Negras e negros, vistos como marginais e criminosos pela sociedade, estão fora dos principais casos de corrupção no país. Para pesquisadores e ativistas, enegrecer a política é necessário, mas não resolve o problema da corrupção
Texto / Pedro Borges
Imagem / Marcelo Camargo / Agência Brasil
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O noticiário brasileiro tem sido tomado pelo tema da corrupção há anos: primeiro, com o mensalão; depois, com a operação Lava Jato, da Polícia Federal. Entre as muitas semelhanças e as inúmeras diferenças entre os dois casos de corrupção, algo chama atenção: a ausência de negros.
Diante desse fato, o Alma Preta decidiu então investigar os motivos para isso.
A operação Lava Jato tem centenas de presos, entre políticos, doleiros, funcionários de empresas como Petrobrás, entre outros cargos. Como pequena amostra daquilo que se acompanha na rede aberta de televisão, dos 13 políticos presos na operação, todos são homens brancos.
A corrupção e o suposto desvio de caráter, contudo, não fazem parte do imaginário sobre a branquitude no país.
Para Valéria Alves, doutora em antropologia pela USP, brancos e brancas sempre foram postos como modelos de padrão de beleza, inteligência e conduta moral, fatores que permitem outra abordagem e avaliação social quando cometem um erro.
“Quando falha ou comete um crime, este é visto como algo individual e geralmente é amenizado. A população branca construiu e carrega o estigma da brancura, da pureza e do bom caratismo.”
Para o negro, cabe o oposto, como explicam as teorias eugenistas de Césare Lombroso e Nina Rodrigues, que descrevem o sujeito negro como propenso ao crime. Outra marca do racismo, que homogeneíza a população negra e retira a singularidade de cada indivíduo, colabora também para haver a criminalização do grupo.
“Quando um membro da população negra comete um crime ou uma falha grave, automaticamente esse erro é posto como algo inerente a esse grupo. Quando um erra, no geral, é a população negra que erra”, explica Valéria.
Apesar dos diferentes juízos de valor, uma constatação é importante para entender a ausência de negros em casos de corrupção: a ausência de negros na política.
No estado de São Paulo, por exemplo, dos atuais 94 parlamentares da Assembleia Legislativa, somente quatro são negros, o equivalente a 4,2% dos eleitos.
Juninho Junior, presidente estadual do PSOL e integrante do Círculo Palmarino, diz que a ausência de políticos negros em cargos públicos é um reflexo das desigualdades históricas brasileiras e que os poderes executivo e legislativo representam as elites do país.
“Você tem um parlamento que é formato em 80% por homens brancos, representantes das elites, seja do agronegócio, do setor financeiro, da indústria ou de qualquer outro segmento. Os demais grupos – mulheres, negros, indígenas, trabalhadoras, trabalhadores – são sub-representados nesses espaços”.
Para resolver o problema, é só enegrecer a política?
Para a cientista social Jaqueline Conceição, não. Ela pensa que a corrupção faz parte do modelo político em que vivemos, inseridos em uma sociedade capitalista.
“O Estado, balcão de negócios da burguesia, sempre negociará com muito mais tranquilidade com esse grupo social. Os negros que lá chegarem terão que negociar com a burguesia em virtude do modelo de organização política que temos”, explica Jaqueline.
Um dos exemplos citados por Jaqueline Conceição é o caso de Celso Pitta, ex-prefeito de São Paulo.
“O ex-prefeito Celso Pitta, um homem negro, casado com uma mulher negra e pai de filhos negros, é um dos maiores corruptos que se tem conhecimento na história da cidade de São Paulo”, afirma.
Pitta acumulou alguns casos de corrupção ao longo da sua vida. Os dois principais são os escândalos dos precatórios e a operação Satiagraha.
Na época em que foi condenado e julgado, Pitta foi também vítima de perseguições racistas, como disse o próprio ex-prefeito e ativistas do movimento negro da época.
“Por ser da comunidade negra, reaviva-se o sentimento que é esquecido, escamoteado e sempre deixado em segundo plano, que é a discriminação neste país”, disse o prefeito à época.
Manifestações foram feitas naquele período em apoio ao ex-prefeito, com a presença de militantes do movimento negro.
Quem perde com a corrupção?
O Governo de São Paulo lançou um edital para a construção de três hospitais com 646 leitos e mil atendimentos ambulatoriais por dia, cujo orçamento era de R$ 772 milhões. Ou seja, o valor aproximado de um hospital, de acordo com os números do governo paulista, é de R$ 257 milhões.
Por meio de investigação e um processo que dura quatro anos, a Lava Jato diz já ter recuperado 11,5 bilhões de reais, o equivalente a 44 hospitais.
Vale recordar que a corrupção não se restringe ao mundo político, como aponta o estudo da Tax Justice Network, que descreve como em 2010 os brasileiros mais ricos tinham quantia depositada em paraísos fiscais da ordem dos US$ 520 bilhões, o equivalente a mais de R$ 1 trilhão. O valor equivale à construção de 3.891 hospitais.
Estudo do IPEA, ainda no ano de 2003, apontou que o SUS foi responsável por 63,5% dos atendimentos e 69,3% das internações no país. Quando se analisa os números por raça, vê-se que os números para os brancos são de 54% atendimentos e 59% internações, enquanto para os negros foram 76% e 81,3%, respectivamente.
Entre os mais ricos do país, há também ausência de negros. Na lista mundial das 2.043 pessoas que somam a marca de mais de U$ 1 bilhão, há somente 10 negros. No Brasil, a discrepância se mantém: entre os 1% mais ricos do país, somente 17% são negros, contra 79% de brancos.