Texto: Juninho Jr. / Edição de Imagem: Pedro Borges
Desde o final da década de 70, o movimento negro brasileiro reivindica o 20 de novembro como o dia nacional da Consciência Negra, data que remonta a morte do líder Zumbi do Quilombo dos Palmares, símbolo de resistência contra o regime escravocrata. Essa foi uma forma encontrada para fazer um contraponto ao 13 de maio, data da assinatura da Lei Aurea que instituiu o fim da escravidão, mas que para o movimento simbolizou uma falsa abolição, ou uma abolição inconclusa, pois negras e negros foram entregues a sua própria sorte.
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A chegada de mais um dia da Consciência Negra nos enche de orgulho, pois somos herdeiras e herdeiros de guerreiras e guerreiros que dedicaram suas vidas na luta por liberdade. Essa lembrança nos encoraja a seguir na nossa caminhada em busca de uma sociedade mais justa.
Por outro lado, nos faz refletir profundamente sobre os ataques brutais que continuamos sofrendo. O projeto que está em curso em nosso país impõe sacrifícios homéricos para o andar de baixo da pirâmide social brasileira. Sabemos que a democracia não chegou plenamente nas periferias, que o racismo ainda determina quem são os cidadãos de bem e os suspeitos padrões, quem são os protegidos e os assassinados pelo Estado, quem sãos as(os) adolescentes com direitos e as(os) menores infratores.
Os ataques à escola pública como o projeto de Escola Sem Partido, a reforma do ensino médio para torná-lo tecnicista, retirando disciplinas que provocam o pensamento crítico, e o congelamento dos gastos por 20 anos, são uma expressão bem acabada do projeto da elite nacional que não tolera o mínimo conquistado no último período que é, por exemplo, a educação como um direito de todos e um dever do Estado. Sem contar o processo sistemático de sucateamento dos equipamentos públicos e a completa desvalorização dos profissionais que já estão sofrendo perdas salariais há anos.
Ter escolas públicas espalhas pelos quatro cantos do país, principalmente nas periferias, formando jovens com o mínimo de pensamento crítico é uma armadilha para o sistema. O mínimo de inclusão que permitiu a entrada de jovens negros na universidade formou uma geração de professores que retornaram para as suas comunidades e deram um novo sentido para a educação. Esse movimento estreitou a relação professor, aluno, contribuiu para a formação de uma geração de estudantes críticos que, alinhados com as novas tecnologias e a Era da Informação, protagonizaram importantes mobilizações populares como: a oposição ao aumento da tarifa em junho de 2013, a resistência à reorganização escolar em 2015 e hoje a ocupação de diversas escolas contra as reformas no ensino.
É nítido também perceber como cresceu a identidade étnica, o aumento significativo de jovens assumindo sua negritude através da afirmação do seu cabelo, da sua estética. Com o avanço dos núcleos culturais de periferia, o termo “periferia” ganhou novo contorno. Ser periférico torna-se sinônimo de identidade cultual, territorial, social e política. Pautas como o feminismo, identidade de gênero e orientação sexual, ganham mais espaço. Dentro de um país aristocrático, extremante conservador, concentrador de riqueza e patriarcal como o nosso, que tem como base estrutural o racismo e o machismo, o avanço da discussão racial e de gênero é uma ameaça à estrutura de poder vigente.
Não é por acaso que as leis 10.639 e 11.645, que instituem a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura africana, afro-brasileira e indígena, não conseguem avançar. Além das dificuldades estruturais do ensino, é preciso enfrentar as barreiras e resistências ideológicas que vão desde o papel da grande mídia até o fundamentalismo religioso, que criminaliza as manifestações tradicionais e religiosas de matriz africana, produzindo intolerância e perseguições.
Os ataques conservadores atuais não se restringem ao campo econômico, com a perda de direitos e a perda da capacidade de consumo dos mais pobres. Não se restringem ao campo social, onde também estamos assistindo um avanço brutal da faxina étnica do nosso povo. O ataque está também no campo ideológico, na batalha das ideias, das narrativas, dos valores sociais e humanitários. Por isso, nunca foi tão necessário falar de consciência negra, de resistência negra, de identidade negra.
O movimento negro brasileiro conseguiu romper o mito da democracia racial, conseguiu abrir fissuras no sistema com a implementação de políticas de cotas nas universidades e no serviço público, medidas que inclusive estão ameaçadas.
O racismo nunca esteve tão escancarado como hoje. A construção de uma narrativa de resistência, um processo sistemático de conscientização e formação social, assim como a denúncia das armadilhas da meritocracia e das saídas individuais é tarefa urgente que deve se somar à luta de sobrevivência do nosso povo.
Quanto menos democracia, quantos menos escola pública critica e de qualidade, quanto menos distribuição de riqueza, sobra repressão, violência e ação genocida do Estado. Continuemos resistindo! A Casa Grande ainda precisa ser derrubada!
Joselicio Junior, mais conhecido como Juninho, é Jornalista, militante do movimento negro Círculo Palmarino e Presidente Estadual do PSOL-SP