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Da direita à esquerda, a política do medo e a reprodução do discurso punitivista

2 de agosto de 2018

Um dos principais temas a ser discutido pelos pré-candidatos à presidência é a segurança pública, que se transformou em sinônimo de aumento da repressão e do punitivismo

Texto / Pedro Borges e Suzane Jardim
Imagem / Montagem / Agência Brasil

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A segurança pública é, certamente, um dos temas mais sensíveis no cenário nacional. Há anos, as pesquisas colocam a pauta entre as três maiores preocupações do brasileiro, estatística que justifica o papel central do assunto na agenda dos pré-candidatos à presidência, governos estaduais e até mesmo ao legislativo.

Apesar do grande interesse público no tema, ainda há um grande descompasso entre o que é proposto por políticos e o que dados e pesquisas de especialistas apontam. De maneira geral, o debate sobre a violência urbana e as soluções para contê-la permanecem mediados por sensos comuns, propostas mirabolantes e falácias que não se sustentam quando submetidas a análises mais cuidadosas.

Não à toa, o Brasil vive uma intervenção federal de caráter militar no Rio de Janeiro, que consome cerca de R$ 1 bilhão dos cofres públicos, pouco tem diminuído os índices de violência na cidade e ainda é marcada por denúncias de violações de direitos humanos.

Outras propostas e promessas, também alimentadas pelo senso comum, como a redução da maioridade penal, castração química de estupradores, pena de morte, legalização do porte de armas, promoção de maior rigor na aplicação das leis e outras medidas que, apesar de não se basearem em estudos da criminologia, sobrevivem por conta do apelo a um aspecto subjetivo muito presente entre nós, eleitores e cidadãos: o medo.

Ao analisarmos a linha histórica da humanidade, chegaremos à conclusão de que nunca houve tantas garantias de segurança aos cidadãos – são equipamentos eletrônicos, forças policiais ostensivas, leis e mais leis sendo incluídas no código penal.

Acredita-se que quanto mais severa for a legislação, menor será a chance de se “optar” pela criminalidade e mais seguro estaremos, ignorando completamente o fato de que a criação de mais leis repressivas, como a que tornou o tráfico de drogas crime hediondo em 2002, não traz melhoria visível para o Brasil ou qualquer outro país do mundo.

Em 2016, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias mostrou que, desde o início da década de 1990, houve aumento de 707% no número de pessoas privadas de liberdade no Brasil. Mesmo assim, o medo persiste.

Bairros nobres de São Paulo, como Morumbi, Perdizes, Pinheiros e Jardim Paulista, têm hoje os mesmos índices de violência letal de países como Bélgica e Suécia. Entretanto, os moradores desses bairros permanecem com a sensação de que há segurança nas nações europeias e não onde residem.

Apesar do medo ser algo compartilhado de maneira “democrática” entre os diferentes grupos raciais, sociais e de gênero, a materialização dele se faz na figura da mulher e do homem negro.

A cobertura diária dos veículos de mídia, que alimenta a empatia dos espectadores pelas vítimas e repulsa pelos criminosos, fortalece o imaginário de que existe o bem, representado cotidianamente na mídia pelo homem branco de classe média, cristão e pai de família, e o mal, figurado pelo negro, pobre e periférico.

O resultado desta representação é a seletividade da violência, que recai de maneira mais letal sobre pretos e pardos. De 2006 e 2016, a taxa de homicídios de negros cresceu 23,1%, enquanto entre os não negros reduziu em 6,8%.

A política do medo vem ditando o modo como vemos e lidamos com as questões de segurança pública em níveis pessoais, nacionais e globais. Países como os EUA, considerados ‘desenvolvidos’, só muito recentemente passaram a rever suas políticas de encarceramento e de tolerância zero, motivados pelo fato concreto e estatístico de que tais medidas, que sobreviviam graças ao medo, tiveram pouco ou nenhum impacto na melhoria da segurança dos cidadãos norte-americanos.

A resposta política dada no Brasil a este medo tem sido justamente o recrudescimento das leis e o aumento da punição, aquelas propostas cuja eficácia são hoje questionadas até nos EUA.

Deste modo, candidatos que se identificam tanto com a direita quanto com a esquerda se aproveitam do medo e do anseio geral por uma sociedade mais segura para apelar aos sentimentos, esfregar dados sobre mortes e números assustadores na cara do eleitor, propondo mais das mesmas soluções que vêm sendo aplicadas há décadas sem qualquer saldo positivo.

Jair Bolsonaro, pré-candidato à presidência pelo PSL, é a representação clássica desse processo. Em sua entrevista recente para o programa Roda Viva, reforçou seu discurso pró-redução de maioridade penal e em favor da tolerância zero com a criminalidade, criticou as instituições de Direitos Humanos e reafirmou seus compromissos com uma suposta radicalização do poder punitivo.

A impregnação deste discurso, porém, é mais presente do que imaginamos e respinga no espectro político descrito como progressista. Maria Lucia Karam, juíza aposentada e intelectual do campo do direito, cunhou o termo “esquerda punitiva” para falar sobre as tendências da esquerda de adotar o discurso do medo e prometer maior rigor penal para solucionar problemas de minorias que, para Karam, são os alvos da punição do sistema penal e jamais sua prioridade de proteção.

O erro da esquerda então seria o de ver soluções em prisões e punições, ignorando a já citada falta de resultados que as medidas punitivas têm trazido. Em patamares muito diferentes dos de Bolsonaro, Manuela D’Ávila, pré-candidata pelo PCdoB, propõe uma política continental de combate ao narcotráfico e a construção de um presídio federal em cada estado, como se fosse a falta de prisões a responsável pela violência urbana e como se o combate ao tráfico não fosse hoje um dos ramos mais criticados dentro do direito penal.

Estas são propostas que em nada alteram a lógica da violência e seguem a alimentar a esperança em cidadãos que temem por suas vidas e desconhecem estudos e especialistas, críticos a esse modelo.

Eugenio Raúl Zaffaroni, jurista argentino e juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos, traz um exemplo que muito colabora para entendermos a delicadeza da questão.

Suponhamos que um adolescente quebre propositalmente as janelas de sua escola. Para solucionar o problema, a direção pode exigir o pagamento do estrago, enviar o aluno para um psicopedagogo ou tentar descobrir se algo, como irritação ou incômodo, o levou a cometer tal ato.

Estão aí três modelos diferentes do que prega o punitivismo para lidar com o problema – o reparador, o terapêutico e o conciliatório. É possível escolher uma das soluções ou, inclusive, aplicar todas até o problema ser resolvido.

Porém, se o diretor resolver mostrar sua autoridade e simplesmente punir o aluno com uma expulsão, nenhum dos demais modelos poderá ser aplicado, o aluno desaparecerá da escola e o vidro continuará quebrado – ninguém terá resolvido o problema, mas todos dirão que houve “justiça” graças à expulsão.

Obviamente, os temas da segurança pública são mais complexos do que janelas quebradas, mas o exemplo é importante para que se compreenda que a vida e a segurança dos cidadãos são hoje vidros quebrados e abandonados sem solução por parte de uma política que pune sem resolver verdadeiramente os problemas de segurança, sem promover assistência digna, reparadora e propositiva para as vítimas, que não discute modelos alternativos e que apela para o endurecimento de medidas que já se mostraram ineficazes há tempo.

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