Texto: Caio Faiad / Edição de Imagem: Pedro Borges
– Como eu sou estudante de Pedagogia vou dar uma aula pública! Vou fazer umas perguntas, mas só as pessoas pretas respondem, ok? Vou perguntar: Existe negrofobia? – Não! – Como se chama isso? – Racismo.
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Essa intervenção da DJ de blackpower loiro que aconteceu na festa BATEKOOSP durante a Ocupação Preta da Funarte em São Paulo e é uma representação da nova configuração de educadores no Brasil.
Dias antes dessa importante festa do movimento negro brasileiro, li uma matéria sobre Ane Sarinara uma professora de Osasco, Grande São Paulo, que nas aulas de História pedia aos alunos que compusessem funks com o conteúdo ministrado por ela. Destaco o seguinte trecho da reportagem da Revista do Brasil “Estudou em escolas estaduais da região, onde anos depois voltou para lecionar, após cursar História em uma das primeiras turmas do ProUni. ‘Ultrapassei o limite de ‘você vai ser doméstica, ter filho aos 16 anos e seu máximo vai ser um marido traficante’, como me diziam quando eu tinha 14 anos’.”
Já a história de quem os escreve começa na favela do México 70 em São Vicente no litoral de São Paulo. Com muito esforço consegui uma vaga no CEFET-SP (hoje IFSP) na cidade de Cubatão. Estudar na escola federal foi um grande diferencial na minha formação, mas também houve um esforço sobrenatural. Em seguida, entrei em Química Ambiental no Ibilce-Unesp, segui o mestrado em Química Orgânica no IQ-Unicamp e, ao invés de, iniciar o doutorado, comecei Letras na FFLCH-USP. Hoje divido o meu tempo entre a segunda graduação e a docência em uma Instituição de Ensino Superior privada, onde leciono no curso de Licenciatura em Química na modalidade EAD em Santos.
Existem pontos de contato entre a minha trajetória de professor universitário, a da professora de História da Educação Básica de Osasco e a da DJ estudante de Pedagogia: somos reflexo de uma política nacional de educação que abrange ProUni, Reuni, expansão do FIES, Lei de Cotas e as Lei nº 10.639/2003, que inclui no currículo da educação básica a “História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.” Mas também há os aspectos de vivência que nos unificam ainda mais: somos negros, não chegamos nos 30 anos, e pelo menos dois de nós três somos de origem periférica. Representamos, assim, uma nova configuração de educadores: o “professor da quebrada”.
Em junho de 2016, durante as manifestações das mulheres pelo fim da cultura do estupro ficou lantente que, para uma parte da sociedade brasileira, movimentos que buscam igualdade de direitos, seja das mulheres, dos negros e dos LGBTIQ, tratam-se de movimentos esquerdistas. Isso ocorre porque a polarização da política brasileira foi acompanhada de um direcionamento das pautas progressistas para os partidos de esquerda e centro-esquerda e das pautas conservadoras para os partidos de direita e centro-direita.
A entrada do PT na presidência da República deu vazão, embora de forma insuficiente, para as pautas progressistas. As pautas do Movimento Negro como a defesa das cotas raciais no Ensino Superior como meio para promoção da equidade racial se tornaram agenda dos partidos de esquerda, e portanto os conservadores, alinhados aos partidos de direita, apontam essas pautas, de maneira equivocada, como uma ideologia marxista. O mesmo acontecerá com as pautas do Movimento Feminista e do Movimento LGBT, que para a direita brasileira se tornaram mecanismo de uma doutrinação marxista, doutrinação bolivariana, doutrinação ideológica.
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