O que era para ser mais um dia normal de agenda para o vereador Abidan Henrique (PSB-SP), de Embu das Artes, na Grande São Paulo, terminou virando um verdadeiro filme de terror. Na última quinta-feira (15), ele e mais dois assessores afirmam terem sido vítimas de racismo pelas equipes de recepção e segurança do edifício F. L. Corporate, prédio de luxo localizado na Avenida Brigadeiro Faria Lima, Zona Sul da capital.
Em entrevista à Alma Preta Jornalismo, Abidan Henrique – que também é candidato a deputado estadual – disse que foi ao local para realizar uma palestra com a deputada Tabata Amaral (PSB-SP). Contudo, ele e seus dois assessores foram impedidos de usar o elevador social e transitar pela entrada principal do edifício.
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Os dois assessores chegaram primeiro ao local, mas foram informados pela recepção de que precisariam de um link para ter acesso ao interior do edifício. Eles, então, terminaram aguardando o parlamentar, que chegou logo em seguida ao local.
“Quando cheguei, fui até a recepcionista pedir o link [de acesso] para entrar no prédio, mas ela disse que os organizadores do evento tinham que me mandar. Foi aí que aconteceu o primeiro fato estranho: chegou um amigo nosso, que é advogado e um homem branco. Cumprimentamos ele com um abraço e, em seguida, ele vai até a moça da recepção, que rapidamente deu o link para ele”, relata Abidan Henrique.
O vereador afirma que, após a chegada desse amigo branco, a recepcionista terminou cedendo o acesso a ele e seus dois assessores. Contudo, as cenas do filme aterrorizante, como o próprio Abidan define, só estavam começando. Após a liberação, todos seguiram em direção a catraca: o advogado mais a frente e, mais atrás, os assessores e o candidato, que falava com pessoas por mensagens de texto no celular.
Ao cruzar a catraca, o homem branco seguiu para o local do evento, mas Abidan e os assessores foram impedidos pela mesma recepcionista. “Lembro dela batendo no meu ombro e dizendo: ‘o lugar de vocês é ali’. Meu amigo branco passou, mas, como a gente não conhecia o prédio, pensamos ser outra catraca ou termos recebido um código de acesso diferente. Porém, quando a gente se deparou, nos demos conta que era a entrada de serviço”.
Ainda segundo o relato do candidato, o segurança já estava com a porta de serviço aberta. “Ele estava com a porta aberta esperando a gente e ela [recepcionista] nos tocando, dizendo: ‘por aqui, o lugar de vocês é por aqui’. Ela repetia muitas vezes essas frases”, relembra Abidan Henrique.
Quando ele e os assessores se deram conta do episódio racista, eles já estavam dentro do elevador de serviço. “Entramos no elevador e começamos a debater o que tinha acontecido ali. Por que nosso amigo branco tinha entrado pelo elevador social e a gente foi conduzido pela recepcionista e segurança pela porta de serviço? Chegamos no evento indignados, debatemos isso com o organizador do evento, com o pessoal que estava próximo e também com a deputada Tabata Amaral, que chegou depois”, comenta.
Racismo continuou
Os constantes momentos racistas não acabaram por aí. Ao final do evento, ao tentarem sair do prédio F. L. Corporate, Abidan Henrique e seus dois assessores foram vítimas mais uma vez do preconceito racial. De acordo com o vereador, os três estavam juntos novamente e procuravam a saída do edifício.
Ao perguntar a um dos seguranças onde ficava o G1 – local onde o carro estava estacionado -, o rapaz os teria escoltado para uma saída de emergência. “Perguntávamos onde era o G1 e o segurança respondia apenas: ‘vai por aquela porta ali’. Fomos porque não conhecíamos o edifício”.
Nesse momento, Abidan e os dois assessores foram conduzidos e trancados em um corredor que contava com duas portas magnéticas pelo segurança. O vereador afirma que, ao cruzar a primeira porta, o rapaz a travou, passou na frente deles, segurou a segunda porta e pediu para que eles esperassem.
“Repetimos que queríamos pegar o nosso carro, que estava estacionado no G1. Ele novamente disse ‘espera um minutinho’. Explicamos que queríamos sair, que já havíamos passado por um caso de racismo e que ele estava nos prendendo. Ele o tempo todo cerceou a nossa saída do prédio”, narra o candidato.
Abidan Henrique disse que pediu, inclusive, para falar com a administração do edifício para denunciar os casos, mas que essa opção não lhe foi concedida. “O segurança disse que ele estava ocupado. Pedimos para falar com o chefe de segurança, mas ele disse o mesmo: ‘está ocupado’. Foi aí que insistimos, ele disse que era o chefe, mas não quis informar o sobrenome e terminou liberando a nossa saída”.
Consequências
Aos 25 anos, o vereador disse que nunca tinha passado por nenhuma situação igual a esta. À Alma Preta, Abidan Henrique explicou o que sentiu ao sofrer os constantes episódios racistas.
“Me senti muito impotente. Você se sente como se não pertencesse aquele espaço. Eu me senti em um filme de terror. Literalmente, com medo, aterrorizado porque o segurança trancava a porta com a mão e eu tentava passar meu celular com o QR-Code, que não funcionava. Nossa equipe ficou muito abalada. Saímos chorando”, revela.
“Me senti naquele filme ‘Corra’. Evidentemente, fiquei com medo, aterrorizado. Essa é a palavra. Não sabia o que ia acontecer ali e o rapaz estava cerceando o meu direito de sair daquele local”, finaliza o vereador.
A Alma Preta tentou contato com a Hersil Administração, empresa responsável pela administração do edifício F.L. Corporate, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno.
Próximos passos
Como candidato a deputado estadual em São Paulo, Abidan Henrique analisa que o racismo estrutural no Brasil só irá diminuir depois que a política der a devida atenção à educação. Por isso, a importância de se eleger candidatas negras e negros – no Legistativo e também Executivo – que defendam a luta antirracista.
“O Brasil não está preparado para ter uma maioria de deputados negros e negras dentro da Assembleia do Estado de São Paulo, muito menos no Congresso Nacional e na presidência porque a política, pra mim, hoje é um espaço de muitas violências. Ontem foi mais um violência que eu sofri por causa do meu trabalho”, defende.
“Hoje, na Assembleia do Estado de São Paulo tem 94 deputados, 10% deles negros. O pessoal aqui até brinca que aqui é o ‘cemitério de dinossauros’ porque quem vai para lá são políticos tradicionais. Não são jovens, não são pessoas negras, periféricas e isso tem um impacto concreto nas políticas públicas que a gente vai desenhar e nos projetos que a gente vai criar para o estado de São Paulo”.
Até lá, caberá a Justiça definir o desfecho dos crimes cometidos contra o vereador e seus assessores. Na segunda-feira (19), o parlamentar formalizou um boletim de ocorrência na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) com o objetivo de responsabilizar a empresa de segurança e evitar que outras pessoas sofram a mesma discriminação que ele sofreu.
“É importante saber que as duas pessoas que praticaram racismo contra mim são negras. Elas estão dentro de um sistema racista de segurança patrimonial, que não oferece a formação adequada, não tem o preparo adequado dos funcionários, não tem um letramento racial para as pessoas saberem as melhores práticas de recepção. Por isso, meu foco é responsabilizar a empresa para que ela possa melhorar as práticas de recepção das pessoas com respeito e diversidade”, conclui Abidan Henrique.
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