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Crianças das periferias enfrentam maior escassez de acesso a espaços verdes

Especialista defende que ausência de políticas que priorizem áreas verdes nas periferias é um dos maiores desafios para promover cidades mais sustentáveis
Imagem mostra dois meninos pequenos plantando uma muda na terra.

Foto: Freepik

7 de outubro de 2024

A estudante de designer de interiores Adara Lima César, de 29 anos, mãe do pequeno Martin, de apenas um e quatro meses, gostaria de proporcionar ao seu filho atividades de lazer ao ar livre. “Pela falta de ambientes adequados para as crianças, elas acabam brincando na rua, disputando o espaço com os carros”, relata.  

Ela, que mora no centro de Maceió (AL), região histórica e cultural da cidade, mas que não possui ambientes adequados para as crianças brincarem, lamenta a ausência de espaços verdes e seguros. “Apesar da rua ser tranquila, tememos pela segurança das crianças”.

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A dificuldade enfrentada por Adara é a meta 11, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs), definidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2016, que devem ser atingidos pelos países-membros até 2030. Cidades e comunidades sustentáveis possibilitam a oportunidade de as crianças viverem em espaços verdes, seguros e sustentáveis, os quais são mais escassos em periferias, promovendo um desenvolvimento mais saudável e integral. 

“Quando conseguimos levar o bebê a espaços abertos, a mudança no comportamento é muito nítida. Percebemos o quão mais tranquilo fica após um período brincando em ambientes onde pode ficar livre, como, por exemplo, a rua fechada aos domingos (na Orla de Maceió) ou no jardim do vovô”, acrescenta a estudante. 

Ela afirma que o ODS 11 da ONU pode assegurar um futuro melhor não apenas para o seu filho, mas para todas as crianças que vivem na cidade e que deveriam ter o direito garantido a espaços públicos de qualidade. “Se houvesse mais áreas verdes, planejadas especificamente para as crianças da periferia, já seria um grande primeiro passo”.

Adara Lima César e o filho Martin. (Rafaela Chafer)
Adara Lima César e o filho Martin. Foto: Rafaela Chafer

Parques naturalizados promovem desenvolvimento integral das crianças 

O conceito de parques naturalizados ganham força como uma solução inovadora para promover o desenvolvimento integral das crianças em áreas urbanas. Segundo o Instituto Alana, esses espaços, criados a partir de elementos da natureza, têm um impacto direto na saúde física, emocional e social das crianças, além de combater crises climáticas e fortalecer as comunidades.

Ao integrar áreas verdes em cidades densamente povoadas, eles oferecem um ambiente de brincadeiras livres e criativas, proporcionando às crianças oportunidades de conexão com a natureza. 

Segundo o guia “Caminhos para a Implementação de Parques Naturalizados”, publicado pelo Instituto Alana em parceria com o Programa Criança, em fevereiro de 2024, essas áreas incentivam o desenvolvimento de habilidades motoras, sociais e cognitivas, essenciais durante a infância.

Além disso, esses parques são projetados com a participação ativa das comunidades e valorizam a cultura local, promovendo o senso de pertencimento e engajamento comunitário. Eles também têm um custo relativamente baixo e trazem benefícios que vão desde a melhoria do microclima até o aumento da biodiversidade.

Dessa forma, comunidades sustentáveis fortalecem não apenas a convivência, mas também o desenvolvimento infantil, proporcionando ambientes que promovem o bem-estar das crianças e de suas famílias.

Cidade acolhedora para a primeira infância

A Urban95 elaborou 10 diretrizes que candidatos e candidatas às prefeituras devem priorizar nas eleições municipais de 2024, no sentido de garantir a construção de uma cidade mais acolhedora para crianças, famílias e cuidadores. 

A iniciativa global da Fundação van Leer tem o intuito de incluir a perspectiva de bebês, crianças pequenas e seus cuidadores no planejamento urbano das cidades. Assim como nas estratégias de mobilidades e nos programas de serviços destinados a esse público. 

A recomendação oito consiste em “Assegurar espaços públicos verdes que incentivem o brincar livre e em contato com a natureza”. O documento destaca que no país, a maioria das crianças vivem em áreas urbanas, mas as cidades raramente são planejadas para atender às necessidades específicas da infância. 

Segundo a publicação, essa falta de planejamento adequado limita o acesso das crianças a uma vida mais ativa e ao contato com a natureza, fatores essenciais para o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional. 

“Criar parques naturalizados e espaços verdes que permitam brincar ao ar livre não só promove uma infância mais ativa, mas também melhora o bem-estar comunitário, facilitando a convivência entre pais, cuidadores e crianças em espaços públicos. Essas ações ajudam a mitigar os efeitos da emergência climática e devolvem às crianças o direito à cidade, à natureza e ao brincar livre”, recomenda. 

O papel de espaços verdes no desenvolvimento de crianças negras

A psicóloga especialista em administração no terceiro setor e representante no Brasil da Fundação van Leer, Claudia Freitas Vidigal, tem se dedicado a estratégias voltadas para o desenvolvimento infantil em ambientes urbanos. Como parte da iniciativa Urban95, ela destaca a importância do acesso a espaços verdes, principalmente para as crianças negras brasileiras.

Segundo Claudia, o contato com a natureza desempenha um papel fundamental no desenvolvimento físico, cognitivo e socioemocional das crianças. “A natureza instiga o espírito investigador da criança. Através de seu olhar curioso, ela amplia sua capacidade cognitiva, cria hipóteses a partir do que observa e experiencia”, afirma. 

Além disso, ela destaca o impacto motor proporcionado por essas experiências. “A natureza permite que a criança corra, suba em árvores, se esconda… Os ganhos são nas mais diversas dimensões.”

Assim como o relato de Adara, mãe do pequeno Martin, que abre esta reportagem, a psicóloga destaca que crianças negras, que em sua maioria vivem em áreas urbanas periféricas, têm menos acesso a esses espaços, o que resulta em uma disparidade em seu desenvolvimento. 

“Nas áreas mais pobres das cidades, com menos oportunidades de interação com a natureza, temos menos ganhos para o desenvolvimento infantil”, explica. Para ela, a solução passa por garantir mais espaços naturais em todas as áreas da cidade, “ainda que pequenos, mas distribuídos por todos os cantos”.

Vidigal também alerta sobre os impactos da falta de contato com a natureza na saúde mental das crianças a longo prazo. “Richard Louv cunhou o termo Transtorno de Déficit de Natureza, mostrando que, quanto menos interação com o ambiente natural, menos chances a criança tem de atingir seu pleno potencial”, comenta. 

A psicóloga explica que a falta de movimento e experiências sensoriais diversificadas pode ampliar quadros de ansiedade e déficit de atenção. “A natureza previne e cura muitos casos de saúde mental, efetivamente”.

Imagem mostra ume menina pequena segurando uma muda de planta.
Foto: Freepik

Integração de crianças negras no orçamento das cidades

Para Claudia Vidigal, um dos principais desafios para promover cidades mais sustentáveis, especialmente em áreas de baixa renda, consiste na falta de políticas públicas que priorizem o verde nas periferias. 

“Precisamos de espaços lúdicos, seguros, confortáveis e naturais, para que as famílias possam aproveitar todos os benefícios que a natureza oferece, sem custos altos, mas com benefícios imensos e comprovados”, defende.

Ela enfatiza a importância de decisões informadas e equitativas por parte dos gestores públicos: “Proximidade é cuidado, quando se trata de primeira infância”. Vidigal sugere que um passo fundamental seria olhar para as escolas não apenas como espaços educativos, mas também como oportunidades de convivência naturalizada, servindo tanto para crianças quanto para a comunidade.

A especialista também propõe uma maior valorização das referências culturais africanas em parques, bibliotecas e centros de convivência: “A literatura africana é uma imensa oportunidade de valorizar a relação entre a natureza e as crianças”, pontua.

Este conteúdo faz parte de uma parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal para a produção de reportagens sobre a primeira infância.

  • Formado em Jornalismo e licenciado em Letras-Português, morador da periferia de Maceió (AL) e pós-graduado em jornalismo investigativo pelo IDP. Com experiência em revisão, edição, reportagem, primeira infância e jornalismo independente. Tem trabalhos publicados no UOL (TAB, VivaBem, ECOA e UOL Notícias), Agência Pública, Ponte Jornalismo, Estadão e Yahoo.

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