PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

“Moonlight é o homem negro humanizado”

6 de março de 2017

Cleissa Regina, estudante de ciências sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e estudante na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Veja a análise da estudante sobre a edição do Oscar deste ano e do longa Moonlight, eleito o melhor filme de 2017.

Texto / Cleissa Regina
Edição de Imagem / Vinicius Martins

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

A edição de 2017 do Oscar certamente foi marcante. Nunca tantas pessoas negras foram premiadas na mesma noite com o maior prêmio do cinema mundial. Em quase 90 anos de premiação, pouquíssimas levaram a estatueta pra casa. Dessa vez, Viola Davis e Mahershala Ali levaram os prêmios de melhor atriz e ator coadjuvante, respectivamente. O filme O.J. Simpson: Made in America, escrito e dirigido por Ezra Edelman ganhou o prêmio de melhor documentário. E Moonlight levou os prêmios de melhor roteiro adaptado e melhor filme.

Já estão dizendo que esses prêmios só vieram por conta de toda pressão das edições anteriores, já que em 2015 e 2016 a Academia (responsável pelo Oscar) nem mesmo indicou atores e atrizes negras para os prêmios de atuação, gerando a campanha #OscarSoWhite (Oscar tão branco) e o boicote de algumas celebridades.

Muito provavelmente o movimento dos anos anteriores deu notoriedade pra que filmes como Moonlight, Fences, Hidden Figures e três documentários que tratam sobre a questão racial (Eu não sou seu negro, 13° emenda e O.J. Simpson) fossem indicados. Podemos afirmar tranquilamente que isso de forma alguma forçou esses filmes a levarem os prêmios. Os filmes mereciam os prêmios, bem como as indicações. A diferença é que, talvez, em outros tempos, os filmes nem fossem percebidos. Principalmente o grande ganhador da noite, por ser uma produção de baixo orçamento e não ter atores já consagrados no elenco. 

banner textos assinaturasAfirmar nossa própria luta não tira o mérito dos filmes e dos atores premiados. Lutamos pelo reconhecimento. Nada a mais ou a menos. Afinal há muito tempo temos feito ótimos trabalhos, que devem sim ser reverenciados. Principalmente filmes que tratam de histórias reais de pessoas negras. Histórias tão atuais que podiam ser as nossas. Vale lembrar que em 2014 Steve McQueen se tornou o primeiro diretor negro a ganhar o Oscar de melhor filme, com “12 anos de escravidão”, um filme necessário, mas que não atinge nossa demanda por representação.

Quem leu as sinopses deve ter encontrado que Moonlight é um filme sobre violência, drogas e a vida de um jovem gay na periferia. Discordo. Vejo um filme sobre corpos negros. Mais especificamente, corpos negros masculinos tentando se construir num mundo que tanto os oprime. Provavelmente algumas pessoas só conseguem imaginar um filme sobre corpos negros abordando violência, drogas e uma vida à margem. E talvez seja de fato irreal fazer um longa com um elenco 100% negro que não aborde esses pontos; achar que o filme é apenas isso é um grande erro.

Moonlight é mais sobre ensinar uma criança a nadar num país em que negros eram proibidos de frequentar piscinas públicas. É sobre a emoção tão pura de uma primeira vez e sobre meninos que guardam suas emoções tão profundamente que pouco falam, mas cujo olhar não mente. É um filme em que as crianças não choram; na verdade se viram muito bem sozinhas. Já os homens choram quase todos. E se declaram através de letras de música quando é difícil dizer o que sentem. Moonlight é o corpo negro sendo mostrado mais leve. É o homem negro humanizado.

Me arrisco a dizer que Moonlight deveria ter ganho também o prêmio de melhor fotografia. O diretor, Barry Jenkins, brinca com a câmera que quase nunca está parada e desafia as regras de luz. Quem já tirou fotos deve saber como é difícil equilibrar o brilho do branco e as sombras na pele negra, mas Jenkins ousa e não só coloca meninos negros em blusas brancas como deixa as marcas de seus rostos aparecem, não se importando se o branco vai estourar ou não. Porque nossa pele é mais importante. Nossas marcas precisam estar ali porque fazem parte da história também. E os brancos, de qualquer tipo, não interessam.

Caso tivesse tido tempo e calma de discursar após o prêmio de melhor filme, o diretor Barry Jenkins diria que quer ser um símbolo para aqueles que se veem nele, um reflexo que (n)os leva ao amor próprio. Ele deveria saber que sua obra já faz isso e ainda mais, com ou sem um prêmio importante. Moonlight nos faz entender melhor homens negros. Principalmente aqueles que ficam azuis sob a luz do luar, sendo eles gays ou não. Nos dá a oportunidade de enxergar como os silêncios de uma vida inteira se constroem a partir da infância, mas também como é possível falar mais que três palavras e mudar o rumo das coisas. Moonlight reafirma que vidas negras importam. No cinema também.

Mais informações:

Infográfico sobre diversidade racial no Oscar

Discurso de Barry Jenkins em português

Discurso orifinal de Barry Jenkins 

Apoie jornalismo preto e livre!

O funcionamento da nossa redação e a produção de conteúdos dependem do apoio de pessoas que acreditam no nosso trabalho. Boa parte da nossa renda é da arrecadação mensal de financiamento coletivo.

Todo o dinheiro que entra é importante e nos ajuda a manter o pagamento da equipe e dos colaboradores em dia, a financiar os deslocamentos para as coberturas, a adquirir novos equipamentos e a sonhar com projetos maiores para um trabalho cada vez melhor.

O resultado final é um jornalismo preto, livre e de qualidade.

Leia Mais

PUBLICIDADE

Destaques

AudioVisual

Podcast

papo-preto-logo

Cotidiano