Texto: Alane Reis
Como todo preto favelado, Toni é um universo em crise, e ele não vive um bom dia: ônibus lotado, salário atrasado, exploração no trabalho, descrença nos estudos, falta de grana, contas vencidas, polícia e solidão. As angústias de Toni, semelhantes com as de tantos outros personagens da vida real, são contadas em Cinzas, segundo filme da diretora baiana Larissa Fulana de Tal (Lápis de Cor, 2014), que será lançado no próximo dia 24 de julho, durante a programação do Festival da Mulher Afro-latino-americana e caribenha, em Brasília.
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O curta-metragem, adaptado do conto homônimo do escritor Davi Nunes, tem como personagem principal o jovem Toni: estudante universitário, que trabalha como operador telemarketing na empresa Tumbeiro, na cidade de Salvador. As imagens de Cinzas fogem dos tradicionais planos alegres de propagandas do verão soteropolitano, e poderiam ser bem ambientadas em qualquer cenário urbano do Brasil. “Toni tem o corpo escravizado pela lógica trabalhista contemporânea que quase todos nós estamos submetidos. Ele já não agüenta mais o emprego no Call Center, sabe que é explorado e que precisa sobreviver sem perder a dignidade, e sem surtar. Sua consciência é livre”, comenta a diretora Fulana de Tal.
Cinzas é um filme sobre cotidianos comuns e universos crises, a trama apresenta imposições obvias da vida de tantos jovens brasileiros, e por isso mesmo não surpreende e emociona. Toni é a imagem do espelho de uma multidão acostumada com a negação, mas que não abriu mão da resistência.
O filme é mais uma produção do coletivo de cinema negro Tela Preta, organização que pauta a representatividade negra no audiovisual. Para a Tela Preta, cinema e engajamento político se fundem. “Acreditamos que a temática racial no filme é tão importante quanto a autonomia da voz. Sabemos falar por nós mesmos, e isso é Cinzas. É uma felicidade muito grande para toda equipe lançarmos no Festival Latinidades”, comenta a diretora Larissa Fulana de Tal.
O lançamento oficial de Cinzas acontece no próximo dia 24 de julho, no Festival da Mulher Afro-latino-americana e caribenha, no Cine Brasília (DF), às 14h. O Latinidades é o maior festival de mulheres negras da América Latina, e há oito anos marca a agenda internacional de lutas do movimento de mulheres negras. Este ano o festival tem como tema Mulheres Negras Realizadoras de Cinema.
Uma Tal Fulana Diretora
Larissa, a diretora de Cinzas, decidiu-se pelo pseudônimo artístico “Fulana de Tal” em referência aos inúmeros sujeitos comuns da história. Ela é realizadora no coletivo de cineastas negros Tela Preta e bacharel em Cinema e Audiovisual na UFRB. Em 2013 ela recebeu o prêmio de Mensão Honrosa do videoclipe, no 3º FestClip – São Paulo/ SP, com a direção do videoclipe Axé (2012), do grupo de Rap Conceito Articulado. Em 2014 lançou seu primeiro filme, Lápis de Cor (2014), projeto contemplado pela I Chamada de Curtas Universitários do Canal Futura, e trata sobre racismo na infância.
A Fulana carrega no corpo e transpõe para a sua arte o “fardo da representação” enquanto mulher e negra, identidades por tantas vezes estereotipadas, marginalizadas e folclorizadas no campo cinematográfico. E é daí que ela olha, propõe, dirige e produz.