Pré-candidaturas negras têm sido alvo de perseguição, ao passo que a representatividade negra nos espaços de poder ainda é pequena. Atualmente, apenas 5% dos deputados federais brasileiros se identificam como pretos. Outros 20% se denominam pardos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Um caso recente de perseguição aconteceu com o pré-candidato a deputado federal pelo PT-SP, Douglas Belchior, professor de História, fundador da Uneafro Brasil e membro da Coalizão Negra por Direitos. Na ocasião, Belchior havia participado da denúncia da empresa AlfaCon, de treinamento para seguranças, e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), instituição da qual agentes foram responsáveis pelo assassinato de Genivaldo de Jesus Santos, em 25 de maio deste ano.
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Com a repercussão do caso, em que Genivaldo foi morto onde uma viatura foi transformada numa espécie de “câmara de gás”, o líder do movimento negro foi alvo de mensagens de cunho racista, que homenageavam Hitler e diziam que negros “levam a criminalidade por onde passam”.
Em suas redes sociais, o candidato afirmou: “Esse é o tipo de mensagem que recebo, desde que denunciamos as atrocidades da AlfaCon e Polícia Rodoviária Federal. O racismo é uma das facetas do bolsonarismo e é a característica que os organiza os identifica como grupo. É o racismo que explica a ânsia do bolsonarismo em nos torturar e dizimar dentro das câmaras de gás. Dessa forma, o Movimento Negro é a expressão mais evidente da antítese de Bolsonaro”.
Douglas Belchior não foi o único
No começo do mês de junho, um trabalho educativo criado pelo mandato da vereadora Guida Calixto (PT-SP), de Campinas (SP), foi alvo de perseguição, e mais, o próprio mandato esteve sob risco de cassação devido a publicação da HQ “Territórios Negros: nossos passos vêm de longe”.
Essa publicação vem sendo distribuída à população de Campinas, que foi a última cidade do Brasil a abolir o regime de escravidão. O material não trata especificamente da escravidão, na verdade, segundo Guida, é uma homenagem à memória e ancestralidade do povo negro.
O também vereador de Campinas, Marcelo Silva (PSD-SP), elaborou um requerimento qualificando o material como “folheto absurdo”, com a acusação de que a vereadora e seu mandato distribuem material de doutrinação nas escolas.
Em vídeo publicado em sua página no Facebook, o vereador desqualifica o material por este conter uma ilustração da Marcha de Zumbi dos Palmares, com manifestantes segurando cartazes de protesto de “Fora Bolsonaro”, “Não ao Genocídio do Povo negro”, “Fogo nos racistas”. Na ocasião, Silva disse que a vereadora precisava ser responsabilizada por incitar o ódio.
O diretório municipal do PRTB protocolou um pedido para cassação da vereadora Guida Calixto por incentivar a violência. Na sessão destinada ao mérito do pedido, diversos militantes de esquerda, do movimento negro e da população em geral apareceram para demonstrar apoio ao mandato da vereadora e à HQ. Como resultado, a proposta de cassação do mandato da vereadora foi negada pela presidência.
“A esquerda tem que ser dizimada”
Candidata à prefeita de Taboão da Serra, em 2020, a professora Najara Costa (PSOL-SP) também sofreu perseguição durante sua campanha, por mencionar e cobrar as autoridades a respeito da morte da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), em 2018.
“Eu recebia muitos ataques falando ‘vocês defendem bandidos’, e como representante da esquerda, me diziam que ‘a esquerda tem que ser dizimada’. A extrema-direita fazia um discurso de eliminação a quem se opunha às ideias deles de velha política”, relata a professora, que é pré-candidata a deputada estadual pelo estado de São Paulo.
Najara relembra que as pessoas que a atacavam diziam que ela não teria nenhuma chance por ser uma mulher negra e de esquerda. Nas eleições municipais, em 2020, a professora foi a única mulher dentre os nove candidatos à prefeitura de Taboão da Serra e, enquanto os demais candidatos recebiam verbas milionárias para a campanha, mesmo com apenas R$ 12 mil ela ficou em quarto lugar nas eleições e optou por não apoiar ninguém no segundo turno.
A população de Taboão da Serra, de acordo com Najara, passou a procurá-la para que ela levasse as demandas do povo para o patamar da justiça. Temas importantes, como transporte, saúde, IPTU e educação foram denunciados, ressaltando a omissão do governo da cidade.
Com isso, houve uma sessão na Câmara de Vereadores em que o alvo dos ataques foi a professora. “Na sessão, diziam que eu estava fazendo politicagem e que as denúncias, que foram protocoladas no Ministério Público, não estavam ajudando ninguém. Tentaram desqualificar as denúncias durante a sessão por duas horas”, comenta.
Apesar dos esforços da oposição, as denúncias foram acatadas pelo MP e atualmente o prefeito Aprígio (Podemos-SP) responde ao processo judicial pela falta de leitos nas UTIs e mortes derivadas da má gestão da saúde pública.
Candidaturas frágeis
“Venho sofrendo muito assédio, pressão, de ex-correligionários pela posição política a qual eu optei por ter para as eleições de 2022. No campo progressista há tensionamento sobre nossas decisões políticas, que de alguma forma abalam o nosso nosso emocional e saúde mental”, comenta o co-deputado Jesus dos Santos, pré-candidato a deputado estadual pelo PCdoB-SP.
Para ele, as candidaturas negras são frágeis, efeito colateral do racismo estrutural que acomete o Brasil. “Vivemos em uma sociedade racista e que ainda não entendeu a importância de ocuparmos tais espaços. Perseguição às candidaturas pretas, na verdade, demonstra que a nossa sociedade segue sendo racista”, lamenta o parlamentar.
Bira do Pindaré, deputado federal pelo PSB-MA, enfatiza que essa onda de ódio e ameaças contra os candidatos (e parlamentares) pretos e pretas é mais um fruto da escravidão no Brasil, “que ganhou mais força em razão desse governo fascista que destila ódio e está destruindo o país”.
Para o parlamentar, é importante ressaltar que o povo negro é minoria no Congresso, nas universidades, mas a maioria em população. A devida representatividade nos espaços e instituições de poder, segundo ele, é uma garantia de políticas antirracistas e fim da perseguição.
“É por essas e outras que tenho insistido para que a Câmara e o Congresso pautem os projetos de Lei de combate ao racismo. Basta olhar o perfil dos autores das ameaças nas redes sociais, sempre apoiadores do Bolsonaro. E nós não podemos permitir que isso continue sendo jogado para debaixo do tapete. Basta! Racismo é crime e quem comete crime tem que responder no rigor da lei”, finaliza.
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