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A afroconveniência da esquerda brasileira…

Dados mostram que também há uma mudança de autodeclaração de brancos para pardos entre os partidos de esquerda no Brasil; dado que se destaca é a alteração de pardo para preto, na comparação com as demais legendas

Ilustração: Alma Preta Jornalismo

Foto: Ilustração: Alma Preta Jornalismo

29 de setembro de 2022

Figuras como ACM Neto, candidato ao governo da Bahia, Arthur Lira, candidato a deputado federal por Alagoas, e Ibaneis Rocha, candidato a reeleição ao governo do Distrito Federal movimentaram a discussão sobre identidade negra e oportunismo eleitoral, em especial no momento em que há uma legislação para fortalecer com recursos e tempo de TV e Rádio candidaturas negras.O questionamento da chamada afroconveniência não ficou restrita à direita brasileira. Figuras da esquerda também passaram a ser questionados pela autodeclaração.

Dados da Alma Preta Jornalismo mostram que 291 candidatos de legendas de esquerda mudaram a autodeclaração entre os anos de 2018 e 2022. Os dados do TSE foram obtidos pelo programador Paulo Mota, integrante do Data_Labe, laboratório de dados e narrativas localizado na favela da Maré, no Rio de Janeiro.

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Juarez Xavier, presidente da comissão para evitar fraudes na autodeclaração da Unesp entre 2016 e 2020, acredita que o campo progressista abre oportunidade para os ativistas construírem um diferente letramento racial. Isso, contudo, não significa que haverá compromisso político por parte de todos.

“Enquanto na extrema direita o projeto político é a prática do racismo perverso, na direita e centro-direita é o discurso da democracia racial. No campo da esquerda, há a possibilidade de se ter um maior letramento racial. Possibilidades, porém, não significam imposição ou absoluta certeza do que vai haver”.

Ele acredita que, independente do posicionamento político da pessoa, uma fraude deve ser denunciada, mas ressalta que esse debate sobre o oportunismo no campo de esquerda exige cuidados.

“Sem os pressupostos das avaliações instituidas pelo movimento negro, tem que ser denunciado, como qualquer fraudador. É equivocado, contudo, criar uma falsa equivalência entre esquerda e direita no enfrentamento racial”.

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As legendas

GRÁFICO 1

O PT tem 76 candidatos que mudaram a identificação de cor, número que representa 26% da alteração total entre as legendas de esquerda. De acordo com o levantamento, o PT apresentou ao povo 548 políticos e, entre esse total, 13,8% alteraram a autodeclaração.

Autodeclarado pardo e candidato ao governo do Acre pelo PT, Jorge Viana foi uma das pessoas questionadas pela reportagem da Alma Preta sobre o pertencimento racial ao grupo negro. Até o fechamento do texto, não houve qualquer retorno. 

O PSOL tem 72 candidatos que alteraram as identificações de cor, dado que representa 24% do total das mudanças. O partido apresentou ao povo um número inferior de postulantes a cargos executivos e legislativos, ao todo foram 471. Os números significam que 15,2% dos candidatos da legenda são pessoas que alteraram a autodeclaração de cor.

O PSOL registrou Moisés Franz, candidato ao governo do Mato Grosso, como um homem autodeclarado pardo. O partido sinalizou ter recebido o questionamento da equipe de reportagem sobre a postura do candidato, mas não se posicionou até a publicação.

O PDT registrou 51 mudanças de autodeclaração, quantidade que representa cerca de 17.5% das 291 alterações feitas no campo progressista. O partido apresentou 647 candidatos, o maior número entre as legendas de esquerda. As 51 mudanças de identificação significam que 7,5% das candidaturas apresentadas pela legenda são de pessoas com novas autodeclarações.

O partido com o maior percentual de mudanças de autodeclaração entre os candidatos é o PC do B. A legenda tem 106 candidatos, com 29 pessoas que modificaram a autodeclaração de cor, dado que representa 27,3% do total. O número também corresponde a 10% das 291 mudanças entre as legendas de esquerda.

O PSOL, em nota enviada sobre as decisões do partido, aponta que “não existe qualquer orientação partidária sobre autodeclaração e, em alguns estados, foram organizadas comissões de acompanhamento, quando se julgou necessário”. O partido explica que sempre teve índices de pessoas negras eleitas acima da média em eleições anteriores e que tomará medidas para avaliar toda e qualquer denúncia de fraude.

O PC do B, PDT e PT foram questionados se houve alguma orientação por parte das direções nacional e estaduais para modificação das identificações de cor. As legendas também foram perguntadas se foi feito o repasse dos valores destinados para as candidaturas pretas e pardas. Nenhum posicionamento foi enviado até a conclusão da reportagem.

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Nova regra

Os questionamentos sobre as mudanças se intensificam quando há uma nova legislação. Pela primeira vez na história, os partidos políticos terão de destinar uma verba proporcional do Fundo Eleitoral para os candidatos pretos e pardos do pleito.

O voto em candidatos pretos e pardos contará duas vezes, depois das eleições, para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) distribuir os recursos do Fundo Partidário e Fundo Eleitoral para as legendas. Os valores são divididos com base no número de deputados federais e votos para a Câmara e a quantidade de senadores por partido. 

A proposta tem o objetivo de incentivar candidaturas e a eleição de pessoas negras. Em nota enviada para a reportagem, o TSE afirma que as legendas vão prestar contas sobre a divisão de recursos para a corte depois das eleições e as candidaturas identificadas como fraudes podem ser cassadas, a partir de pedidos do Ministério Público e da sociedade civil.

“Eu acho isso absolutamente correto, não vejo nenhum tipo de discordância, porque essa é uma reivindicação histórica do movimento negro, desde que passou a discutir o marcador racial. O movimento negro sempre lutou para os candidatos negros terem as mesmas condições materiais e imateriais dos brancos. É uma política adequada e correta”, afirma Juarez Xavier.

As mudanças de autodeclaração também ocorreram nas demais legendas de esquerda. O PSB registrou 41 mudanças, quantia representativa em 14.1% entre as esquerdas, e valor de 6,3% de candidatos com mudança de autodeclaração entre os 647 apresentados pela legenda. 

O PCO contabilizou 11 modificações, número que equivale a 3.8% do montante, o PSTU tem sete alterações, dado que vale 2.4%, e o PCB registrou 4 mudanças, quantia que significa 4% do total.

Em resposta à Alma Preta, o PSTU sinalizou ter “orgulho de ser referência na luta do povo negro e ser sempre um dos partidos com mais candidaturas negras e femininas, mesmo antes da lei de cotas e do tema racial ser critério de divisão dos recursos do fundo eleitoral”. O partido ainda diz repudiar “quem se utiliza de maneira oportunista das pautas e das lutas dos setores oprimidos.

O PCB afirmou que não houve qualquer orientação por parte da legenda e que não se identificou “ações fraudulentas nesse sentido dentro do partido”.

O perfil das mudanças

GRÁFICO 3

Os dados globais dos partidos no Brasil mostram que houve uma predominância na troca de autodeclaração de candidatos brancos para pardos, com 551 vezes, e de pardos para brancos, em 401 oportunidades.

Os padrões na esquerda brasileira se diferem. No PSOL, por exemplo, a maioria das trocas, em 23 oportunidades, ocorreu de candidatos antes pardos e agora pretos. Na legenda, 22 pessoas mudaram de branco para pardo, 12 de branco para pardo, as três principais movimentações.

O PT tem um equilíbrio entre as mudanças de autodeclaração, com 23 candidatos em alteração de branco para pardo, 20 de pardo para preto, e 17 de pardo para branco. 

No PDT, há um domínio nas modificações de branco para pardo, com 25 alterações, contra 15 de pardo para branco e 6 de pardo para preto. O PC do B segue um perfil semelhante de mudanças, com 14 de branco para pardo, 7 de pardo para branco, e 5 de pardo para preto.

Questionado sobre as mudanças de autodeclaração de pardos para pretos, Juarez Xavier demonstrou preocupação e apontou para a necessidade de se recordar que ambas categorias de cor compõem o grupo racial negro. Para ele, é preciso tomar cuidado com discursos que possam dividir e enfraquecer a comunidade negra.

“É um debate que favorece a extrema direita. Se você tem um conjunto de pardos que quer se dissociar da sua condição negra, você corre o risco de ter um movimento pardo militando de forma ativista contra o movimento negro, ou preto. Foi assim em determinadas regiões dos EUA ou África do Sul, quando era possível a pessoa de pele clara se dissociar do grupo negro. É um pouco essa perspectiva do colorismo, que lá na ponta pode criar essa possibilidade”. 

Ele acredita que essa modificação na autodeclaração de pardo para preto exige uma investigação, mas reforça de que o pardo está dentro do grupo racial negro. “Se for uma pessoa parda envolvida com a luta política do movimento negro, eu não vejo problema na identificação como preto. Não se pode colocar isso como uma falsa equivalência com o branco. Crime é o branco se declarar como pardo ou preto”.

GRÁFICO 4

Houve também um diferente ímpeto de mudança na identificação racial entre os gêneros. Os dados gerais apontam para uma maioria de homens na mudança de autodeclaração. Dos 1.348 candidatos que mudaram a identificação de cor, 1039 são do gênero masculino.

Das 551 pessoas que mudaram a identificação de branco para pardo, 441 eram homens, dado que representa 80% das alterações, contra 110 mulheres, ou seja, 20% do total. Entre os que mudaram a autodeclaração de branco para preto, 71% são homens. A única categoria em que as mulheres são maioria é a alteração de amarela para parda, com 10 casos de mulheres, e 5 de homens.

Nas legendas de esquerda, há uma dominância nas alterações no gênero masculino, mas com uma maior presença de alterações entre as mulheres, na comparação com o quadro geral.

No PC do B, as mulheres mudaram 10 vezes e os homens, 19. Entre os candidatos, 10 alteraram a autodeclaração de branco para pardo e 4 de pardo para branco, enquanto entre as mulheres, 4 mudaram de branco para pardo e 3 de pardo para branco.

O PSOL também apresentou um cenário mais balanceado, quando comparado ao cenário geral, com 25 mulheres com registros de autodeclaração diferentes e 47 homens. Chama atenção a mudança de pardo para preto, entre os homens, com 19 repetições, seguidas por 14 de pardo para branco, e 7 de branco para pardo. Entre as mulheres, as alterações ocorreram 5 vezes de branco para pardo, 8 de pardo para branco, e 4 de parda para preta.

Diferenças maiores entre as maiores legendas de esquerda ocorreram entre o PT e o PDT. A legenda de Lula viu os homens mudaram 60 vezes e as mulheres, 16. Entre eles, um equilíbrio, com 18 de branco para pardo, 17 de pardo para branco e 14 de pardo para preto.

No partido de Ciro Gomes, as mulheres mudaram as identificações de cor 12 vezes e os homens, 39. Entre os candidatos, 22 mudanças de branco para pardo, 11 de pardo para branco e 4 de pardo para preto. 

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