No dia 27 de abril de 2015, quatro jovens pretos davam início ao Alma Preta, uma agência de jornalismo que cumpre papel importante na cobertura da realidade
Texto / Pedro Borges I Edição / Simone Freire I Ilustração / Vinicius de Araújo
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Confesso estar aliviado com o quinto aniversário do Alma Preta. Depois de estudar a história da imprensa negra, percebi com muita tristeza que a maior parte dos cadernos da imprensa negra mal chegavam aos três anos de existência. Aos cinco então, era algo raro.
Ultrapassar essa marca é um fato importante para nós enquanto povo, afinal, precisamos de maior longevidade para nossas ações se quisermos realmente construir um projeto de poder. É preciso que tenhamos uma imprensa forte, cada vez maior, com mais capilaridade para disputarmos um projeto de sociedade.
A mídia negra é fundamental para o Brasil por diversos motivos. É necessário cobrir a realidade a partir de uma perspectiva de raça e mostrar como o racismo é elemento estrutural e político, e não se reduz ao campo pessoal e privado. Esse é um caminho importante para ser tomado para se romper o mito da democracia racial.
A mídia negra também se faz relevante na medida em que o povo negro é esquecido pela cobertura da imprensa em alguns casos, principalmente na política, economia e cultura, e extremamente responsabilizado pelos problemas de segurança pública do país.
Sem mídia negra, com racismo, genocídio e uma desigualdade brutal, é impossível sonhar ou planejar uma vida digna, democrática e justa, em especial para o povo preto, a maior parcela da população brasileira.
Junto a esses enormes desafios, soma-se a tarefa de transformar a mídia negra em sustentável. A dificuldade de fazer mídia independente e preta é imensa, afinal, em diversos momentos o campo da comunicação nos segrega, exclui ou estigmatiza como “ativistas” e “não jornalistas”, marcas essas que nos fecham portas para apoio e parcerias.
Consciente da relevância de uma sustentabilidade financeira e dos desafios impostos pelo racismo, desde o início do Alma Preta, quebrei a cabeça para transformar a agência em um negócio sustentável. É preciso ter uma estrutura forte e um modelo consistente para sobreviver ao tempo e às singularidades de cada momento histórico.
Os desafios ultrapassam a barreira profissional e se estendem ao campo afetivo e emocional. Foi preciso muita paciência para ver passos mais lentos serem dados, em um ritmo diferente do da branquitude. Afinal, o apoio, em todos os sentidos, dado a canais protagonizados por brancos é pelo menos duas ou três vezes maior do que o dado a nós.
Mas eu acredito muito na nossa velocidade e no ritmo que adotamos. Com intensidade e sabedoria, aprendemos a respeitar as dificuldades de cada um e dar assistência a quem está conosco no dia a dia e no nosso entorno. Em momentos de pandemia, esse cuidado é fundamental.
Apesar do momento difícil, muito me alegra batermos essa marca. Se a vida permitir, quero caminhar com o Alma Preta por anos, quem sabe até décadas, e entregar para o povo preto uma mídia forte, técnica, objetiva e cujo compromisso político é o antirracismo.
Que o nosso povo esteja conosco nesse caminho para ampliar a nossa cobertura, ter a possibilidade de cobrir os acontecimentos no ambiente rural, em outras regiões do país, com mais capilaridade e força nas periferias dos grandes centros urbanos.
Que tenhamos a força e o apoio necessários para acompanhar os principais fatos da vida pública e política brasileira, e quebrar as caixinhas onde somos colocados.