O princípio constitucional da presunção de inocência, que determina que ninguém pode ser considerado culpado antes de sentença penal condenatória, não tem sido suficiente para garantir um tratamento igualitário na Justiça brasileira, especialmente quando se trata de pessoas negras, pobres e socialmente vulneráveis. Essa constatação está demonstrada em um dos artigos do primeiro volume de 2024 da Revista Eletrônica do Conselho Nacional de Justiça (e-Revista CNJ).
O artigo “Cidadania, sociologia e direito – uma análise de padrões diferenciados em processos de homicídio doloso” traz uma pesquisa analítica realizada em 303 processos de homicídios dolosos arquivados entre 2015 e 2016. Em 76% dos casos, foi decretada a prisão preventiva do acusado. A perda da liberdade se concentrou nos indivíduos dos estratos socioeconômicos mais pobres.
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Segundo o direito penal brasileiro, a prisão preventiva pode ser decretada para garantir a ordem pública ou econômica, ou para assegurar a aplicação da lei quando houver prova da existência do crime ou indício suficiente de sua autoria.
O autor do estudo, Hugo Bridges Albergaria, mestre em Ciências Sociais pela PUC Minas e auditor na Divisão de Auditoria da Comissão de Eleições do Estado da Carolina do Sul, nos Estados Unidos, utilizou modelos estatísticos que consideram variáveis como raça/cor, educação, tipo de defesa e qualificadores nos processos. Os processos foram julgados pelas secretarias I e II do Tribunal do Júri da Comarca de Belo Horizonte (MG). Um dos resultados mais impactantes do estudo é que indivíduos de raça/cor preta possuem dez vezes mais chances de serem presos preventivamente do que indivíduos de raça/cor branca.
A pesquisa conclui que réus economicamente mais vulneráveis tendem a receber penas mais severas do que aqueles de status socioeconômico elevado. Isso aponta para uma tendência do Judiciário em reproduzir desigualdades sociais e perpetuar a exclusão de grupos sociais vulneráveis.
Fatores como a atuação da magistratura, a defesa por advogados particulares ou defensores públicos, a condenação ou absolvição do acusado, a dosimetria da pena, a duração do processo, a escolaridade e a ocupação do réu revelaram padrões de julgamento que indicam uma tendência do Judiciário em enfraquecer o acesso de certos indivíduos ao direito à Justiça. “O Judiciário tende a afastar determinados grupos sociais da condição de cidadãos plenos”, afirma o pesquisador no texto.
O artigo cita Florestan Fernandes, estudioso das relações sociais e raciais no Brasil, para destacar a persistência das desigualdades e do racismo estrutural no país. Hugo Albergaria afirma haver “negligência do Judiciário na aplicação isonômica da lei”, perpetuando as desigualdades sociais de indivíduos historicamente marginalizados.