A transportadora Framento é acusada por 20 motoristas venezuelanos e brasileiros de não cumprir os acordos trabalhistas. Segundo a assessora jurídica, Silmara Maciel, os funcionários têm uma jornada de trabalho de média de 15h todos os dias, não tem o direito ao descanso, não recebem as horas extras e moram nos próprios caminhões em condições insalubres. O processo corre na Vara do Trabalho de Várzea Grande, no Mato Grosso desde dezembro de 2021.
“Os venezuelanos e brasileiros da Framento lutam diariamente para conseguir uma folga, porque eles ficam três ou seis meses sem poder visitar a família. E os gestores da Framento alegam que o caminhão não pode ficar parado, o caminhão tem que rodar, e eles não podem folgar”, conta Silmara Maciel.
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O processo sinaliza que os contratados trabalhavam cerca de duas vezes ao mês nos domingos, bem como nos feriados. Os funcionários nunca foram consultados ou assinaram qualquer acordo neste sentido. Na ação, está descrito que os motoristas foram contratados para uma carga horária de 11h diárias por 6 dias da semana, com um dia de folga. A rotina acordada funcionaria das 6h às 18h, com 1h de intervalo para o almoço.
Os empregados expressam no documento receber chamados nos telefones “para carregar/descarregar o caminhão, geralmente por volta das 5h, sendo que em média, encerravam o expediente por volta das 22h”. O texto ainda completa que em “diversas vezes por semana o autor tinha de estender a jornada para que pudesse terminar a viagem que estava realizando, sendo que diversas vezes laborou no período noturno, encerrando seu expediente por volta das 0h”. Existe uma suspeita de que a empresa impôs uma nova jornada de trabalho aos funcionários, com a proposta de 78 dias seguidos de trabalho, com 12 dias de descanso.
O processo movido pelos funcionários destaca que a Framento tinha o controle por GPS do trajeto dos caminhoneiros e, apesar disso, não acertava os valores de hora extra da maneira adequada. Os trabalhadores também não tinham acesso aos próprios horários, que ficavam restritos à empresa. A falta de controle dificultou a quantificação das horas a serem exigidas pela advogada no processo. O levantamento, com base na jornada média de cada motorista e de todas negligências por parte das empresas, exige vencimentos na casa de R$ 140 mil para cada um dos envolvidos.
“Receberam uma parte insignificante das horas extras, que não é aquilo que eles realizaram. O pedido que entraram na justiça é isso, da pernoite que não pagam, porque na Convenção Coletiva devem pagar o almoço, jantar e a pernoite. Eles não recebem isso. Por todas as vezes, eles tiram do bolso para poder pagar tudo, porque eles moram no caminhão”, explica Silmara Maciel.
A Convenção Coletiva de Trabalho da área tem validade entre 1 de maio de 2021 e 30 de abril de 2022. O acordo é fruto de um pacto entre Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Transportes Rodoviários de Cargas Secas e Molhadas e Setor Diferenciado de Jundiai e Região e o Sindicato das Empresas de Transportes de Carga de São Paulo e Região.
Motoristas da Transportadora Framento moravam nos caminhões (Foto: Reprodução)
O texto coloca que as empresas são responsáveis pelo pagamento de almoço, jantar e pernoite dos funcionários, quando estiverem fora de casa em razão do trabalho. “O reembolso de Despesas/Alimentação ou pernoite tem caráter indenizatório, uma vez que se destinam a atender necessidade básica do trabalhador, não se integrando ou incorporando ao salário ou à remuneração do empregado, podendo a empresa exigir ou não, a comprovação dos gastos correspondentes”, detalha o acordo.
O processo também indica que os funcionários lidavam com o acúmulo de funções. Para além de dirigir, tinham a responsabilidade de participar do serviço de carga, descarga de materiais e de operadores de máquinas. Nunca foram remunerados por esses serviços. Por este motivo, pedem o pagamento de 30% a mais do que o salário, na casa dos R$ 2 mil.
“Eles têm de morar lá porque vivem viajando. Eles carregam de madrugada, quando têm a chance. Mesmo quando eles estão na fila para carregar ou descarregar, eles têm que ficar puxando fila, e isso é contado como jornada de trabalho. Ele chegou na empresa às 22h, entra, puxa a fila, na hora que chega para descarregar e carregar, eles têm que abrir a lona, apertar, desapertar, tudo isso como jornada. Eles já viajaram o dia inteiro, chegam 22h e ainda tem isso”, conta Silmara Maciel.
Vídeos e áudios compartilhados por antigos e atuais funcionários da empresa mostram a situação de revolta dos trabalhadores. Em um vídeo, o motorista aponta a impossibilidade de dormir na cabine do caminhão, ao lado do sistema de refrigeração do baú. “Como é que dorme assim?”, reclama. A empresa não disponibiliza qualquer recurso para os funcionários descansarem em hotel ou pousada. Por este motivo, os trabalhadores também exigem o pagamento de danos morais.
Uma das contratantes da Framento, caso da Nestlé, é alvo de reclamações e da ação movida pelos motoristas. A empresa foi incluída no processo como responsável “in legendo” e “in vigilando”. No termo jurídico, significa que se a Framento não arcar com as responsabilidades financeiras, a Nestlé honrará os compromissos impostos pela justiça.
“Sendo assim, outras empresas, que podem ser ligadas ao mesmo grupo ou fazem parte do mesmo conglomerado, são acionadas pela Justiça do Trabalho para o pagamento da dívida trabalhista”, explica a assessora jurídica Silmara Maciel. Ela enfatiza que a Nestlé está ciente de toda a situação de trabalho na Framento e por isso pode ser responsabilizada.
“Por conseguinte, requer a condenação da 2° reclamada a responder solidariamente com a 1°, ou nem sendo outro vosso entendimento, requer a condenação da 2° reclamada de modo subsidiário em relação à primeira, devedora principal”, diz o texto do processo.
Procurada, a Transportadora Framento não respondeu aos questionamentos da reportagem. A Nestlé, em nota, se posicionou para a Alma Preta. Leia o posicionamento na íntegra:
“A Nestlé não tolera violações dos direitos trabalhistas. A companhia está comprometida em direcionar esforços para que sua cadeia de fornecedores atenda à legislação referente ao tema, bem como em zelar pela dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais. Assim, exige dos fornecedores o cumprimento de Princípios de Gestão Empresarial, Norma de Fornecimento Responsável e Código de Conduta Empresarial. Documentos que estabelecem, entre outros, respeito ao trabalho digno.
No início deste ano, a Transportadora Framento foi submetida a uma das auditorias periódicas realizadas pela Nestlé para checagem de cumprimento da legislação e, como resultado dessa checagem, em razão de insuficiência de dados e documentos, a mesma foi bloqueada e não está prestando serviços à Nestlé desde fevereiro de 2022.
Em relação às ações trabalhistas questionadas, a Nestlé recebeu cinco notificações até o momento – todas estão sob análise e a Nestlé adotará medidas pertinentes ao tema”.
Em nota enviada para a Alma Preta no dia 4 de Maio, a Transportadora Framento pronunciou que:
“Inicialmente a empresa Transportes Framento conta com mais de 1.300 (um mil e trezentos) funcionários em seu quadro;
• Que, diferente do que afirma a reportagem, especificamente no Estado do Mato Grosso esta empresa possui uma única ação trabalhista, sendo a mesma individual (Certidão Eletrônica de Ações Trabalhistas n. 13813485, site www.tst.jus.br/certidão);
• Que esta empresa contrata todos os seus motoristas sob a égide da Lei do Motorista, não cabendo as alegações referentes as jornadas fixas, pois, incompatíveis com as especificações da função;
• Que é pago aos motoristas vale alimentação conforme a convenção coletiva de cada região, complementando o mesmo com os valores referentes as diárias, pagos em folha, quando se encontram em viagem e precisam pernoitar fora de sua base territorial;
• Que os veículos da empresa estão equipados com cabine leito, mas, o motorista não é obrigado a permanecer na mesma, podendo utilizar do dinheiro do pernoite para se hospedar onde bem entender;
• Esclarece, ainda, que quando os motoristas estão em viagem lhes é garantida a folga semanal, e, ainda permite acumular na forma do art. § 2º, art. 235-D, da CLT, gozando de período de descanso junto a sua família.
• Que, a carga e descarga é feita pelo embarcador ou destinatário, sendo proibida a participação do motorista nesta atividade, inclusive pelo embarcador.
• Que a afirmação de que os motoristas “têm que abrir a lona, apertar, desapertar” não tem cabimento, pois, essa empresa somente possui sua base formada em quase sua totalidade de caminhões frigorificados – esse tipo de veículo não tem lona.
Não bastasse os esclarecimentos específicos supra referidos, cabe dizer que está empresa prima pelo respeito a legislação trabalhista e a dignidade da pessoa humana, sendo as afirmações veiculadas na matéria inverídicas”.