A política brasileira reflete o racismo estrutural que permeia a sociedade. Embora a maioria do eleitorado, de diferentes espectros políticos e sociais, reconheça o racismo como um problema real, essa percepção nem sempre se traduz em apoio a medidas concretas de inclusão racial, como cotas para candidaturas negras.
Esse cenário foi mapeado pela pesquisa Agenda Antirracista e a Política Brasileira, realizada pelo Observatório Político Eleitoral (Opel) com apoio da Friedrich Ebert Stiftung (FES-Brasil) e da Fundação Tide Setubal.
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O levantamento, realizado nas capitais Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro entre agosto e outubro de 2023, utilizou nove grupos focais para investigar valores e comportamentos do eleitorado sobre racismo, representatividade negra e eleições.
Segundo os pesquisadores, a emergência da pauta antirracista na política tem confrontado a sub-representação de pessoas negras nos espaços de poder, mas ainda enfrenta resistências significativas.
Barreiras culturais e desinformação
Embora haja consenso sobre a existência do racismo, muitos eleitores resistem a políticas específicas, como cotas raciais. Para Mariane Almeida, pesquisadora do Opel, isso reflete uma compreensão limitada do objetivo das cotas.
“Há uma dificuldade em associar o racismo à sub-representação política e em entender as cotas como instrumentos de correção histórica e promoção de equidade. Elas são frequentemente vistas como privilégios, e não como uma ferramenta de justiça social”, afirma, em entrevista à Alma Preta.
A resistência aumenta quando as cotas são apresentadas de forma genérica, acionando preconceitos sobre meritocracia e igualdade abstrata. Porém, quando os participantes dos grupos focais foram expostos a dados concretos sobre a desigualdade racial na política, muitos reconsideraram suas posições.
“Esse movimento mostra que a resistência não é uma contradição, mas um reflexo de uma compreensão incompleta. A apresentação de dados pode desarmar resistências iniciais e promover um entendimento mais profundo”, completa Mariane.
Efeitos da informação e estratégias de mobilização
O estudo revelou que a receptividade às cotas raciais aumenta significativamente quando o público é confrontado com estatísticas, como o percentual de pessoas negras na política em comparação à sua representatividade na população.
Essa mudança indica que campanhas educativas, baseadas em dados concretos, são cruciais para ampliar o apoio às políticas de inclusão.
“O desafio não é apenas apresentar dados, mas fazê-lo de forma que desarme resistências iniciais e promova uma reflexão genuína sobre a necessidade de medidas como as cotas para construir uma democracia mais equânime”, relembra a pesquisadora.
Além disso, o relatório da pesquisa propõe estratégias para sensibilizar o eleitorado, como o uso de narrativas sobre justiça social, exemplos internacionais de sucesso e a ampliação do discurso para destacar que a inclusão racial beneficia toda a sociedade.
“A linguagem também é um ponto-chave. Em vez de focar no termo ‘cotas’, devemos enfatizar conceitos como ‘equidade’ e ‘igualdade de oportunidades’, evitando reações defensivas”, sugere Mariane.
Apesar de 45% dos entrevistados declararem já ter votado em candidatos negros, a raça raramente é considerada um critério determinante.
“A maioria dos eleitores prioriza propostas e ações locais, reforçando a ideia de que a competência deve ser o principal critério de escolha”, explica o relatório. Essa visão, ancorada em valores meritocráticos, dificulta a mobilização de apoio explícito às candidaturas negras.
Caminhos para ampliar o impacto das cotas políticas
Mesmo assim, a pesquisa destaca a importância de integrar organizações da sociedade civil, movimentos sociais e partidos políticos na construção de campanhas mais eficazes.
A articulação entre dados e ações concretas pode fortalecer candidaturas negras e ampliar a conscientização sobre a agenda antirracista.
Embora Salvador, um importante polo político antirracista, não tenha sido incluída no estudo inicial, os organizadores planejam expandir a análise para outras regiões em futuras etapas.
A pesquisa conclui que a luta por representatividade negra na política é um desafio que exige inovação, sensibilidade e construção coletiva, unindo diferentes atores em torno de uma agenda transformadora.
“Promover equidade na política não é apenas uma demanda de justiça para a população negra. É um passo essencial para uma democracia mais inclusiva e equilibrada, que atenda às necessidades de toda a sociedade”, finaliza a pesquisadora.