A família de Luana conta das dificuldades de enfrentar o caso na justiça, mesmo dois anos após o crime. Ocorrência segue sendo investigada pela Polícia Civil
Texto / Pedro Borges
Imagem / Alma Preta
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“Nossa vida está suspensa desde o 8 de Abril de 2016, quando espancaram ela” dizem os familiares de Luana Barbosa em entrevista ao Alma Preta sobre os dois anos do caso.
A história começou quando Luana e seu filho foram abordados pelos policiais militares Douglas Luiz de Paula, Fábio Donizeti Pultz e André Donizeti Camilo no Jardim Paiva II, em Ribeirão Preto, São Paulo. Depois de reclamar da truculência da ação e exigir a revista de uma policial mulher, como indica a legislação brasileira, ela foi agredida pelos agentes de segurança pública em frente ao filho.
Luana Barbosa foi enviada para a Unidade de Emergência do Hospital das Clínicas (HC-UE) e em 13 de Abril, cinco dias depois das agressões, não resistiu aos ferimentos e faleceu. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) aponta como causa da morte isquemia cerebral e traumatismo craniano-encefálico, em decorrência de espancamento.
Passados dois anos do assassinato de Luana, os familiares, que preferem se posicionar em grupo, veem o fato com maior revolta.
“Com certeza a gente vê muito pior. É um sintoma de mortes com homicídio, principalmente quando envolve policial”.
O caso, durante esse período, foi enviado para a Justiça Militar, que já se posicionou sobre as agressões sofridas por Luana. Depois de investigação por meio de Inquérito Policial Militar (IPM), a promotora da Justiça Militar de São Paulo, Robinete Le Fosse, pediu o arquivamento do caso por entender que não há como comprovar quais dos policiais investigados foram os autores das agressões.
O Ministério Público, porém, recorreu da decisão e afirmou que o julgamento seria de competência da justiça comum. No dia 4 de Abril de 2017, o juiz estadual responsável pelo caso na época, Luis Augusto Teotônio, foi obrigado a cumprir a ordem do Tribunal de Justiça e enviar o inquérito para a delegacia que investiga o crime. O atual juiz do caso é José Roberto Bernardi.
O advogado de defesa, Daniel Rondi, diz que já houve uma série de pedidos de aumento da data limite para a conclusão das investigações, sem que haja um desfecho do inquérito policial.
“O juiz estendeu a data para a conclusão da investigação, que está na delegacia desde o dia 16 de Fevereiro de 2018, ainda sem prazo de encerramento pela justiça comum”, conta.
Os familiares criticam o tempo de demora da legislação brasileira e apontam isso como uma estratégia para desestimular as vítimas da violência do Estado a exigirem seus direitos.
“A forma como são tratados os familiares vítimas de violência do Estado é articulada de uma maneira para que a gente se desgaste”.
Manifestante durante ato em memória à Luana Barbosa (Foto: Alma Preta)
Luana Barbosa e o genocídio negro
A família, por conhecer a velocidade de qualquer investigação quando a vítima é pobre e negra, não demonstra otimismo sobre a resolução do crime para os próximos anos.
“A gente vai perdendo energia. É a mesma ação de décadas, de séculos atrás, que é uma herança maldita de uma sociedade escravocrata, racista, que só pune os pretos e os mais pobres”.
No dia 20 de Novembro de 2017, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública fez um material especial sobre a violência direcionada à população negra.
O documento aponta que a disparidade da violência entre negros e os demais grupos raciais segue uma tendência de crescimento. De 2005 a 2015, o número de negros assassinados cresceu 18,2% e o de não negros caiu 12,2%.
A discrepância também é sentida para as mulheres negras, que representam 65% das assassinadas no país. Enquanto entre 2005 e 2015 o número de mulheres negras mortas cresceu 22%, o de mulheres não negras diminuiu 7,4%.
Manifestantes ocuparam as ruas de Ribeirão Preto em 2016 em memória ao assassinato de Luana Barbosa (Foto: Alma Preta)
A família também diz que outros casos de violência contra a população negra, e em especial contra as mulheres negras, recordam a morte de Luana Barbosa. A última situação a tocar a memória dos familiares foi o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, executados no dia 14 de Março, no Rio de Janeiro.
“Infelizmente, quando vemos a família da Marielle fazendo o mesmo percurso que fizemos, pensamos, nem direito ao luto eles têm, como nós não tivemos”.
Assim como Marielle Franco e Cláudia Ferreira, assassinada e arrastada por uma viatura de polícia em 2014, Luana Barbosa é um símbolo da violência de Estado praticada contra mulheres negras no Brasil.
“A memória da Luana está presente, não só para nós da família. A Luana é uma memória coletiva”, contam os familiares.
O que eles não sabem é se a truculência sofrida por Luana também se transformou em referência no bairro, Jardim Paiva II, na periferia de Ribeirão Preto, onde moram, e onde Luana foi espancada.
“Nós não achamos que essa memória esteja presente no bairro, na escola, na porta da escola, na formação, na maneira de lidar com a violência cotidiana”.
Grande número de pessoas participou do ato em memória à Luana Barbosa em 2016 (Foto: Alma Preta)
Outro lado
A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informa que o caso foi investigado por meio de inquérito pela Polícia Civil e por IPM (Inquérito Policial Militar) pela Policial Militar. A Justiça determinou que o caso fosse investigado como lesão corporal seguida de morte e encaminhou para a Justiça Militar. O IPM foi concluído e relatado à 1ª Vara do Júri e das Execuções Criminais do Foro de Ribeirão Preto.
Em relação à revista pessoal de mulheres, a PM esclarece que a pessoa que passará pelo procedimento deve solicitar a presença de um policial militar feminino para realizar tal tarefa. Entretanto, se não for possível a presença de um policial militar feminino, o policial militar deverá solicitar a uma pessoa, preferencialmente do sexo feminino (se houver), que servirá de testemunha, selecionada dentre o público presente, que acompanhe, visualmente de posição segura, a realização da busca pessoal, dando prosseguimento à ação.