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Como o incômodo com um tipo de abate religioso está relacionado com o racismo?

16 de agosto de 2018

STF julga ação movida pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, que se apresenta contrário a uma lei estadual que dá liberdade para religiosos praticarem sacrifícios nos ritos afro-brasileiros. Por que o mesmo questionamento não foi feito para as comunidades judaica e muçulmana?

Texto / Thalyta Martins
Imagem / Olhar de um Cipó

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O Ministério Público do Rio Grande do Sul apresentou um recurso extraordinário contra a decisão do Tribunal de Justiça do Estado, que validou a constitucionalidade da lei gaúcha 12.131/2004, que permite o sacrifício de animais destinados à alimentação nos cultos das religiões de matrizes africanas. O recurso teve julgamento parcial em 9 agosto, mas foi suspenso por pedido de vista de Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal).

O RE 494601 apresenta uma faceta do preconceito estrutural da sociedade contra iniciativas que provenham de África, dos negros. Nilma Lino Gomes, em seu artigo sobre relações raciais, cita Nilma Bentes (1993), que diz que a discriminação “cultural” acompanha a físico, pois os racistas acham que “tudo que vem de negro, de preto” ou é inferior, ou é maléfico – religião, ritmos e hábitos, entre outros aspectos.

Sacrifícios de animais são realizados por judeus e muçulmanos, mas isto parece não incomodar pessoas defensoras dos animais. De acordo com o advogado Hédio Silva Jr., durante o seu pronunciamento na corte suprema do Brasil, os próprios proponentes do RE se contradiziam, por levarem nos pés sapatos de couro, além de consumirem carne em suas refeições.

Além disto, dados do Ministério da Agricultura apontam que, a cada segundo, são realizados 180 abates de frangos, um de porco e um de boi no Brasil.

Crimes e leis

Dados do Disque 100, serviço do Ministério dos Direitos Humanos, expôs que de janeiro de 2015 até o fim do primeiro semestre de 2017, 1.486 queixas de ataques a templos religiosos foram feitas. O número equivale a uma denúncia feita a cada 15 horas.

Após analisar estes dados, a Secretaria Especial de Direitos Humanos chegou à conclusão de que os principais alvos das discriminações religiosas são as religiões afro-brasileiras – ataques contra templos de religiões de matriz africana correspondiam a 39% das denúncias.

O artigo V da Constituição Federal diz que todo brasileiro tem direito ao “livre exercício de cultos religiosos e tendo garantida a proteção aos seus locais de culto e às suas liturgias”. As penas previstas no Código Penal para intolerância religiosa são multa ou detenção, que pode variar de um mês a um ano. Caso ocorra algum ato de violência, a pena deverá ser aumentada em um terço.

O projeto de lei feito pelo vereador Toninho Vespoli (PSOL) institui infração administrativa a quem causar danos a estruturas físicas ou símbolos religiosos de tradições de matriz africanas. O PL 01-00790/2017 diz respeito a infrações como impedir, perturbar cerimônia ou prática de culto religioso, humilhar publicamente ato ou objeto de culto religioso, ou depredar templos e terreiros religiosos.

Para o infrator, o PL prevê as seguintes punições: participar de curso de diálogo interreligioso e de tolerância religiosa, promovido pela Secretaria de Direitos Humanos; impedimento de contratações pela Administração Direta e Indireta Municipal para exercer atividade remunerada por três anos; retratação pública na mesma proporcionalidade, além da reparação civil aos templos ou terreiros religiosos pelo dano causado. Em caso de reincidência, o autor deve pagar multa de R$ 2 mil em decorrência do ato, para custear programas e campanhas contra a intolerância religiosa promovida pela Secretaria de Direitos Humanos.

Vai ter luta

Enquanto retrocessos têm tentativas de efetivação em nome do etnocentrismo, povos de religiões de matriz africana protestam e reivindicam respeito à sua forma ancestral de conexão com deuses e divindades que os acompanham há muito tempo. O último ato ocorreu nacional ocorreu em 8 de agosto e reuniu milhares de pessoas de branco em diversas cidades do país, que pediam paz e liberdade de culto.

De acordo com Nilma Lino Gomes, etnocentrismo é o sentimento de superioridade que uma cultura tem em relação à outras, e se trata de algo que consiste em postular indevidamente como valores universais os valores próprios da sociedade e da cultura à qual o indivíduo pertence.

“O etnocêntrico acredita que os seus valores e a sua cultura são os melhores e os mais corretos, e isso lhe é suficiente. Ele não alimenta necessariamente o desejo de aniquilar e destruir o outro, mas evitá-lo e até mesmo de transformá-lo ou convertê-lo, pois carrega em si a ideia de recusa da diferença e cultiva um sentimento de desconfiança em relação ao outro, visto como diferente, estranho ou até mesmo como um inimigo potencial.”

Além disto, a pesquisadora alerta para a relação intrínseca que o etnocentrismo poderá ter com o racismo, caso seja intensificado. “Quando esse tipo de sentimento se exacerba, produzindo uma ideia de que o outro, visto como o diferente, apresenta inferioridade biológica além das diferenças consideradas objetivas, o etnocentrismo pode se transformar em racismo.”

Como o incômodo não se estende à outras religiões que praticam sacrifícios, Islã e Judaísmo, podemos concluir o fator racismo à esse RE apresentado pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Nilma Lino Gomes define racismo como “um comportamento, uma ação resultante da aversão, por vezes, do ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como: cor da pele, tipo de cabelo, etc. Ele é por outro lado um conjunto de idéias e imagens referente aos grupos humanos que acreditam na existência de raças superiores e inferiores.”

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