A CNN Brasil foi condenada nesta terça-feira (3) a pagar R$ 50 mil por danos morais devido a um comentário desrespeitoso feito por um supervisor ao jornalista Renan de Souza. Em julgamento de recurso movido pelo profissional contra a companhia, a 13ª turma da Justiça do Trabalho de São Paulo decidiu pela condenação por um placar de dois a um.
Em audiência realizada em 28 de setembro de 2023, uma testemunha afirmou em depoimento ter ouvido de Renan que, durante a cobertura da morte de George Floyd nos EUA, houve um desentendimento entre o jornalista e o chefe, Asdrúbal Figueiró.
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O coordenador de Renan teria comentado sobre a reportagem de forma desrespeitosa, dizendo: “isso é coisa de preto, você está defendendo preto”.
Logo após o fato, a testemunha disse que o profissional ficou abalado e chorou na sua frente durante o ocorrido. No fim de maio de 2020, o próprio Renan afirmou em juízo que Asdrúbal passou a criticá-lo na ilha de edição ao dizer que o material jornalístico estava “enviesado” porque Souza era “negro”.
O juiz Paulo José Ribeiro Mota concordou com a ideia de que, durante um debate sobre a morte de George Floyd, o foco da cobertura mudou. Em vez de discutir se um comentário era importante ou não, a discussão passou a ser sobre a cor da pele de Floyd. “Me parece que isso é um viés de racismo indiscutível”, disse o relator.
A decisão favorável que condenou a companhia por dano moral foi conseguida pelo advogado Carlos Daniel Toni. O processo foi movido em março de 2023, no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, acusando a empresa de racismo estrutural e assédio moral.
Perseguição e tratamento desigual no trabalho
Também sobre o caso, a testemunha afirmou que o gerente quis ainda tirar a gravação do texto que dizia que a vítima era “um homem negro, de 46 anos”.
“Eu contra-argumentei dizendo que estávamos reportando um caso de racismo. A matéria já não dizia mais que o policial estava com o joelho no pescoço do George Floyd e não poderíamos deixar de dizer que era um caso contra um homem negro”, relatou o jornalista, em depoimento à justiça. Ele defendeu ainda que o coordenador respondeu que todo mundo já estava vendo que ele era negro.
Após o incidente, Souza diz que passou a ser perseguido por Figueiró, que lhe teria atribuído metas inatingíveis e negado folgas e feriados “enquanto concedia folgas a outros empregados, agindo com distinção”.
O jornalista, contratado para atuar como editor de texto na CNN Brasil, em São Paulo, alegou à época do processo que a emissora só começou a contratar jornalistas negros após a polêmica contratação de William Waack, demitido da TV Globo por racismo. Apesar disso, continuou a praticar discriminação, pagando salários menores a profissionais negros e os relegando a funções menos importantes.
Durante o primeiro julgamento, a juíza responsável pelo processo Gilia Costa Schmalb, da 65ª Vara do Trabalho de São Paulo, declarou que ele não apresentou evidências suficientes para comprovar a existência de práticas discriminatórias na empresa, como, por exemplo, a diferença salarial entre funcionários negros e brancos com as mesmas qualificações e funções.
A magistrada entendeu que o reclamante não conseguiu comprovar a existência de um sistema de desigualdades baseado em preconceito racial na emissora, e que as situações relatadas por ele não foram suficientes para configurar racismo estrutural ou assédio moral.
A sentença em primeira instância julgou procedente em parte os pedidos do jornalista, a exemplo do direito do pagamento em dobro dos Descansos Semanais Remunerados trabalhados. Além disso, também acatou a integração das horas extras, férias, 13º salário e FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço).
CNN negou racismo no processo
Quando o processo estava em primeira instância, à época, a emissora refutou a tese de racismo estrutural ao afirmar que não adota e nem permite práticas discriminatórias. E ainda destacou que seus programas contam com a participação de profissionais com representatividade racial e de gênero em diversas funções. Em relação às diferenças de salário, afirmou que a discrepância entre Souza e outros jornalistas ocorre devido a fatores como experiência e qualificação, e não à raça.
A CNN ainda ressaltou em processo a existência de um programa de diversidade chamado “Plural”, que abrange políticas de diversidade tanto internas quanto externas. A empresa diz também que o programa inclui palestras, discussões e atividades para conscientização dos empregados, além de reportagens e programas veiculados.
Asdrúbal Figueiró disse que não foi citado ou ouvido no processo movido por Renan de Souza. Ele também afirmou não ter conhecimento das acusações feitas pelo jornalista e disse que nunca o destratou.
Histórico de racismo na companhia
No último dia 20 de agosto, a Alma Preta revelou que a emissora responde a outro processo, movido pelo jornalista Fernando Henrique de Oliveira. Na ocasião, foi solicitado que ele arrumasse o seu cabelo “dread” por estar em “descompasso com a atividade”, segundo o ex-funcionário da empresa em depoimento à Justiça do Trabalho de São Paulo. Ele trabalhou para a companhia na redação de Nova York.
Segundo o documento, o juiz José Celso Bottaro, da 80ª Vara do Trabalho, considerou que as provas apresentadas pelo jornalista não foram suficientes para comprovar a tese de discriminação racial. A defesa recorreu e agora o caso vai ser julgado novamente, ainda sem data marcada para isso acontecer.
Bottaro rejeitou a alegação de racismo estrutural e discriminação relacionada ao estilo de cabelo “dread”, argumentando que a questão não foi levantada na petição inicial, o que a torna processualmente inadequada. Além disso, destacou que a presença de outros jornalistas negros com dreadlocks na mesma emissora enfraquece a tese de discriminação racial.
Em abril de 2021, a Alma Preta trouxe à tona outro caso de racismo na CNN Brasil. A jornalista Basília Rodrigues foi vítima de perseguição dentro da emissora, motivada por discriminação racial.
Uma funcionária chegou a dizer para outra colaboradora responsável pela edição das entradas ao vivo, que “se ela fosse loira e de olho azul, você não estaria enchendo o saco dela.”
As fontes ouvidas na época relataram uma espécie de perseguição à jornalista. A edição do jornal Novo Dia chegou a reclamar que a jornalista estava “descabelada”. Relatos apontam que Basília chegou a mudar o cabelo, que é crespo, de um lado para o outro, o que faz com que ele fique mais volumoso.
“Um dia reclamaram da parede branca, depois reclamaram que ela estava à frente de uma prateleira. A gente vê pessoas em um caos, com a parede repleta de coisas, e entra sem qualquer tipo de problema”, declarou um funcionário.
Alguns trabalhadores, incomodados com a situação na época, chegaram a afirmar que o tratamento negativo e diferenciado dispensado à comentarista era tão evidente que “só não enxergava quem não queria”.
Outro lado
Posicionamento completo de Asdrúbal Figueiró:
“Antes de mais nada, eu gostaria de dizer que não fui citado ou ouvido no processo trabalhista do Renan de Souza contra a CNN Brasil, meu ex-empregador. Até hoje, nunca tinha ouvido essas alegações. Soube pela reportagem da Alma Preta. Eu nunca me dirigi de forma ofensiva ao Renan. Também nunca o tratei diferente de outros colegas. Nossa relação sempre foi profissional e cordial. No dia da edição da reportagem sobre a morte de George Floyd, fui à ilha de edição acompanhar os principais VTs do dia, o que era parte do meu trabalho. Não houve desentendimento. O que houve foi uma discussão editorial, respeitosa. O meu argumento era que deveríamos, sim, usar a imagem do policial ajoelhado no pescoço de George Floyd, mas que ela não deveria ficar muito tempo ininterruptamente no ar. É uma imagem angustiante, de uma pessoa sofrendo, agonizando. Minha sugestão é que ela fosse dividida em blocos mais curtos, com o tamanho suficiente para que audiência percebesse o absurdo do abuso policial, mas não tão longos que levasse as pessoas a desligar a TV e perder a conclusão da história. O debate sobre o dilema do uso de imagens chocantes é comum no jornalismo. Em nenhum momento pedi que ele não destacasse o componente racial da violência, ao contrário. A reportagem foi um dos destaques dos jornais da CNN Brasil naquela noite, e eu fui um dos coordenadores da extensiva cobertura que a CNN Brasil fez do caso e dos protestos que se seguiram, enviando repórteres a várias cidades dos EUA onde as manifestações ocorreram e entrando com a programação pela madrugada.”
ERRAMOS: Uma versão anterior deste texto dizia que a CNN Brasil foi condenada por racismo estrutural, mas na realidade a companhia foi condenada por danos morais devido a um comentário desrespeitoso de um ex-funcionário ao jornalista Renan de Souza durante discussão sobre a cobertura do caso George Floyd. O texto foi atualizado com as informações corretas. A Alma Preta pede desculpa aos seus leitores.
Confira abaixo nota completa da empresa:
“Não é verdade que a CNN Brasil foi condenada por racismo estrutural em processo movido por ex-colaborador.
A CNN Brasil normalmente não comenta decisões ainda passíveis de recurso, como esta. No entanto, em prol da transparência pela qual sempre prezamos com nossos colaboradores, informamos que em referido processo, e em primeira instância, nenhuma das acusações desta natureza foi reconhecida.
Já em decisão mais recente, em segunda instância, o Tribunal confirmou improcedentes oito dos nove pleitos feitos pelo autor.
O Tribunal, de forma unânime, confirmou que não houve discriminação nem racismo estrutural e, em decisão não unânime, concedeu ao ex-colaborador uma indenização por danos morais em razão de um único e determinado episódio de desentendimento com outro ex-colaborador, que já não faz parte do quadro da empresa há quase dois anos.
A CNN Brasil reitera seu compromisso com a diversidade, o respeito a todos os seus colaboradores e a promoção da igualdade e inclusão em suas práticas cotidianas.”