a disseminação do Covid-19, o novo coronavírus. No Brasil, as mulheres negras são o segmento social mais impactado economicamente pela pandemia e ficar em casa, apesar da importância para resguardar a saúde, agrava ainda mais esse quadro de vulnerabilidade devido à violência doméstica.
Uma das provas do agravamento da vulnerabilidade dessas mulheres durante a crise do Covid-19 é o aumento da demanda da rede TamoJuntas. A iniciativa oferece apoio jurídico, psicológico, social e pedagógico gratuitamente para mulheres vítimas de agressões ou de outros tipos de violência de todas as regiões do país através das redes sociais. Desde que as medidas de distanciamento social foram decretadas pelos estados, em março, a rede de apoio tem recebido, pelo menos, 500% de mensagens a mais de mulheres em busca de ajuda.
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“Antes da pandemia nós recebíamos em média cinco mensagens por dia de vítimas de violência em busca de ajuda. Agora, o número de mensagens é de 30 a 40 por dia. São mulheres pobres, sem condições de pagar por um atendimento e que buscam apoio das defensorias públicas”, conta a advogada Laina Crisóstomo, criadora da TamoJuntas.
Em São Paulo, os dados relacionados à violência contra a mulher no período de distanciamento social também chamam a atenção. O número de pedidos de medidas protetivas para mulheres que sofrem violência doméstica caiu 38% nas duas primeiras semanas de abril, após um aumento de 31% em março, mês em que também cresceu 54% as prisões em flagrante decorrentes desse tipo de crime.
De acordo com o Núcleo de Gênero e o Centro de Apoio Operacional Criminal (CAOCrim) do Ministério Público de São Paulo (MPSP), em março foram decretadas 2.500 medidas protetivas em caráter de urgência contra 1.934 em fevereiro. O número de prisões em flagrante devido a casos de violência doméstica foi de 268 em março e 177 no mês anterior.
“Os dados que mostram a diminuição nos pedidos de medidas protetivas revelam que as mulheres não estavam conseguindo sair de casa para denunciar. Por outro lado, as redes de apoio às vítimas têm desenvolvido campanhas para conscientizar as mulheres sobre a importância da denúncia. Ao potencializar a perspectiva de acesso à informação e ao conhecimento nós damos à elas o poder para que rompam com o ciclo de violência. Precisamos encorajar as vítimas a denunciarem”, avalia Laina Crisóstomo.
Ver essa foto no InstagramUma publicação compartilhada por Agência Patrícia Galvão (@ipatriciagalvao) em
Falta de assistência às vítimas de São Paulo
No início de abril, profissionais que atuam nos Centros de Defesa e Convivência das Mulheres (CDCM) da cidade de São Paulo (SP) divulgaram um manifesto que denuncia a falta de apoio às mulheres vítimas de violência e más condições de trabalho. O atendimento é vinculado às Organizações Não Governamentais (ONGs) e à Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS). Por ser classificado como um serviço público essencial, continua em funcionamento no período de distanciamento social decretado pelo governo estadual.
Baseado em como as mulheres atendidas se reconhecem, a psicóloga Denna Souza conta que o perfil é composto majoritariamente por mulheres negras e periféricas. Uma das regiões onde os atendimentos psicológicos, sociais e jurídicos acontecem é de Cidade Tiradentes, na Zona Leste.
“O Centro de Defesa e Convivência da Mulher Casa Anastácia tem capacidade para até 100 atendimentos e antes da pandemia atendíamos em média de 120 a 140 mulheres. Neste momento, temos dedicado atenção aos casos onde a mulher está em risco iminente de morte. Uma das nossas atribuições é a captação de vagas em espaços que possam acolher a mulher e os filhos, que acabam por serem espectadores e vítimas também da violência ocorrida em casa”, explica.
A psicóloga explica que um dos problemas é a ausência de vagas nas instituições de acolhimento às vítimas e a exigência do registro do boletim de ocorrência contra o agressor. “Em algumas situações a vítima quer apenas sair do cenário de risco e começar uma nova vida sem violência ao lado de seus filhos”, conta.
Com a falta de estrutura do Estado para prestar o atendimento adequado às vítimas de violência, as profissionais têm se desdobrado para dar conta das demandas. Uma das saídas encontradas por elas é a realização de atendimentos via telefone, de modo que pudessem se preservar do Covid-19.
Denna Souza considera, no entanto, que as estratégias de enfrentamento à violência contra a mulher necessitam ser repensadas. “As contingências de violência estão presentes no cotidiano das mulheres na periferia e sua rota de rompimento às agressões sofridas tem se tornado cada vez mais crítica antes e durante a pandemia”, sustenta.
Violência contra as meninas negras
O 13ª Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em 2019 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que a maioria das vítimas de estupro de vulnerável no país são crianças e adolescentes. Entre elas, 50,9% são negras. A ativista e defensora de direitos humanos, Viviana Santiago, gerente de Gênero e Incidência Política na Plan international Brasil, destaca que ao se tratar de violência contra a mulher, a situação das meninas deve estar no centro do debate, assim como das mulheres transexuais.
“Precisamos entender que a violência contra a mulher afeta as meninas, que são as mulheres no começo de suas vidas. As meninas negras continuam sendo hiperssexualidas e sendo a maioria das vítimas de todas violências, especialmente do trabalho infantil doméstico na casa de terceiros”, afirma.
Na pandemia, Viviana Santiago afirma que um dos riscos que se soma às outras violências no qual as meninas estão expostas é a de violência sexual. “No caso das meninas negras, não há sequer comoção social, haja vista que em uma sociedade racista como a brasileira, não existe menor solidariedade com as vidas negras”, ressalta.