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Mobilização indígena impede polícia de impor obra de multinacional em território quilombola

Há mais de uma semana, cerca de 100 indígenas bloqueiam um trecho da estrada de acesso à empresa do setor de alumínio, impedindo a passagem de funcionários
Foto mostra lideranças das comunidades tradicionais em resistência à atuação da Hydro na região do Acará, no Pará.

Foto: Reprodução

20 de setembro de 2024

Uma mobilização de indígenas das etnias Turiwara e Tembé impediu as forças policiais de imporem obras da multinacional norueguesa Norsk Hydro em territórios quilombolas da região do Vale do Acará, nordeste do Pará. Há mais de uma semana, cerca de 100 indígenas bloqueiam um trecho da estrada de acesso à empresa, impedindo a passagem de funcionários.

Nas últimas terça (17) e quinta-feira (19), viaturas do Batalhão de Choque e do Batalhão de Rondas Ostensivas Motorizadas (Rotam) da Polícia Militar do Estado do Pará (PMPA) tentaram furar o bloqueio dos indígenas. A ação cumpre mandado judicial que autoriza uso de força policial para liberar o acesso dos funcionários da Mineração Paragominas, pertencente ao grupo Hydro, nas terras da Associação de Moradores e Agricultores Remanescentes Quilombolas do Alto Acará (Amarqualta).

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Por outro lado, de acordo com o cacique Turiwara, Paulo Portilho, não existe mandado judicial contra os indígenas. Ele explica que a polícia e a empresa utilizam decisão que existe contra as comunidades quilombolas para forçar os indígenas a aceitarem a ação da Hydro também dentro dos seus territórios.

A Defensoria Pública do Estado do Pará, por meio da Defensoria Agroambiental de Castanhal, que atua na defesa das comunidades da região, entrou com um requerimento na Vara Cível de Acará solicitando o fim da ação policial nas terras indígenas, já que não são eles os alvos do mandado judicial. O pedido foi confirmado pelo oficial de justiça e a polícia teve que recuar.

À Alma Preta, os indígenas disseram que seguirão bloqueando o trecho da estrada, que fica no interior do território, até que a Hydro se sente com os representantes das comunidades para discutir a reparação dos danos causados pelas obras nos territórios.

“Os indígenas sempre buscaram o diálogo, mas a empresa nunca parou para conversar conosco. Sendo assim, os indígenas se reuniram para bloquear a estrada e só vamos permitir a liberação da obra quando tiver diálogo com as comunidades”, protesta o cacique Paulo Portilho.

A Mineração Paragominas realiza obras de manutenção do mineroduto, tubo subterrâneo usado para o transporte de bauxita, matéria-prima do alumínio, em uma extensão de 246 km, entre os municípios de Paragominas e Barcarena, no Pará. Em Barcarena, o minério é refinado pela empresa Alunorte. O mineroduto e a linha de transmissão percorrem os municípios de Paragominas, Ipixuna do Pará, Tomé-Açu, Acará, Moju, Abaetetuba e Barcarena, impactando cerca de 26 comunidades indígenas e quilombolas.

“No caminho por onde passa o mineroduto, a empresa vai fazendo escavação, desmatamento e invasão dos territórios para enterrar os dutos. Tudo isso foi feito sem respeitar o protocolo de consulta às comunidades. Nós tentamos resistir, mas a Hydro sempre consegue uma decisão na justiça e passam por cima da gente com a força policial”, denuncia a liderança quilombola Josias Dias, presidente da Amarqualta.

Comunidade quilombola impede o acesso da Hydro ao território há seis meses

A liderança quilombola do Alto Acará conta que a comunidade paralisou os serviços da Hydro dentro de seus territórios há cerca de seis meses. A ação foi uma resposta aos impactos causados pelas obras da empresa, que afetam o modo de vida e sobrevivência das comunidades. 

“Para passar com o linhão, eles arrancaram árvores, acabando com a vegetação. Muitas dessas árvores dão alimentos, são ervas medicinais para nós, tudo estava sendo tirado. Além disso, cinco igarapés estavam assoreando. E tudo isso prejudica a comunidade. Somos moradores e precisamos ser tratados com dignidade”, protesta.

Josias também afirma que as obras não cumpriram as exigências de Consulta Prévia, Livre e Informada, determinadas pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O mecanismo garante que as comunidades tradicionais sejam consultadas antes da adoção de qualquer decisão que possa impactar nas suas vidas. Ele diz que a violação ocorre com aval do Governo do Pará, que licencia a ação das empresas dentro dos territórios, mesmo sem a exigência da consulta. 

Uma ação da Defensoria Agroambiental Castanhal, de outubro do ano passado, aponta uma série de irregularidades no licenciamento ambiental concedido pelo estado ao mineroduto mantido pela Mineração Paragominas. O documento destaca que as duas primeiras licenças de operação, emitidas pelo governo do Pará nos anos de 2010 e 2011, não mencionam a obrigatoriedade da consulta, assim como não preveem os estudos de reparação dos impactos da obra nos territórios tradicionais.

Segundo a Defensoria Pública, autora da ação, as exigências da realização do Estudo do Componente Quilombola (ECQ) e do Plano Básico Ambiental Quilombola (PBAQ) só apareceram na renovação da licença em fevereiro de 2022, 24 anos depois da instalação do mineroduto. Entretanto, o prazo de 180 dias que determina que a empresa cumprisse normas venceu em julho do mesmo ano, sem a conclusão dos compromissos junto às comunidades tradicionais.

Apesar da Mineração Paragominas não ter concluído as normas condicionadas pela licença de 2022 para operação do mineroduto, como afirma a ação cautelar, obras de manutenção do tubo foram autorizadas pelo estado.

“A Hydro nega o nosso direito e quando a gente reclama, eles usam a força do estado. Dizem que temos que deixar o serviço ser feito e se a gente interromper por um dia, somos penalizados com a força policial. Eles movem processos e ficamos com nome sujo, só porque estávamos exigindo que a Hydro faça o que manda a legislação”, ressalta Josias.

“Mas resistimos e dissemos que eles só realizarão os serviços dentro do nosso território quando fizerem o que manda a Convenção 169”, conclui o presidente da associação quilombola.

Governador Helder Barbalho e Noruega são responsabilizados por impactos

Na última segunda-feira (16), seis associações indígenas e quilombolas que compõem o Movimento Indígena, Ribeirinho e Quilombola do Vale do Acará (IRQ), divulgaram um manifesto onde acusam a Hydro de promover um massacre na região, com apoio do governador Helder Barbalho (MDB). O documento aponta que a ação da empresa afeta cerca 600 famílias, reunidas em quatro aldeias do povo Tembé, quatro aldeias do povo Turiwara e sete comunidades quilombolas.

Na carta, as lideranças apontam todos os danos causados desde 2008 pela atuação da Hydro na região, denunciam as irregularidades no licenciamento ambiental dado pelo estado à multinacional, revelam que se sentem desamparados pelo poder público e pela justiça e pedem que a Noruega seja responsabilizada pelos impactos causados à Amazônia.

“Em 12 de agosto, a Juíza Emília Parente de Medeiros, titular da Comarca de Acará, concedeu uma liminar que garante à Hydro o direito de violar nossos territórios e destruí-los, e de ameaçar as vidas humanas e não-humanas dos nossos ecossistemas. A decisão também prevê multa diária astronômica de R$ 500.000,00 ao dia – determinada claramente para nos destruir como entidade da sociedade civil – e, ainda, a prisão de quem obstruir a passagem dos maquinários da empresa. Em novembro do ano passado, a Hydro já tinha tentado criminalizar lideranças indígenas e quilombolas junto à justiça para garantir suas operações em nossos territórios”, diz um trecho do manifesto.

A reportagem solicitou um posicionamento à empresa Hydro, mas até a publicação deste texto não houve resposta O espaço segue aberto.

Leia o manifesto na íntegra:

Manifesto contra o massacre promovido pela mineradora Norsk Hydro, com o apoio do governador Helder Barbalho, no Vale do Acará, Amazônia paraense

O governo de Helder Barbalho permite que a mineração transnacional norueguesa esmague os territórios originários e tradicionais no Pará, estado que sediará a COP-30, em 2025

Nós, povos Indígenas, Ribeirinhos e Quilombolas do Vale do Acará, nos unimos neste manifesto para denunciar as graves violações socioambientais praticadas pela mineradora transnacional norueguesa Norsk Hydro em nossos territórios sagrados, acobertada por licenças ambientais fraudulentas cedidas pelas mãos sujas do governador do estado do Pará, o senhor Helder Barbalho, que, aliado à essa empresa, tem legitimado a opressão e a negativa de direitos básicos cometidas contra nós, povos da floresta e contra nossa mãe Natureza.

Somos mais de seiscentas famílias reunidas em quatro aldeias do povo Tembé; quatro aldeias do povo Turiwara e sete comunidades quilombolas, sofrendo com as invasões e destruições da empresa Mineração Paragominas (MPSA), pertencente ao grupo norueguês, que, neste momento, amplia e duplica seus quase 300 quilômetros de minerodutos e, portanto, devasta rios e florestas nessa mesma extensão. São 300 quilômetros de destruição de vidas humanas e não-humanas em larga escala. Junto às obras do mineroduto, a empresa também está promovendo a instalação das linhas de transmissão que abastecem suas estruturas.

Por esses tubos passam toneladas de minérios diariamente, com várias estações de despejo e captação de água, que poluem, por um lado, e esgotam, por outro, nossos recursos hídricos, suprimindo nossos meios de vida e subtraindo nossos possibilidades de vida futura, SEM QUALQUER RESPONSABILIDADE E REPARAÇÃO.

A rede de minerodutos da Norsk Hydro começa no município de Paragominas, onde está localizada a mina de bauxita da mineradora, e termina na planta industrial da Hydro Alunorte, na cidade de Barcarena, onde o material é transformado em alumina, matéria prima do alumínio. O ciclo se encerra na Albrás, que transforma a alumina em alumínio primário, pronto para ser exportado em forma de tarugos e lingotes para todo o mundo. As três empresas pertencem à Hydro e, portanto, ao governo da Noruega, que detém cerca de 34% das ações da mineradora.

E qual relação existe entre nossa vida, nossos direitos e nossas obrigações constitucionais com esses minerodutos ou com os interesses privados deste conglomerado norueguês que, para pintar uma imagem positiva para os seus acionistas, financia o que hoje é uma dos maiores portfólios do governo Barbalho: a Usina da Paz. Enquanto enriquecem em milhões seus investidores noruegueses e japoneses, despejam migalhas disfarçadas de responsabilidade social.

Para nós, a exploração das riquezas que as divindades deixaram escondidas debaixo dos nossos pés só trouxe destruição, morte e doenças – a miséria em todos os sentidos. Mas se é assim, então, mais uma vez perguntamos: por que temos que pagar com nossas vidas, com nossa cultura e com a nossa biodiversidade por algo que só serve ao enriquecimento de estrangeiros e dos sócios de uma empresa lá do outro lado do mundo? Responda-nos, governador. Responda-nos também, Presidente Lula, em quem confiamos nosso voto. Quantos políticos ganham em suas campanhas em troca de favores concedidos à revelia de nossos direitos?

Este manifesto é escrito com sangue, lágrima, e seiva! Sempre que o dito “progresso” se avizinha, nossos corpos se transformam em cachoeiras de dores, inundando as cenas de destruição. E ainda somos obrigadas e obrigadas a assistir nosso futuro e o futuro da humanidade tombarem ao baque das nossas sagradas castanheiras, tão importantes para nossa subsistência enquanto povos extrativistas. O que vocês chamam de supressão vegetal, nós chamamos de assassinato! O que vocês classificam como área de servidão, chamamos de mutilação, de fome, e de morte.

Até agora, por cima do nosso pranto, e para favorecer a mineradora Hydro, centenas de árvores já foram arrancadas e pelo menos 20 igarapés foram, simplesmente, aterrados pelas gigantescas retroescavadeiras da Hydro. Essas máquinas, muito mais do que nós, contam com a proteção diária de todo o efetivo da Polícia Militar da região. Elas entram em comboio, escoltadas e patrulhadas como autoridades, enquanto nos questionamos a quem devemos clamar por socorro.

Em 12 de agosto, a Juíza Emília Parente de Medeiros, titular da Comarca de Acará, concedeu uma liminar que garante à Hydro o direito de violar nossos territórios e destruí-los, e de ameaçar as vidas humanas e não-humanas dos nossos ecossistemas. A decisão também prevê multa diária astronômica de R$ 500.000,00 ao dia – determinada claramente para nos destruir como entidade da sociedade civil – e, ainda, a prisão de quem obstruir a passagem dos maquinários da empresa. Em novembro do ano passado, a Hydro já tinha tentado criminalizar lideranças indígenas e quilombolas junto à justiça para garantir suas operações em nossos territórios.

Diante da decisão da juíza, que nem de longe levou em conta os direitos dos povos originários e tradicionais, focando apenas nos interesses capitalistas da Norsk Hydro, tanto o Ministério Público Federal quanto a Defensoria Pública do Estado do Pará, já argumentaram a incompetência da Juíza para julgar o caso, por tratar-se de interesses indígenas e quilombolas e o fato ocorrer em terras da União.

Além disso, viemos tornar público que a mineradora norueguesa Norsk Hydro opera sua destruição no Vale do Acará de forma ilegal, por meio de licenças ambientais fraudulentas, expedidas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Estado do Pará (SEMAS). A licença de operação que a empresa possui, e que utiliza contra nós sempre que a questionamos, estabelecia prazo para que a empresa cumprisse com a etapa de consulta prévia, livre e informada, nos moldes previstos pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Também não realizou estudos de componentes indígenas e quilombolas, tampouco os planos básicos ambientais indígenas e quilombolas, que preveem as mitigações dos danos O prazo fixado já venceu há mais de um ano e meio, fato que as comunidades quilombolas e indígenas estão questionando na justiça por meio de uma Ação Civil Coletiva e Ambiental, ajuizada na última sexta-feira, 13 de setembro, na 9ª Vara Federal de Belém.

Como toda invasão, não sabemos ao certo o que vieram fazer e nem os prejuízos que vão nos deixar. Ninguém sequer nos informou quantas árvores seriam arrancadas para permitir que tubos violassem nosso chão ancestral. Sabemos que não há nada que repare ou que reestabeleça, a curto prazo, a destruição causada por estas obras, por isso exigimos explicações e justiça! Justiça ambiental, justiça climática, justiça social para os povos tradicionais e originários, verdadeiros guardiões da biodiversidade.

E é justamente por isso que pedimos ao governo do estado providências em relação à conduta do grupo Hydro no Vale do Acará. Pedimos, com urgência, que as licenças ambientais deste empreendimento sejam revistas a fim de conter injustiças e a destruição do que ainda resta de floresta em nossos territórios, já tão atacados pela monocultura do dendê.

Por fim, clamamos ao Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), que investiguem a conduta da Norsk Hydro em nossos territórios e façam repercutir nossas denúncias ao Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e à Funai; ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) e Ministério da Igualdade Racial (MIR).

Se o alumínio é um dos metais que favorecem a transição energética, saibam que não será uma transição energética justa, considerando o rastro de destruição que sua produção causa aos povos da Amazônia.

Que o mundo saiba quem são vocês, os responsáveis pela destruição e pelas mudanças climáticas!

Que a Noruega, maior acionista da Norsk Hydro, seja responsabilizada pelos danos causados à Amazônia, tanto no Vale do Acará, como em Barcarena, onde centenas de famílias estão contaminadas com metais pesados decorrentes das operações desta empresa!

Resistiremos.

16 de setembro de 2024.

  • Fernando Assunção

    Atua como repórter no Alma Preta Jornalismo e escreve sobre meio ambiente, cultura, violações a direitos humanos e comunidades tradicionais. Já atua em redações jornalísticas há mais de três anos e integrou a comunicação de festivais como Psica, Exú e Afromap.

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