Mesmo com craques como Pelé, Ronaldo, Romário, ou Rivaldo, Brasil reserva o posto de treinador para profissionais brancos
Texto / Pedro Borges
Imagem / World Soccer / Uol / Folha
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O Brasil nunca foi para uma Copa do Mundo com um treinador negro. A seleção pentacampeã, presente em todas as edições do torneio, sempre teve como comandante da equipe um homem branco.
A seleção brasileira masculina de futebol já atuou 907 vezes ao longo da história, incluindo partidas oficiais e amistosos. Dessas partidas, em apenas seis oportunidades, a figura a frente do banco de reservas era um sujeito negro. Nenhuma delas durante a Copa do Mundo.
A última vez que um negro comandou o Brasil foi há 26 anos, quando Ernesto de Paulo dirigiu o país contra País de Gales, de forma interina, depois da saída de Paulo Roberto Falcão.
A primeira vez aconteceu em 1959, quando Gentil Cardoso fez um combinado das equipes de Pernambuco para disputar um torneio sul-americano. Foram cinco jogos, um terceiro lugar, e uma demissão depois de 23 dias a frente do cargo. Até o fim da vida, Gentil Cardosos dizia que não teve mais espaço na seleção brasileira porque “era preto”.
Quem pensa e quem executa?
Hélio Santos, um dos precursores da política de cotas no Brasil e presidente do Instituto Brasileiro de Diversidade, destaca como é bom observar que “os treinadores (ex-jogadores) brancos não são nenhum ‘intelectuais’ do futebol. Muito pelo contrário. É racismo inercial: negros jogam futebol, mas não são capazes de ‘pensar futebol’”.
Entre os treinadores brasileiros campeões mundiais, Luiz Felipe Scolari, técnico do pentacampeonato em 2002, bem com Tite, atual comandante da equipe, eram atletas de defesa, sem grande destaque técnico nos times que jogaram.
Osmar de Souza, doutor em Educação Física pela UNICAMP e professor da UFSCar, não se surpreende com essa divisão, em que o treinador branco representaria o cérebro da equipe e os jogadores negros, em especial os músculos. Isso é algo, como recorda Osmar, que se repete no mercado de trabalho como um todo.
“Nesta lógica podemos assumir que os treinadores ocupariam a posição que tem como referente, no mercado, o gestor, o patrão, enquanto o jogador, grosso modo, poderia ser entendido como o operário, o ‘peão’”.
Didi
Mesmo sem oportunidades reais na seleção e nos principais clubes nacionais, alguns treinadores negros obtiveram sucesso em outros países.
Um nome a ser destacado é o do craque Didi. Campeão do mundo em 1958 e 1962 ao lado de Garrincha, Didi sagrou-se campeão peruano enquanto treinador pelo Cerveceros, em 1968. O bom trabalho possibilitou a condição de dirigir a seleção peruana em 1969, quando o país se classificou via eliminatórias pela primeira vez para a Copa do Mundo com uma surpreende vitória sobre a Argentina.
No mundial, Didi levou a seleção peruana às quartas de final, quando o país foi eliminado justamente para o Brasil, campeão daquela edição. Didi, até os dias de hoje, mesmo passados anos da sua morte, é tido como ídolo no Peru.
Didi ainda novo (Imagem: Uol)
O craque chegou a treinar clubes como River Plate da Argentina, Fernerbache da Turquia e os brasileiros Cruzeiro, Fluminense e Botafogo. Nunca, contudo, foi convidado a dirigir a seleção brasileira.
Osmar de Souza acredita que o caso de Didi é um clássico para mostrar a existência, ao longo da história, de jogadores negros “cerebrais”, caso do próprio Didi, Domingos da Guia, Djalminha, Alex, entre outros.
“Isso desconstrói a tese de que as diferenças de inteligência ou competência teriam raízes em marcadores raciais”, explica Osmar.