Luana Barbosa dos Reis foi assassinada no ano passado, na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, depois de ser espancada por policiais militares. O advogado de Ribeião Preto, Daniel Rondi, um dos profissionais que acompanha o crime, explica a situação judicial do caso Luana.
Texto / Daniel Rondi
Imagem / Alma Preta
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Desde o trágico episódio envolvendo Luana, acompanhamos pela família o desenrolar dos fatos e a investigação criminal.
O primeiro ponto que precisa ser esclarecido é que o caso que apura a morte de Luana ainda não terminou. Esta é a primeira informação que as pessoas precisam entender.
Quando ocorre uma morte violenta, os fatos precisam ser apurados pela Justiça, ou seja, a sua ‘materialidade e autoria’. O que aconteceu e quem fez isto, o que popularmente chamamos de investigação criminal, que é feita através de um inquérito policial (seja ele civil ou militar). – Esta é a segunda informação que as pessoas precisam entender.
Após a morte de Luana, a polícia civil (delegacia de polícia), instaurou um inquérito policial para apurar o que aconteceu e quem fez isto. Neste ponto, a polícia civil ouviu testemunhas, relatos do filho de Luana e vários outros elementos sobre os fatos e as provas. O Delegado da Polícia Civil chegou à conclusão de pedir ao juiz estadual a prisão preventiva de alguns policiais militares.
Neste ponto, quando o juiz iria decidir, ou não, pela prisão dos policiais, ele (o juiz) entendeu que não haviam elementos da investigação para concluir que se tratava de um crime doloso contra a vida (um crime comum de alguém que tinha vontade de matar outra pessoa). Entendeu o juiz que tal fato deveria então ser investigado não mais pela polícia civil, mas pela própria polícia militar, uma vez que a morte de Luana poderia ter ocorrido no exercício da função policial derivada de uma “lesão corporal seguida de morte” (matar alguém sem a intenção de ‘querer matar’ – dolo).
Com este entendimento do juiz estadual, eventual crime que estava sendo apurado pela justiça comum (Justiça Estadual) não mais seria investigado e eventualmente julgado, por este juiz da Justiça Estadual – Comum, pois ele estava decidido de que o caso deveria ser investigado e julgado pela Justiça Militar (que apura crimes praticados pelos servidores militares).
Foi neste ponto que o Promotor de Justiça Estadual, Ministério Público Estadual (Fiscal da lei Comum pela sociedade) não concordando com aquela decisão do juiz estadual, entrou com um recurso (Recurso em Sentido Estrito) no Tribunal de Justiça Estadual (Justiça Comum), contra o entendimento do Juiz Estadual da causa, argumentando dentre outras coisas que o caso, sim, deveria ser investigado pela polícia civil, pois havia indícios de morte com dolo (vontade) e que a decisão que mandava o caso para a Justiça Militar era precipitada.
Neste momento a decisão do juiz começou a valer, mesmo com o recurso do Promotor de Justiça Estadual (pois o recurso não tem efeito suspensivo – não suspende a decisão do juiz até analise do tribunal) e o caso foi para a competência da Justiça Militar e então para a polícia militar investigar.
Durante toda investigação pela polícia militar, a promotora militar – Ministério Público Militar – entendeu que não havia indícios mínimos de que os policiais teriam cometido crime e determinou o arquivamento da investigação. Em tese, terminava ali o caso sem que o Ministério Público Militar entendesse que havia crime ou que este crime pudesse ser atribuído aos policiais militares.
Ocorre que o Tribunal de Justiça, julgando posteriormente aquele recurso anterior do Promotor de Justiça Estadual, entendeu que o caso deveria sim ser investigado pela polícia civil e que poderia sim haver crime comum (e não crime militar) e determinou a retomada das investigações (inclusive a análise da prisão dos militares) pela Justiça Comum.
Esta decisão, em tese, não sendo favorável aos investigados, ficou sujeita a recursos por parte da defesa destes investigados no Tribunal. O caso ainda não voltou para Ribeirão Preto, para retomar a investigação pela polícia civil (e não militar). Este é o ponto em que estamos neste momento.
Alguns esclarecimentos:
Toda esta analise está embasada na busca de informações processuais pelo advogado da família, imprensa e acesso apenas de algumas decisões publicadas.
Isto se deve ao fato de que alguns destes procedimentos tramitam em segredo de justiça e que ainda não estamos habilitados como Assistentes de Acusação pela família de Luana, devido ao fato de não existir uma acusação formal, uma denúncia, um processo criminal. Estamos na fase anterior do processo, na investigação.
É importante esta narrativa a fim de evitar desinformações e fomentar a exigência de uma solução de justiça para um caso tão brutal como o de Luana. Não podemos aceitar uma decisão que não possa esclarecer o que ocorreu de fato com Luana. Não podemos aceitar que um crime fique impune, seja ele cometido por qualquer pessoa civil ou militar.
Observações:
– Número do processo que apura a morte de Luana no Tribunal Estadual: 0011942-10.2016.8.26.0506
– Número do Recurso do Promotor contra decisão do Juiz Estadual:
0019019-70.2016.8.26.0506
– Número do processo que apura a morte de Luana no Tribunal Militar: 0002103-10.2016.9.26.0010
Atenciosamente
Daniel Rondi
Advogado