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Meu cabelo, minha coroa

14 de julho de 2016

Texto: Karine Lima / Edição de Imagem: Pedro Borges

Tenho vários motivos para escrever sobre isso e tenho também vários modos de começar. Mas resolvi fazer uma trajetória histórica da minha vida e voltar a minha infância. Como criança negra, sempre sofri muito preconceito em relação ao meu cabelo. Chorei por diversas vezes na tentativa de talvez expelir essa dor, mas com o tempo percebi que não havia choro que pudesse externar a dor de não ser aceita pelo simples fato de ser diferente.

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Quando criança, acreditava que eu era a única que passava por isto. Nós não temos muita noção do que vivemos, tampouco conhecimento sobre o racismo.  Nossos pais normalmente dizem que são pessoas más e assim ficam categorizadas, mas nunca consegui entender o porquê a minha existência enquanto ser incomodava tanto. Nos enganamos em pensar que o preconceito acabou, ou que pelo menos as crianças são poupadas. Na realidade, as coisas continuam exatamente iguais. Os gêmeos dessa semana foram a prova viva disso. O preconceito, neste caso, veio mascarado com a desculpa da prevenção do piolho. O engraçado, porém, é que só eles estavam sujeito ao ataque dos tais parasitas.

Os pais para proteger seus filhos acabam se submetendo às imposições e aos padrões de beleza, deixando as suas características e suas origens de lado. E as crianças crescem sem saber realmente quem são e como realmente são. Isso aconteceu comigo e sei que não estou sozinha nessa história. Quando resolvemos de uma vez por todas nos assumir conforme somos, parece que estamos cometendo um crime. Todos se acham aptos a opinarem sobre a sua escolha e eu não digo pessoas aleatórias, pelo contrário, são as pessoas nas quais achávamos que poderíamos contar nesse momento de aceitação pessoal.

O cabelo é uma ferramenta política de demonstração de poder da população negra

Sim, é um momento de aceitação pessoal, mas para os observadores de plantão, é apenas modinha do momento. Penso que se hoje estamos vendo muitas cacheadas e crespas nas ruas, coisa que antes não acontecia, é porque o movimento está tão grande que nos sentimos abraçadas em saber que não estamos sozinhas. Quantas mulheres assim como eu deixaram por anos suas características de lado para agradar os outros? Quantas mulheres, depois de anos, se viram pela primeira vez no espelho e se identificaram com a imagem que estava ali na sua frente e a partir daquele momento viram que seu cabelo era a sua maior identidade?

Por mais que seja uma decisão de muitas, o percurso não é fácil. A transição capilar é algo no qual mexe muito com a autoestima. Além de tudo, tem os especialistas de cabelos de plantão que ficam repetindo milhares de vezes: “alisa, ele era mais bonito antes”, nos fazendo repensar em tudo. Às vezes temos forças para seguir, contudo, muitas acabamos desistindo e voltando a vestir a máscara de antes.

Demorei algum tempo no processo de decisão até chegar realmente à aceitação. Além das vozes que gritavam no meu ouvido, existia dentro de mim um superego muito rígido. Mesmo assim, persisti. Não que os olhares negativos não tivessem poder sobre mim, pelo contrário, eles me afetam e muito. Assim como na minha infância chorei, mais uma vez na tentativa de expelir essa dor, com o tempo descobri que o meu cabelo era a minha coroa e a maior arma de resistência a essa sociedade que diariamente ousa em dizer que o racismo acabou.

O que me deixa realmente feliz é hoje ouvir das mesmas pessoas que me criticaram: “como o seu cabelo é lindo”. Na realidade não sei se estão sendo sinceros ou se estão sendo apenas hipócritas. De qualquer maneira, eu me sinto bem como estou e a opinião deles para mim é o que menos importa. Tenho o dito: “fodam-se os padrões”.

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