No centro-oeste paulista, uma mulher branca se fantasiou como uma pessoa negra para uma festa a fantasia na cidade de Bauru (SP). Sharon Portes, que é funcionária pública dos Correios, publicou uma foto em seu perfil do Instagram, onde aparece com peruca e o rosto pintado de preto, o que caracteriza a prática de blackface, e de peruca.
Na imagem, a mulher força os lábios para frente simulando a boca de uma mulher negra. Por baixo da roupa, uma peça de sobrepele substitui a pintura preta no resto do colo. A publicação foi apagada, mas antes foi denunciada na plataforma por Greice Luiz, mulher negra, produtora cultural e ex-presidente do Conselho Municipal da Comunidade Negra da cidade.
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Em entrevista à Alma Preta, Greice disse que identificou a prática racista de blackface assim que visualizou a postagem. “O racismo não é um problema só meu, é um problema de todos. Essas coisas adoecem a gente, porque nós, pessoas negras, já levamos porrada todos os dias”, afirmou.
Para a produtora cultural, o impacto do ato racista foi tanto que lhe gerou problemas com ansiedade, e remeteu à discriminações que a própria sofreu em outros momentos da vida. “Estou sem dormir direito desde que vi isso. Bauru é conservadora e racista, então está naturalizado soltar isso e se desculpar como piada”, desabafou.
Depois de denunciar o conteúdo para o Instagram, Greice registrou o ocorrido em boletim de ocorrência online e notificou um integrante do Conselho de Igualdade Racial da Ordem de Advogados do Brasil (OAB) de Bauru. Por mensagem, ela encaminhou a publicação e questionou sobre a possibilidade de posicionamento da entidade, mas não obteve resposta.
O Conselho Municipal da Comunidade Negra, comitê voluntário criado em 2003 pela Secretaria Municipal de Cultura, também foi procurado pela denunciante, que diz não ter tido sucesso novamente.
“Isso chateia demais. É uma violência tamanha que ocorre diariamente, mas quando você quer recorrer a instituições que podem denunciar, eles não fazem nada”, desabafa.
Com a falta de apoio, a produtora conta que se sentiu impotente com a situação. Para ela, é preciso ter representação real em comissões relacionadas à comunidade negra.
“Eu sempre vou nas escolas para falar sobre isso, para ensinar as crianças sobre a nossa comunidade, sobre autoestima com as meninas pretas. Isso é uma ofensa direta a nós, tudo que ela usou na fantasia simboliza a mulher negra. Nossos traços, nosso cabelo, até as miçangas ali representam nossa forma de se vestir. Isso é errado, é racismo puro”, completou.
A reportagem procurou Sharon Portes, mas a mulher não se manifestou até a publicação deste texto.
Correios lamentou o caso de blackface
Em nota enviada à Alma Preta, a unidade bauruense dos Correios lamentou o ocorrido e destacou que o caso ocorreu fora dos ambientes e do expediente da empresa, o que “não reflete o comprometimento e a integridade de seus mais de 86 mil empregados e empregadas”.
“Os Correios repudiam quaisquer comportamentos dissociados de seus valores. Nesse sentido, a empresa tem uma Política Corporativa de Diversidade aprovada em 2024 sendo aplicada em todas as suas estações de trabalho, com compromissos muito objetivos de enfrentamento ao racismo. […] Entre as iniciativas previstas na cooperação está a divulgação interna da Política e do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), além da inclusão de empregados e empregadas da estatal em cursos de formação para o enfrentamento ao racismo, em parceria com o Ministério”, diz trecho da nota.
O Conselho de Igualdade Racial, também em nota, informou que só foi oficialmente notificado sobre o caso após o contato da reportagem. A Secretaria das Comissões da entidade advertiu que a recepção de qualquer tipo de denúncia deve ser feita via protocolo físico ou eletrônico, onde o denunciante deve solicitar o parecer ou apoio da comissão que deseja.
“Salientamos que a prática de blackface está profundamente enraizada em um passado de discriminação racial e é inegavelmente ofensiva, independentemente das intenções envolvidas. […] Nesse sentido, reiteramos o compromisso da OAB Bauru com a promoção da igualdade racial e o respeito aos direitos fundamentais, enfatizando que o episódio deve ser tratado com a seriedade que o tema exige. Todos os atos suspeitos de racismo ou preconceito devem ser investigados, garantindo que as medidas cabíveis sejam tomadas conforme o devido processo legal”, diz trecho do comunicado da Comissão.
O parecer do Conselho Municipal da Comunidade Negra de Bauru informou que a denúncia foi recebida em um domingo e encaminhada para a pauta na reunião extraordinária do dia seguinte.
“Na 13ª reunião extraordinária do CMCN, decidimos organizar uma orientação em nossa rede social para que qualquer cidadão consiga realizar a denúncia a qualquer hora. Estamos organizando o referido material (um breve passo a passo), assim também orientando para o Disk 100. Compreendemos também a importância do letramento racial que estamos desenvolvendo junto às instituições especialmente escolas, pois acreditamos que grande parte das atitudes racistas advém da falta de uma educação antirracista ou a existência de prátias racistas na educação. Por isso nossa gestão tem se dedicado à educação antirracista como nunca houve anteriormente, acredito até por falta desse entendimento por parte de gestões anteriores”, expressou Sebastiana de Fátima Gomes, presidente do conselho, em nota para a reportagem.