A OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil, seccional do Estado de São Paulo) levou 90 anos para ter uma comissão permanente sobre a temática racial. Fundada em janeiro de 1932, a OAB-SP conta hoje com mais de 318 mil advogados inscritos e 239 subseções no Estado de São Paulo.
“A existência de uma comissão permanente de igualdade racial indica o compromisso obrigatório que precisa ser observado pela diretoria com a causa antirracista”, diz o advogado Irapuã Santana, presidente da Comissão Permanente de Igualdade Racial da OAB-SP.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
A Comissão Permanente de Igualdade Racial foi uma das promessas da chapa vencedora para a gestão 2022 a 2024, liderada pela advogada Maria Patrícia Vanzolini Figueiredo, eleita em 2021 em uma disputa marcada por mudanças que diminuíram a participação de candidaturas negras.
No dia 31 de março será realizada a primeira reunião da comissão, na cidade de São Paulo. O encontro será transmitido na página do Facebook da comissão, a partir das 19h.
Em entrevista exclusiva à Alma Preta Jornalismo, Irapuã Santana falou sobre a comissão e como será o trabalho de combate ao racismo institucional.
O presidente da comissão também falou sobre os planos para ampliar a presença negra na advocacia do Estado, onde atuou Luiz Gama, um dos advogados abolicionistas mais importantes do país. São Paulo possui também a marca de ser o último Estado a abolir a escravidão. Há registros do regime escravocrata em Campinas até 1920, e o último a ter cotas raciais entre as grandes univesidades do país, a adesão da USP (Universidade de São Paulo) só aconteceu em 2018. Na UnB, de Brasília, começou em 2004.
Alma Preta Jornalismo: Como atua uma comissão permanente da OAB?
Irapuã Santana: As comissões da OAB têm como objetivo auxiliar a instituição nas matérias nas quais elas são especializadas. Uma comissão permanente garante maior grau de caráter oficial, demonstrando que aquela determinada matéria é parte indispensável da atuação da entidade.
AP: Quais são os seus planos à frente da Comissão Permanente de Igualdade Racial da OAB-SP?
IS: Primeiramente, acho que é importante deixar claro que não se trata de um projeto pessoal. Assim, os planos não são do Irapuã, mas sim de toda a comunidade negra, cujos passos vêm de muito tempo. Isso também não quer dizer que exista a pretensão de representar toda a comunidade negra de São Paulo, visto que ela é extremamente diversa, seja do ponto de vista de formação, de opinião e de visão de mundo. O nosso foco aqui na gestão atual é ajudar da melhor maneira possível. Para isso, estabelecemos três pilares que vão subsidiar nossas atividades: inclusão, acolhimento e luta.
Balizados por esses princípios, vamos buscar melhores condições de trabalho para a população negra, a partir do combate ao racismo institucional. Sabemos que o racismo corta a vida das pessoas como um todo, mas, para que possamos ser mais efetivos e realmente caminhar, nossa ideia é ter um trabalho voltado para a diminuição do racismo no sistema de Justiça e de Segurança Pública.
AP: Como a OAB-SP pode apoiar a maior presença de pessoas negras na advocacia?
IS: Já tivemos uma vitória histórica na OAB, com a aprovação da Carta Compromisso na reunião do plenário do Conselho Estadual, por aclamação. Um auditório majoritariamente branco aplaudiu de pé nossas propostas de inclusão dentro dos quadros da OAB. Foi a 1ª Seccional do país a aprovar tantas medidas relevantes que vão auxiliar a advocacia negra a trabalhar mais e melhor.
Como resultado, estamos sempre à procura de advogados negros para se colocarem como professores e palestrantes para tratar de temas que não são apenas voltados para a causa racial.
AP: Quando deve sair o censo com o recorte racial dos advogados paulistas?
IS: Vai ter um recorte, por exemplo, de quantos são sócios de escritórios? IS:Infelizmente eu não tenho a resposta a respeito disso. O censo se iniciou na gestão anterior e eu não tomei pé de como está o andamento disso. Mas já existe uma pesquisa que foi muito difundida a respeito do baixíssimo número de pessoas negras nos corpos técnicos dos escritórios, o que é um absurdo completamente injustificável.
AP: A comissão pode instigar o Ministério Público e o Judiciário de São Paulo para que seja dado destaque maior à questão da discriminação racial e da presença de pessoas negras nos seus quadros?
IS: Sim! A ideia é dialogar com todas as autoridades para que haver um trabalho em conjunto no combate à discriminação racial. É essencial que os órgão do sistema de Justiça tenham a consciência acerca da necessidade de conferir maior dignidade no tratamento relativo à nossa comunidade.
AP: Como a comissão pode atuar no combate ao racismo institucional na máquina administrativa do Estado de São Paulo?
IS: Primeiro de tudo é estabelecer uma boa base de diálogo. Uma das coisas que acreditamos é que precisamos derrubar os muros para a construção de pontes. Dentro da Administração Pública de São Paulo, existem órgãos de promoção da igualdade racial, que vêm desenvolvendo um trabalho importante.
Precisamos nos unir a essas tarefas e nos tornar disponíveis para tomar ciência de violência contra a algum membro da comunidade negra e, assim, adotar a medida jurídica cabível ao caso. Então, estamos desenhando um setor de ouvidoria na nossa comissão, que irá receber essas denúncias, deliberar a respeito e agir conversando, no momento imediato que ocorrer o problema e, caso não se resolva amigavelmente, recorrerá ao judiciário.
AP: Como a advocacia pode contribuir para melhorar o debate sobre o racismo e acelerar a adoção de ações afirmativas no Estado de São Paulo, como as cotas raciais?
IS: Estamos elaborando uma nota técnica justamente nesse sentido! Ela tem como finalidade avaliar o impacto das cotas raciais desde que foram implantadas e mostrar, através de evidências e dados empíricos, que o país e o próprio Estado de São Paulo precisam confirmar a necessidade de sua renovação e de melhoramento.