Funcionários da loja arremessaram Dandara Xavier, mulher negra e lésbica, para fora do estabelecimento sob ofensas racistas. Movimentos sociais preparam ato para o dia 27 de Maio contra os ataques racistas e em memória de João Victor, criança negra morta na região, em Fevereiro.
Texto / Pedro Borges
Edição de Imagem / Pedro Borges
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Depois de pedalar poucos minutos de sua casa em busca de um presente de Dia das Mães, a designer multimídia Dandara Xavier encontrou uma loja de acessórios, no número 3.866 da Avenida Deputado Emílio Carlos, Vila Nova Cachoerinha, e decidiu parar ali para observar as estantes e quem sabe comprar algo para sua mãe.
Ao encostar sua bicicleta em frente ao estabelecimento, recebeu a notícia de um funcionário de que não poderia estacionar ali. Sem se importar, entrou na loja para avaliar o preço dos produtos e, enquanto passeava pelo espaço, foi questionada por uma senhora se tinha dinheiro parar comprar algo. Indignada, a designer multimídia apresentou os R$ 40,00 que carregava consigo, o que não foi suficiente para evitar que fosse agarrada pelo braço, pescoço e depois arremessada para fora do estabelecimento, sob os dizeres de “nega vagabunda” e “macaca”.
As agressões sofridas por Dandara Xavier, mulher negra, lésbica, camdomblecista, no dia 12 de Maio, sexta-feira, por volta das 9h30, não pararam por aí.
Depois de ser lançada para a rua, a designer multimídia arremessou um vaso de flores no lojista, que logo pegou a bicicleta de Dandara e a jogou no chão. O homem então caminhou na direção de Dandara, que atirou sua bicicleta nele.
Nesse momento, ela relata que outro homem tentou a arrastar para a escadaria de um consultório dentário. Dandara então atravessou a rua e correu em busca de ajuda nas dependências das Casas Bahia.
Os dois homens a alcançaram, aplicaram um chute em suas pernas, e a imobilizaram no chão. Quando levantou, ela foi enforcada pela dupla. Durante todo esse processo, a mulher de 30 anos recebeu agressões verbais.
Foi então quando um dos homens ameaçou chamar a polícia, o que foi concordado por Dandara. A chegada dos agentes de segurança fez um dos homens que a imobilizava sumir. O outro, continuava a segurá-la pelo punho. A primeira dúvida dos policiais para Dandara foi saber o que ela tinha roubado. Ao dizer que não havia furtado nada, o policial retrucou pedindo para ela ficar quieta.
Outro policial pediu para ela se acalmar, o que foi entendido por Dandara como impossível. Depois de relatar todo o ocorrido, confirmar o arremesso da bicicleta, o policial questionou sobre a situação dos carros parados na loja. Quando ela perguntou se o carro era mais importante do que a sua integridade, recebeu um novo “cala boca” e uma ameaça de ser algemada e levada para delegacia.
Foi nesse momento que outra mulher, conhecida de Dandara, parou para perguntar o que estava acontecendo. Os policiais questionaram se ela a conhecia e depois de ouvirem que sim, que ela era líder religiosa da casa de santo da qual Dandara faz parte, o tratamento mudou.
Outras três viaturas chegaram ao local e Dandara pôde explicar a situação. Os agentes de segurança pediram para ela esquecer o ocorrido, porque não havia flagrante, anotaram o número de RG dela, trouxeram sua bicicleta e foram embora. No caminho para casa, a designer multimídia ainda disse ter ouvido de um dos homens que participou de sua agressão, que “vai morrer”.
O caso foi registrado como Injúria Racial na 40° Delegacia de Polícia, na Avenida Deputado Emílio Carlos, 1251, e Dandara promete tomar todas as medidas cabíveis para solucionar o fato perante a justiça.
Em entrevista para o Alma Preta, ela disse já ter passado por outras 5 situações como essa ao longo dos seus 30 anos de vida. A primeira abordagem dessa maneira que recebeu em estabelecimentos comerciais foi aos 9 anos de idade.
Questionada se vê motivação racista no caso, Dandara não hesita. “A forma da abordagem, já que havia outros clientes brancos na loja circulando livremente, a primeira palavra do agressor ‘macaca’” configuram o racismo do caso. Passado o ocorrido, ela ainda disse ter ouvido frases como “Porque não ficou quieta?”, “Mas olha seu cabelo, sua roupa, porque não pediu desculpas e saiu da loja?”, expressões que fortalecem sua tese.
Ela não enxerga esse fato como isolado, mas como fruto de uma sociedade que continua a marginalizar negros e periféricos e a olhá-los como seres criminosos e analfabetos. “Nunca olharão pra gente como potenciais compradores, médicos, advogados, dentistas ou psicólogos”.
O cotidiano de violência a que estão submetidos negras e negros no país apresenta números alarmantes para os padrões internacionais. No Brasil, em 2012, 173.536 dos presos no país eram brancos e 295.242, negros. Neste mesmo ano, enquanto 9.667 brancos morreram por armas de fogo, outros 27.638 negros perderam a vida da mesma forma.
Em Fevereiro deste ano, João Victor, de 13 anos foi morto no Habbibs da região, localizado a menos de 1 Km do local onde Dandara foi agredida (Foto: Sérgio Silva/Ponte Jornalismo).
Para as mulheres negras, a violência é acentuada pelo machismo. Entre os anos de 2000 e 2014, o aumento do encarceramento feminino foi de 567%, segundo o Infopen Mulheres. O “Mapa da Violência de 2015: Homicídios de Mulheres no Brasil” confirma a tônica e mostra um aumento de 54,2% de assassinatos contra mulheres negras, entre 2003 e 2013, saltando em número absolutos de 1.864, em 2003, para 2.875, em 2013. Em contrapartida, houve recuo de 9,8% nos homicídios envolvendo mulheres brancas, quantia que caiu de 1.747 para 1.576 entre o mesmo período.
Esses dados confirmam o medo de Dandara de não reencontrar uma amiga ou amigo no dia seguinte, devido à violência do Estado nas periferias. Para ela, há a sensação de que a sociedade pensa que “se eu matar um deles, estarei fazendo um favor. Menos um bandido na rua”.
“Eu conhecia o João Victor e assim como todos fiquei perplexa”
Exemplo dessa violência aconteceu no dia 26 de Fevereiro, quando João Victor Souza de Carvalho, 13 anos, morreu em frente ao Habib’s, na Vila Nova Cachoerinha. Os laudos apresentados indicam a presença de substâncias químicas no sangue de João Victor, como as substâncias cocaína e loló, apontadas como a causa da morte da criança.
A defesa contesta a decisão com base nas imagens divulgadas pela Ponte Jornalismo, que mostram João Vitor sendo agredido e carregado por seguranças da rede de fast food. Testemunhas confirmam ter presenciado as agressões dos seguranças contra o menino.
Dandara conhecia João Vitor, que brincava com a sua bicicleta e ajudava seu tio nas compras na feira da região. “Eu conhecia o João e assim como todos fiquei perplexa com o ocorrido”, relata.
Para ela, ambos não tiveram chances de defesa e foram julgados com base no preconceito de que todos negros e pobres são bandidos e drogados, até que se prove o contrário. “João morreu e foi vendido como drogado. Se eu morresse ali, duvido que não seria também”.
O diferente final da narrativa de Dandara e João tem a ver com um simples fato. “Eu consegui correr. O João não”.
Ato por Dandara, João, Luana, Cláudia e todas nós
No dia 27 de Maio, sábado, ativistas convidam todos para um ato artístico e político em frente à loja. A concentração tem início às 14h, em frente ao Centro Cultural da Juventude (CCJ), na Avenida Deputado Emílio Carlos, 3641.
Dandara pensa ser importante mostrar toda indignação contra mais esse abuso. “Eles não agrediram um animal, eles agrediram uma pessoa, mulher, negra, periférica, universitária, feminista negra, umbandista e lésbica”.
“Resolvi tornar publico e pedi ajuda na organização de um ato artístico e político por mim, pelo meu amiguinho João Victor, pela família dele e por todas as mulheres, crianças e adolescentes que já vivenciaram isso. É expor para sociedade que ninguém está sozinho”, completa.
A loja
A equipe de reportagem do Alma Preta entrou em contato com a loja durante o período da manhã. Quem nos atendeu pediu para retornarmos a ligação mais tarde, quando o movimento estivesse mais baixo. Durante toda a tarde, o telefone do comércio ficou desligado.
Secretaria de Segurança Pública
Em nota, a CDN, empresa responsável pela Assessoria de Imprensa da Secretaria de Segurança Pública, enviou a seguinte mensagem.
“A Polícia Civil informa que o caso foi registrado como injúria racial ou por etnia e lesão corporal. Todos os fatos serão apurados em inquérito policial logo que ocorra a representação da vítima contra os autores. A natureza do inquérito poderá ser alterada de acordo com a investigação dos fatos. Foi requisitado exame de corpo de delito”.
O texto foi alterado às 15h52 do dia 17 de Maio de 2017 para incluir a resposta da Secretaria de Segurança Pública.