Temer anunciou a criação do ministério em meio à intervenção federal no Rio de Janeiro. Para entender os impactos dessa proposta para a comunidade negra, o Alma Preta conversou com especialistas em racismo e segurança pública sobre o tema
Texto / Pedro Borges
Imagem / Beto Barata
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Durante o pronunciamento sobre a intervenção federal de caráter militar no Rio de Janeiro, o presidente Michel Temer anunciou a criação do Ministério da Segurança Pública, no dia 17 de Fevereiro, Sábado, no Palácio da Guanabara, sede do governo carioca.
O ministério, que deve ser oficializado nas próximas semanas via Medida Provisória (MP), já foi pauta de conversa entre Michel Temer e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Renan Calheiros.
Michel Temer visa com a medida melhorar a popularidade do governo e construir um legado para a gestão. O Ministério da Segurança Pública também está na lista de propostas de Geraldo Alckmin, provável candidato a presidência pelo PSDB.
A Coordenadora do Departamento de Justiça e Segurança Pública do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Dina Alves, crítica a medida. Para ela, trata-se de um gasto desnecessário, justificado pelo desejo de combater o inimigo interno, negras e negros.
“A gente ainda está numa realidade social de matriz escravocrata tão real, tão aparente, que o inimigo que as forças armadas precisam combater não é externo, é o interno, que é a população das comunidades racializadas e das periferias. A criação do Ministério da Segurança Pública revela como o racismo e a matriz escravocrata ainda imperam nesse Estado”.
No anúncio da pasta, o presidente destacou o crime organizado como a principal causa para a adoção de medidas no campo da segurança pública.
“[O crime] é uma metástase que se espalha pelo país e ameaça a tranquilidade do nosso povo. Por isso, acabamos de decretar neste momento a intervenção federal na área da segurança pública do Rio de Janeiro”, afirmou.
Ministro da Defesa, Raul Jungmann, e o Comandante Militar do Leste e interventor no Rio de Janeiro, Braga Neto (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Dina Alves aponta a atual política de guerra às drogas como um pretexto falacioso para a ação, e também perigoso para a vida e a garantia de direitos da comunidade negra.
“Precisa-se criar um Ministério de Segurança Pública, precisa-se chamar as forças armadas para combater um inimigo interno perigosíssimo, que é a figura desse traficante”.
A construção do Ministério da Segurança Pública e a intervenção federal de caráter militar no Rio de Janeiro são formas encontradas por Michel Temer para controlar o descontentamento popular, de acordo com Douglas Belchior, professor de história, ativista do movimento negro e fundador da rede de cursinhos populares, Uneafro.
“Em um ambiente de aumento da desigualdade social e da violência, a única maneira de conter os possíveis levantes populares é por meio de ações de recrudescimento penal. Num ambiente como esse, o povo negro sempre vai ser o mais afetado como a gente já vê e deve ver ainda mais daqui para frente”.
Os nomes cotados até o momento para assumirem o ministério são o ex-secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, e o atual Ministro da Defesa, Raul Jungmann.
De acordo com Michel Temer, o nome à frente da pasta deve “coordenar a segurança pública em todo o país, evidentemente sem invadir as competências de cada estado”. Ele diz que o órgão tem caráter extraordinário, e que pode ser extinto, quando a situação da segurança no país estiver resolvida.
A nova pasta deve contrair funções que antes eram destinadas ao Ministério da Justiça, como controlar a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a Força Nacional. A ideia é que o Ministério da Justiça siga no combate às drogas, aos carteis econômicos, atue em temas relacionados aos estrangeiros e ao direito dos consumidores, entre outros assuntos.
Para não ser criticado por criar um novo ministério, Michel Temer deve colocar a pasta dos Direitos Humanos novamente na condição de secretaria nacional, sob o guarda chuva do Ministério da Justiça.
O estado do Rio de Janeiro é cada vez mais marcado pela presença militar (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)
Douglas Belchior pensa que a construção da pasta é a materialização do compromisso político do presidente com a bancada da bala. Para ele, a medida pode ter implicações delicadas para os afro-brasileiros.
“Esta iniciativa de sucumbir aos interesses da bancada da bala ao ponto de constituir um ministério da bala, que poderia ser chamado de ministério da morte negra, ministério para matar pretos, é a representação factual do que esse governo é”.
Michel Temer também tem o objetivo de propor medidas que tornem o sistema penal mais rígido, com sentenças mais duras para praticantes de crimes de alta periculosidade.
As ações truculentas por parte do Estado contra a população negra ao longo da história ganham caráter mais explícito com Michel Temer, em um momento de avanço do conservadorismo, de acordo com Douglas Belchior.
“Havia uma embalagem moral que os encobria, e eles, apesar de todos eles, uns mais que os outros, sempre terem formado governos a serviço da manutenção do status quo e das elites, tinham um verniz de preocupação social. Um verniz de repulsa à experiência autoritária do regime militar e o governo Temer é a gestão que não tem vergonha de ser o que é”.