O fazendeiro Eduardo Ribeiro Lima, que entrou neste ano na “Lista Suja” do trabalho escravo, foi reeleito e terá o nono mandato consecutivo como vereador na cidade de Beberibe, no norte do Ceará, com 1.930 votos.
A propriedade que foi alvo de ação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) é uma fazenda de cultivo de caju, localizada na zona rural de Beberibe. A fiscalização, incluída na “Lista Suja”, aconteceu no dia 30 de novembro de 2022 e flagrou 22 trabalhadores em situação análoga à escravidão.
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A lista suja, criada pelo MTE, registra empregadores que mantêm trabalhadores em condições análogas à escravidão. Na última atualização, em 7 de outubro, houve o acréscimo de 176 empregadores. A lista tem, atualmente, 727 empregadores registrados.
Lima ocupa cargo na Câmara Municipal da cidade desde 1992 e, segundo suas redes sociais, presidiu a Casa durante sete de seus oito mandatos — desde 2021, o presidente é Chico Cândido, do Republicanos.
Sua candidatura foi deferida com recurso, ou seja, ela estava regular, mas o Partido Democrata Cristão (PDC) pediu impugnação por conta de uma sentença referente a ato de improbidade administrativa (mais informações sobre o caso abaixo). O recurso ainda aguarda julgamento por instância superior.
Lima, que é filiado atualmente ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), também enfrenta processos por acusações de corrupção, irregularidades em licitações e improbidade administrativa.
Trajetória política
A trajetória partidária de Eduardo Lima se inicia no PT, onde fica até 2013. Depois, ele migra para o Partido Republicano da Ordem Social (PROS), onde fica até 2016. Do PROS, vai para o Partido Progressista (PP), de direita, e permanece até 2020. Depois, se filia ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Atualmente, está filiado ao PSB, mesmo partido do vice-presidente Geraldo Alckmin.
Nas eleições de 2022, o vereador declarou, simultaneamente, apoio ao presidente Lula e aos candidatos Marta Gonçalves (deputada estadual) e Júnior Mano (deputado federal), ambos do Partido Liberal (PL), antiga legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro.
De 2012 a 2024, ele foi autor de 249 projetos e requerimentos e co-autor em 45, segundo o site da Câmara Municipal de Beberibe. Dentre os destaques estão a ampliação da licença paternidade dos servidores municipais para 20 dias, em 2016; e a co-autoria de uma moção de apoio ao Congresso Nacional contra a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, em 2023. A ADPF pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação.
Em geral, grande parte de seus projetos de lei e de decreto são relacionados a nomes de rua e de praças. Já os requerimentos estão relacionados a melhorias como pavimentação, colocação de quebra-molas, além de instalação de Wi-Fi e “academia de saúde” em praças, recuperação de quadras esportivas, ampliação de estrutura de iluminação e melhorias em escolas.
Resgate de trabalhadores
Segundo o relatório do MTE, as pessoas resgatadas eram do estado do Piauí e começaram a trabalhar na fazenda uma semana antes da fiscalização, em 23 de novembro de 2022. Do total, 20 trabalhavam diretamente na colheita de castanha de caju, um atuava como fiscal e outro como cozinheiro. Além disso, dois trabalhadores eram menores de idade, com 16 e 17 anos.
Além de não terem o trabalho formalizado, os trabalhadores não tinham acesso a Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s), como luvas, botinas e chapéus. Conforme o relatório, os calçados e bonés eram custeados pelos próprios trabalhadores.
Em depoimento, os resgatados informaram que trabalhavam de domingo a domingo, sem descanso, e recebiam a remuneração por produção, que variava entre R$ 0,80 a R$ 1,50 por quilo colhido. Um dos trabalhadores disse que chegou a realizar a colheita lesionado e não recebeu atendimento médico.
Ao todo, a Auditoria Fiscal do Trabalho emitiu 19 infrações contra o fazendeiro diante das irregularidades encontradas, como manter o trabalhador sob condições análogas à escravidão, deixar de garantir locais adequados para refeição e descanso e manter trabalhador com menos de 18 anos em serviços insalubres ou perigosos.
‘Condições precárias’
As duas casas onde os trabalhadores estavam alojados foram encontradas em situações precárias, com instalações sanitárias sem condições de uso e sem ambientes destinados à alimentação e necessidades básicas dos profissionais.
“No local também não eram disponibilizadas instalações sanitárias. Quando necessário, os trabalhadores faziam suas necessidades no mato e se limpavam com folhas do cajueiro, já que não havia fornecimento de papel higiênico por parte do empregador”, cita um trecho do relatório.
A fiscalização identificou que as casas também não possuíam janelas e portas, que eram improvisadas com pedaços de madeira e sacos. As camas eram redes levadas pelos próprios trabalhadores e os chuveiros ficavam do lado de fora do imóvel a céu aberto e sem nenhum tipo de privacidade.
Cinco dias após a fiscalização e resgate dos trabalhadores, o vereador prestou depoimento na Superintendência Regional do Trabalho no Ceará e informou que o envio dos trabalhadores foi mediado através de um conhecido que também trabalhava na fazenda.
Segundo o depoimento do parlamentar, em setembro de 2022, ele solicitou um grupo de 20 a 25 pessoas para atuar na colheita de caju. Lima também teria conversado sobre a necessidade de registro dos profissionais, que teriam recusado o registro por receio de perder benefícios sociais.
De acordo com o relatório, o vereador confirmou diversas irregularidades. Ele também disse desconhecer o fato de dois menores de idade estarem trabalhando na colheita.
O empregador foi notificado a regularizar o vínculo de trabalho e pagar verbas rescisórias dos empregados, feitas no dia 05 de dezembro de 2022, em valor total de R$ 89.218,35, conforme consta no relatório do MTE.
Em nota, o Ministério Público do Trabalho e Emprego (MTE) informou à reportagem que foi emitido um Termo de Notificação de Resgate para adoção de medidas como regularização do vínculo empregatício e rescisão dos contratos dos trabalhadores, pagamento dos créditos trabalhistas e suspensão imediata das atividades.
Ainda de acordo com a pasta, os trabalhadores resgatados retornaram ao município de origem e as verbas rescisórias foram integralmente pagas aos trabalhadores e o FGTS devidamente recolhido durante a ação fiscal.
Segundo a pasta, dados parciais até julho de 2024 apontam um total de 1.142 trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão e o valor pago a título de verbas trabalhistas e rescisórias já supera os R$ 3,5 milhões.
Acusações
Além de ser incluído na “Lista Suja”, a trajetória política do vereador Eduardo Ribeiro também é marcada por uma série de acusações na Justiça. Em 2012, o parlamentar foi denunciado pelo Ministério Público do Estado do Ceará (MP-CE) por peculato.
Na época, Eduardo Ribeiro presidia a Câmara de Vereadores de Beberibe (CE) e teria desviado verbas públicas destinadas ao pagamento de um projeto arquitetônico de construção do prédio da Casa Legislativa da cidade.
O vereador foi absolvido por falta de provas em novembro de 2023 pela 1ª Vara da Comarca de Beberibe e o caso foi arquivado em maio deste ano.
Em outro caso, o vereador foi novamente denunciado pelo MP-CE em 2015 por suspeita de fraude em licitação ocorrida no ano de 2009. Ele, que ainda presidia a Câmara, aprovou a contratação irregular de uma empresa para serviço de Assessoria Legislativa a fim de atualizar a Lei Orgânica Municipal.
No entanto, a empresa não contemplava os requisitos necessários à sua habilitação no processo e foi constatado que um dos sócios da empresa, um menor de idade, era filho do vereador Eliú Batista Cordeiro.
De acordo com a denúncia do MP-CE, Cordeiro chegou a responder a processos por possível prática de improbidade diante de irregularidades encontradas em suas contas enquanto ocupava o cargo no Legislativo da cidade.
Além disso, o MP-CE também cita que a empresa não tinha no seu quadro funcionários habilitados para exercer o cargo de assessoria legislativa, tendo feito anteriormente um contrato terceirizado para executar as atividades.
“O que fez o presidente da Câmara Municipal de Beberibe foi tentar legitimar a ilegalidade mediante expedição de uma portaria autorizativa de tal irregularidade”, cita um trecho da denúncia.
Em 2011, a Procuradoria Geral do Município denunciou ato de improbidade administrativa, acusando Lima, além de outros dos vereadores Francisco Célio Oliveira dos Santos e Lucivaldo Torres Sombra, de terem usado o jornal da Câmara de Vereadores para se promover individualmente “em detrimento do interesse público e da impessoalidade” que deveriam ter os informes.
O caso já transitou em julgado (ou seja, não permite recurso) em 2022 e a sentença foi de multa e proibição de contratarem o Poder Público ou receber benefícios fiscais por dois anos.
Outro lado
A reportagem buscou contato com o vereador através de e-mail, mensagem de texto e por telefone, mas não obtivemos retorno até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto em caso de manifestação.