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Entenda como a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância pode incluir crianças negras

Relatório elaborado pelo GT da Primeira Infância recomenda que política possa valorizar construção de uma sociedade antirracista e combate às desigualdades
Imagem mostra o corpinho de um bebê de pele negra, focada nos pés.

Foto: Reprodução

5 de novembro de 2024

As crianças negras no Brasil historicamente enfrentam obstáculos impostos por desigualdades sociais e raciais, comprometendo seu desenvolvimento desde a primeira infância. Em um esforço para mudar essa realidade e transformar a vida de milhões de crianças, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou um decreto que define as diretrizes da Política Nacional Integrada para a Primeira Infância e cria um Comitê Intersetorial para sua implementação.

Isso significa que, a partir desse decreto, que completou 120 dias no dia 27 de outubro, todos os Ministérios irão se unir para desenvolver políticas públicas voltadas especificamente para crianças de zero a seis anos de idade. 

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À Alma Preta, a CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Mariana Luz, que integra o Comitê, explica que a política traz três eixos cujo foco é colocar “a primeira infância no topo da agenda de estado do Brasil, como trazer prioridade política e senso de urgência para que haja uma implementação que de fato alcance as crianças pequenas e as suas famílias”. 

Segundo Mariana, o primeiro consiste na qualificação dos programas de serviços essenciais focados nas áreas de educação, saúde, assistência, proteção e justiça, fazendo com que as crianças e famílias tenham um atendimento de qualidade. 

Já a segunda dimensão da política se trata da integração dos dados da primeira infância por meio de um grande sistema que irá gerenciar todas essas informações dos quatro serviços citados anteriormente. 

“E o terceiro e último pilar da política é o de comunicação com as famílias, então entender o que de fato são esses direitos que o Estado brasileiro deve assegurar para as crianças e famílias na primeira infância para que a gente possa enfrentar as desigualdades na sua causa raiz”, acrescenta. 

A CEO também menciona a possibilidade da criação de um aplicativo que será estruturado a partir da caderneta da criança, que já vem se consolidando como uma ferramenta importante além do sistema de saúde. 

“Esse aplicativo incluiria outras dimensões de garantia de vida, como os sistemas de proteção e justiça, permitindo que, por meio da caderneta física ou digital, as famílias tenham acesso às etapas de desenvolvimento infantil, compreendam seu funcionamento e entendam sua importância para o desenvolvimento da criança”, esclarece. 

Recomendações para a construção de políticas para as infâncias brasileiras 

Antes da criação do Comitê foi instalado em agosto de 2023 o Grupo de Trabalho Primeira Infância que elaborou o relatório “Recomendações para a construção da Política Nacional Integrada para a Primeira Infância” em junho de 2024 como resultado da conclusão dos trabalhos. 

A autoria do documento é do Todos Pela Educação e da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, que também integram o comitê liderado pela Casa Civil, órgão diretamente ligado ao governo federal, com a participação de 15 ministérios e de representantes da sociedade civil.

A publicação, de 160 páginas, traça um panorama da primeira infância no país, ao mesmo tempo em que discute os desafios da desigualdade, saneamento básico, insegurança alimentar, cobertura vacinal, acesso à educação infantil, racismo na primeira infância, e experiências de estados como Rio Grande do Sul, Pernambuco, Ceará e Alagoas.

Sobre o grupo de trabalho, a publicação detalha que a frente é formada como um reflexo da conscientização que a sociedade no país tem adquirido sobre a temática. Além disso, cita a própria Constituição Federal (1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), o Marco Legal da Primeira Infância (Lei nº 13.257), aprovado em 2016, como avanços para a formalização e criação de políticas públicas voltadas para a primeira infância. 

“A primeira infância é um período crucial para o desenvolvimento cerebral […]. Na prática, isso significa que as experiências do dia a dia da criança — as interações com o ambiente e outras pessoas, a qualidade de sua alimentação, de seu sono e a sensação de acolhimento e segurança, por exemplo – têm impacto no seu desenvolvimento, na aquisição de habilidades, aptidões e competências”, detalha o documento. 

Como as crianças negras estão inseridas na Política?

A publicação cita as crianças negras em quatro momentos, na seção “Premissas para a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância”, quando detalha a necessidade de promover ações específicas para enfrentar situações de vulnerabilidade de crianças com deficiência, crianças negras, quilombolas e das múltiplas etnias do país, incluindo crianças imigrantes. 

Em outro momento, no eixo dois, “Serviços Setoriais Fortalecidos e Integrados”, o documento defende a necessidade de fortalecer o papel dos Comitês de Vigilância dos Óbitos Infantis e Fetais, para a definição das ações voltadas para o enfrentamento da mortalidade infantil no país, em especial entre crianças indígenas, negras e refugiadas.

Já no desafio cinco, “Incorporar a Diversidade Territorial e Racial das Infâncias Brasileiras no desenho e nos incentivos para a Implementação da Política”, o relatório menciona as crianças negras em dois momentos. 

Primeiro, quando ressalta a consideração das perspectivas da racialidade para a efetivação da política. “Quando penso em saúde, penso na infância, se eu não tenho uma política que reconheça que mulheres negras, indígenas, quilombolas, têm espaço diferenciados e, ao contrário, produza uma política universalista para esses grupos, eu vou reproduzir desigualdades e estruturas de origem raciais”.

No segundo momento, ao falar sobre os casos de racismo obstétrico no país. “No caso do racismo obstétrico, os sujeitos não percebem seus vieses, não percebem o tratamento diferenciado que é oferecido às mulheres negras. Ao lado das políticas de priorização, a gente precisa convencer os operadores de que a perspectiva racial é importante porque, do contrário, o racismo vai se perpetuando de outras formas. O próprio conceito de equidade não é conhecido pelos operadores de políticas públicas”. 

Política pode ter foco no combate às desigualdades 

A CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal ressalta que o relatório para implantação da política sugere a sua estruturação e implementação com foco no combate às desigualdades, o que pode ocorrer a partir da priorização de grupos que estejam em situação de vulnerabilidade social, a exemplo das famílias de baixa renda que estão inseridas no CadÚnico e recebem o Bolsa Família

Para Mariana, é fundamental que a política a ser implantada valorize a construção de uma sociedade antirracista. “Acreditamos muito no potencial dessa iniciativa, mas isso depende não apenas da estruturação da política, mas, acima de tudo, da sua implementação com qualidade e sustentação ao longo das próximas décadas no Brasil”.

“Não podemos pensar apenas no governo atual; precisamos de uma política de Estado que seja prioritária para os próximos 20 anos. Só assim conseguiremos romper com ciclos viciosos e, finalmente, criar ciclos virtuosos no desenvolvimento das nossas crianças. Isso trará um impacto muito positivo para a economia, para a sociedade e para o desenvolvimento do nosso país”, conclui.

Este conteúdo faz parte de uma parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal para a produção de reportagens sobre a primeira infância.

  • Formado em Jornalismo e licenciado em Letras-Português, morador da periferia de Maceió (AL) e pós-graduado em jornalismo investigativo pelo IDP. Com experiência em revisão, edição, reportagem, primeira infância e jornalismo independente. Tem trabalhos publicados no UOL (TAB, VivaBem, ECOA e UOL Notícias), Agência Pública, Ponte Jornalismo, Estadão e Yahoo.

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