Movimentos sociais, populares e a favor do desencarceramento pedem a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do sistema prisional baiano para apurar violações dentro das prisões. O objetivo da iniciativa é investigar denúncias de tortura e violação de direitos dentro das unidades prisionais e contra familiares dos detentos, além de levantar proposições para o enfrentamento ao encarceramento da juventude negra e periférica.
A mobilização foi feita a partir de uma audiência pública na Assembleia Legislativa da Bahia, realizada no Dia Estadual de Luta contra o Encarceramento da Juventude Negra. Autor do pedido da CPI, o deputado estadual Hilton Coelho (PSOL-BA) aponta que o pedido é uma questão incontornável para a defesa dos direitos humanos na Bahia e ressaltou as dificuldades para a instauração de outra CPI, que visa investigar o genocídio da juventude periférica e negra.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
“Não há assinaturas ainda. Temos uma barreira a vencer aqui nesta Casa. Mas as denúncias estão se acumulando e chegará um momento em que será desmoralizante para as instituições negar essa exigência dos movimentos sociais. Estas duas CPI são irmãs, estão ligadas à vigilância sobre um mesmo processo: a política de ataque, contenção e morte da população negra e periférica”, pontua o parlamentar.
Atualmente, a Bahia conta com 15.672 pessoas no sistema prisional. Desse total, 51,4% estão em prisões provisórias, ou seja, ainda aguardam julgamento, e os outros 48,6% são condenadas. Em todo o país, a população carcerária é composta majoritariamente por pessoas negras e jovens (entre 18 e 29 anos), que representam 67,5% e 46,4%, respectivamente. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022.
Conforme o Anuário, o número de negros em cárcere aumentou na última década: em 2011, 60,3% da população encarcerada era negra e 36,6% era branca. Em 2021, o número de brancos reduziu para 29%.
Há mais de 15 anos, Elaine da Paixão, líder do movimento “Desencarcera Bahia”, denuncia as violações dentro e fora das prisões, como a revista vexatória dos familiares dos detentos.
Como mãe e esposa de sobreviventes do cárcere — como a ativista define — Elaine aponta que os familiares dos presos chegam a receber ameaças por denunciar as irregularidades nos presídios. Segundo a ativista, as principais violações contra presos são tortura física e psicológica, falta de assistência médica, de acesso à educação, entre outros. Além disso, ela também relata que a população carcerária sofre com a desnutrição.
“Eu costumo dizer que o sistema prisional é um navio negreiro. A gente vive uma escravidão não acabada e ainda tem limitações dentro da sociedade”, avalia Elaine da Paixão.
Dentre uma das denúncias relatadas pela ativista está o caso de um interno do presídio de Lauro de Freitas, região Metropolitana de Salvador, que usa uma bolsa de colostomia. Ele, que devia fazer uma cirurgia há dois meses, já aguarda pelo procedimento há oito meses e faz a própria higienização da bolsa. Além disso, uma outra denúncia se refere a um caso que aconteceu em fevereiro do ano passado, quando quatro internos teriam sido agredidos de forma aleatória por agentes terceirizados do presídio de Serrinha, na Bahia.
“A gente conseguiu mobilizar e aí foi Ministério Público, Defensoria e a própria delegacia de Serrinha tirar esses internos dentro da unidade para fazer corpo delito. Chegou lá, eles não reconheceram os caras”, conta.
A líder do movimento “Desencarcera Bahia” também conta que acompanha relatos de familiares que são ameaçados, xingados e têm a carteira de visitação suspensa por denunciar irregularidades dentro das prisões. Em um vídeo enviado pela ativista à Alma Preta Jornalismo, companheiras e parentes de presos no Complexo Penitenciário da Mata Escura, em Salvador, são chamadas de “ladronas” (sic).
“O Estado é uma máquina de moer gente e o que o Estado quer com essas pessoas dentro da privação de sua liberdade é o controle dos corpos femininos e masculinos, o controle do corpo preto e o lucro”, ressalta.
Ainda não há previsão para a apresentação da CPI. Nas redes sociais, o deputado escreveu: “A sociedade precisa debater este tema e lutar na Bahia, estado de maioria populacional negra e jovem, justamente a faixa populacional onde o hiperencarceramento incide”.
Leia também: Programa de alternativas penais sofre com desmonte na Bahia, revela pesquisa