Mulher negra e nascida na periferia de São Paulo, a assessora parlamentar Maria Isabel Sales começou a sua militância no movimento negro organizado e hoje é uma das poucas pessoas negras na assessoria parlamentar no Congresso Nacional. Formada em Direito, especialista em Direito Legislativo e jornalista, ela contou à Alma Preta Jornalismo a função estratégica do assessor parlamentar e afirmou: “é de extrema importância que os assessores sejam ligados às pautas populares e que tenham responsabilidade social”.
Isabel é a mais velha entre quatro irmãos. Filha da costureira Maria Eliete e do funileiro Manoel, dois retirantes nordestinos, que saíram jovens do Rio Grande do Norte, para buscar oportunidades na cidade de São Paulo, mas precisamente no bairro do Parque Bristol, periferia da cidade, no período da industrialização.
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Com trajetória em organizações do movimento negro, Isabel se formou em Direito, através de ações da ONG Educafro, em São Paulo. Na juventude, ela atuava como secretária da Comunidade de São Domingos, onde fazia incidência política por melhores condições de vida para todos. Hoje, aos 39 anos, ela é assessora do senador Paulo Paim (PT-RS) na área legislativa e racial.
Maria Isabel conta que conheceu o mandato do senador Paim numa ida à Brasília, ao lado de organizações do movimento negro, em busca de direitos e oportunidades para a população preta e pobre. Na época, ela era estudante de direito, estagiária na Coordenadoria de Assuntos da População Negra do Município de São Paulo (CONE) e vice-presidente do Centro Acadêmico de seu curso, na Universidade São Francisco (USF), e não tinha dinheiro para participar dessas atividades.
Enquanto era estudante, a assessora direcionava o valor da bolsa que recebia no estágio para transporte e alimentação, além do apoio financeiro em casa. Isabel conta que sempre teve afinidade com a arte e usava deste talento para conseguir recursos para atividades sociais.
“Sempre gostei de arte, precisamente a pintura. Então quando andava pelas ruas e encontrava uma madeira em bom estado, eu a transformava em tela, lixava, pintava e rifava, para conseguir fundos para o ativismo social”, disse à Alma Preta.
O mandato do senador Paim, um dos poucos parlamentares negros no Congresso Nacional, recebia os estutantes no Parlamento. De acordo com Isabel, “permitia usar o computador e a sala de reunião para que pudéssemos garantir por escrito as nossas demandas”.
“Foi na construção desse diálogo e ações, que fui convidada a trabalhar no mandato e já fazem 14 anos que assessoro o senador”, relata emocionada. Ela iniciou as atividades no mandato como assessora orçamentária, uma área muito importante para efetivação de políticas públicas, “pois sem recursos, as legislações, os sonhos não saem do papel”.
“Contei com a paciência e orientação dos colegas, para esse novo desafio, sempre observando, estudando e buscando tirar todas minhas dúvidas, que não eram poucas”, ressaltou.
O processo legislativo e a aplicação das políticas públicas dependem, na maioria das vezes, do trabalho que as assessorias oferecem aos parlamentares. Com conhecimento em áreas como economia, direito, administração, infraestrutura, saúde e comunicação, essas pessoas são responsáveis por levar as demandas da sociedade ou grupo sociais específicos para os congressistas. Elas escrevem os projetos de lei, fazem as tratativas internas e alianças, além de acompanhar todo o processo de tramitação das propostas.
Esses profissionais muitas vezes são invisibilizados pela máquina pública e pela figura marcante de quem ocupa o cargo eletivo. No entanto, são peças fundamentais para o andamento da política nacional. Isabel garante que, a depender do posicionamento dos assessores, uma política pública pode ser desenhada de uma forma diferente. Logo, essa equipe costuma ser desenhada de acordo com o objetivo do mandato do representante.
Não existe número fixo de assessores que um parlamentar pode ter. Portanto, o tamanho de cada equipe costuma variar bastante. No caso do senador Paulo Paim, são 22 integrantes na assessoria em Brasília.
“O nosso papel, enquanto assessor legislativo, é escutar as demandas da sociedade com o olhar sensível para os seus pleitos e construir em conjunto. Despachar com o parlamentar e, se for viável, fazer uma ação legislativa, agir conforme o objetivo do parlamentar, com foco no mandato dele”, diz a assessora.
Para Isabel, uma legislação marcante que ela ajudou a executar foi a Lei 13.847/19. Realizada em conjunto com as lideranças do movimento de HIV/Aids, a lei dispensa pessoas com essa condição, que foram aposentadas por invalidez, de realizar reavaliação pericial. Assessorada por Maria Isabel e outros colegas, a matéria foi aprovada pela Câmara e pelo Senado. O projeto havia sido vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, mas este veto foi derrubado.
Vários projetos aprovados no Senado foram construídos em conjunto com a Coalizão Negra por Direitos. Uma delas é a proposta (PL 5.231/2020), que proíbe agentes públicos e profissionais de segurança privada de fazerem abordagens baseadas em preconceitos de raça, origem étnica, gênero, orientação sexual ou culto. A punição para quem praticar violência no exercício da função, em razão de prejulgamento, será aumentada em 50%. O texto está na Câmara.
“[O Congresso] ainda é um local machista, racista, LGBTfóbico. É um local de privilégios e ocupado majoritariamente por homens brancos e heteronormativos. Nós precisamos ser estratégicos para manter nossa atuação. Eu sou diplomática, converso, estou disposta a ouvir sempre, mas não é um local fácil”, admite a assessora.
Isabel completa que, para manter a sua saúde mental em uma carreira dentro do parlamento, ela faz atividades físicas, procura estar próxima à família e está sempre conectada com a espiritualidade. Além disso, ela revela que pertence a um grupo chamado Pretas e Pretos em RelGov, onde ela encontra suporte profissional para lidar com o dia-a-dia. “São poucos assessores negros, mas a gente se ajuda. Tem gente de vários locais, não só do Legislativo”. Já no Senado existe um grupo institucional chamado Comitê de Equidade Gênero e Raça, que também se debruça sobre o tema internamente.
“Aprendi, com o tempo, a estar em conexão comigo mesma, a não ultrapassar meus limites, a me permitir descansar”, conclui.
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