Relatório dá propostas de combate ao genocídio da população jovem e negra, cuja responsabilidade se atribui ao Estado brasileiro
Texto: Solon Neto / Imagem e Artes: Solon Neto
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A CPI do Senado sobre o Assassinato de Jovens concluiu suas atividades no dia 08/06 com dados alarmantes. Segundo a CPI, a cada 23 minutos, morre um jovem negro no Brasil. A relatoria acata a tese de genocídio da população negra, e cita um estado que se aproximaria de uma guerra civil no país, que contaria com a conivência das classes dirigentes.
A comissão apontou no relatório final quatro ações necessárias para o enfrentamento ao problema. A criação de plano nacional de redução de homicídios de jovens; a transparência de dados sobre segurança pública e violência; o fim dos autos de resistências; e a desmilitarização da polícia.
As mortes entre jovens negros são quatro vezes mais frequentes do que entre os brancos. Cerca de 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são mortos anualmente. A escalada nos números também é preocupante. Os dados apontam que entre 2002 e 2012 o número de mortes entre jovens negros subiu 32%, enquanto o de brancos caiu de forma proporcional. Segundo a ONU, o Brasil é responsável por 10% dos homicídios do mundo, e tem 21 das 50 cidades com maior número de assassinatos no planeta.
Sobre a discussão das polícias, o texto critica o caráter de treinamento militar das polícias, pois “produz a morte de milhares de jovens negros todos os anos no Brasil”. Para a comissão esse tipo de treinamento indica inimigos, o que torna a polícia mais letal e menos próxima de sua comunidade. O texto aponta que a noção de guerra está presente nessas corporações, o que atrapalha sua função civil. Como exemplo, remonta ao imaginário positivo que há no país em relação ao uso do exército em favelas, como no caso do Rio de Janeiro. Haveria aí uma distorção sobre funções policiais.
O senador Lindbherg Farias (PT-RJ), relator da CPI, afirmou: “A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. Isso equivale à queda de um jato cheio de jovens negros a cada dois dias. Genocídio da população negra é a expressão que melhor se enquadra à realidade atual do Brasil”.
Combate ao genocídio avança aos poucos no governo
A concepção de genocídio da população negra existe há muito no movimento negro, e só recentemente tem ganhado a atenção do governo federal. No ano passado, a câmara dos deputados também realizou uma CPI para apurar a morte de jovens negros. O relatório final , da CPI da Violência contra Jovens Negros e Pobres, aprovado em 15/07/2015, denunciou o que chamou de genocídio simbólico . No entanto, a CPI marcou o reconhecimento do genocídio pelo governo, o que avançou ainda mais com o texto divulgado pelo Senado esta semana.
À época, a relatora do texto, a deputada Rosângela Gomes (PRB-RJ) declarou que as audiências públicas apontavam com frequência a falta de serviços públicos nas áreas de concentração da população negra e pobre. O relatório apontou também dados do Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/Datasus), apontando 206 mil homicídios no Brasil entre 2008 e 2011. A maior parte desses assassinatos fora de de jovens, 51,5 mil, e destes, quase três quartos fora de negros.
As medidas sugeridas no texto incluíam aprovação de projetos parecidos com os apontados pela relatoria do Senado este ano, como a criação do Plano Nacional de Redução de Homicídios de Jovens, a desmilitarização das polícias e a aprovação do fim dos autos de resistência, do Projeto de Lei 4471/12. No entanto, os projetos não avançaram desde então.
Além disso, sugere a PEC que criaria o Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Superação do Racismo e Reparação de Danos, que asseguraria 2% do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados para a criação e manutenção de políticas públicas para a população negra.
Deficiências do Estado
O relatório da CPI do Senado traz duras críticas ao Estado brasileiro. Segundo o texto, o Estado é o maior responsável pelo Genocídio da População Negra no país e tem sérias deficiências na compilação de dados sobre a incidência de crimes. A comissão relatou problemas ao procurar dados, que ou não existiam, ou eram bloqueados por uma densa burocracia. Segundo o texto, “Vivemos em uma guerra, mas não temos dados precisos sobre ela”.
O relatório ressalta em suas conclusões que a “guerra às drogas” seria uma das responsáveis principais pela naturalização das medidas. Para o texto, a polícia institucionalizou sua relação com a favela sob moldes de confronto, apoiada pela mídia e por grande parte da população.
Isso teria feito medidas extrajudiciais serem naturalizadas e louvadas em noticiários, além da aprovação delas pelas instituições. As cidades passaram por um processo de cisão, no qual há omissão do Estado nas comunidades pobres. Nesses locais apresenta-se a violência coercitiva das polícias como forma principal de ação, o que gera um sentimento de repulsa na população. Dessa forma, teriam se fortalecido a presença do tráfico de drogas como “poder paralelo que organiza a vida da comunidade”.
A justiça também é criticada no texto. Segundo o relatório há leniência da justiça criminal frente às execuções extrajudiciais nas comunidades. Esse quadro caracterizaria um Estado que se ausenta de seu papel social e constitucional nas áreas mais pobres, enquanto fecha os olhos para o genocídio dos jovens negros.
O texto cita a falência eminente do sistema de segurança pública no país, apontando que dos quase 60.000 homicídios que ocorrem por ano no Brasil, apenas 8% chegam a ser elucidados pela Polícia Civil. Para a comissão, o modelo atual “está falido, não apura crimes, não sabe impedir atos de violência e promove a dizimação da população jovem, negra e pobre”.