O grupo de trabalho da Câmara dos Deputados, responsável por analisar o pacote de segurança pública apresentado pelo ministro Sérgio Moro, derrubou pontos importantes do texto do projeto na última terça-feira, 6 de agosto. Entre as medidas retiradas da proposta, destaque para o plea bargain.
O plea bargain consiste na formulação de um acordo entre o Ministério Público, o acusado e o júri, sem a submissão de um processo penal. Esse ponto é criticado pelo movimento negro por se tratar de uma política que pode aumentar o encarceramento de jovens negros em um judiciário descrito por pesquisadores como racialmente seletivo.
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A medida levou a Coalizão Negra por Direitos a denunciar o pacote de segurança pública à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em Kingston, na Jamaica. A denúncia feita em fevereiro recebeu apoio de entidades de todo o mundo.
De acordo com o advogado e professor de direito Gabriel Sampaio, o plea bargain pode elevar o risco de condenação de pessoas inocentes e em situação de vulnerabilidade social, como pobres e negros. Por isso, segundo o professor, a rejeição por parte dos deputados deve ser comemorada.
O jurista explica que em outros países, como os Estados Unidos, muitas pessoas inocentes têm realizado o acordo para evitar a aplicação de penas mais graves.
“Como consequência disso, pessoas negras e latinas são levadas à prisão e o país americano possui a maior população carcerária do mundo”, comenta.
Os EUA possuem mais de 2 milhões de pessoas encarceradas. Em seguida, no ranking, está a China que acumula 1,6 milhão de presos. O Brasil ocupa o terceiro lugar, com mais de 812 mil pessoas reclusas, de acordo com dados do Banco de Monitoramento de Prisões do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O educador da Uneafro Brasil e articulador da Coalizão Negra por Direitos, Douglas Belchior, participou do debate na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) e defende que quando se trata do plea bargain é necessário discutir as consequências que a medida pode ter na vida de jovens negros e pobres que são presos injustamente.
“É necessário imaginar a situação de um jovem que vive na periferia e que durante um acordo denuncia criminosos ao sistema judiciário. Por mais que esse jovem tenha a pena reduzida pelo Estado, o mesmo não vai acontecer quando ele retornar para a comunidade, pois ele pode ser morto”, analisa.
Para Douglas Belchior, as medidas propostas no pacote de Moro devem aumentar o homicídio da população negra.
“Há historicamente uma autorização para se matar determinado perfil e com essa narrativa nos documentos de dirigentes do Estado, por exemplo, o capanga de um fazendeiro se sente muito mais autorizado a cometer crimes”, avalia.
De acordo com o Atlas da Violência de 2019, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 75,5% das vítimas de assassinato no país em 2017 eram negras.
Legítima defesa
A primeira versão do texto do pacote de segurança pública previa a possibilidade de redução da pena pela metade ou até mesmo a não aplicação em casos onde o réu – incluindo policiais – afirme legítima defesa por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.
O texto, no entanto, foi criticado por entidades em defesa dos direitos da mulher por conta do trecho que fala sobre “violenta emoção”, pois o argumento poderia ser usado como justificativa para casos de feminicídio.
O novo texto estabelece que alegar legítima defesa não será possível em caso de crimes que configurem ato de violência contra a mulher. O movimento negro também comemora a retirada da medida por avaliar que esse tipo de crime recai de maneira ainda mais sensível sobre a mulher negra. Ainda segundo o Atlas da Violência de 2019, 66% das mulheres assassinadas no país em 2017 eram negras.
O texto final do pacote de segurança pública apresentado por Sérgio Moro ainda poderá sofrer mudanças durante a tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
Nesta quinta-feira, 8 de agosto, ocorre outra audiência pública sobre o tema na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ).