Desde 2019 – ano que marca a posse de Jair Bolsonaro (PL) à presidência – 94 discursos racistas foram proferidos por autoridades das três esferas de administração pública. É o que diz o levantamento “Quilombolas contra Racistas”, elaborado pela Terra de Direitos (TDD), em conjunto com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
Os dados inéditos, enviados à Alma Preta Jornalismo, mostram que, de maneira individual, o atual presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Sérgio Camargo (19 ocorrências), e o presidente Jair Bolsonaro (17 ocorrências) lideram o número de discursos registrados nos três anos do levantamento.
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No ranking, entre os cargos com o maior número de falas racistas, estão os representantes de direção e assessoramento do Governo Federal – como ministros, secretários e presidentes de autarquias (33%, ou 30 ocorrências). Em seguida, estão discursos do Presidente da República e de vereadores, que registram 17% dos casos, cada um.
O levantamento ainda aponta ocorrências de deputados estaduais, com 14%; deputados federais, com 9%; membros do sistema de justiça (juízes e procuradores), com 7%, e o vice-presidente e prefeitos com 1% cada.
Falta de responsabilização
Outro dado alarmante é que, até dezembro de 2021, somente um caso teve responsabilização do autor do discurso racista: o vereador Jonathas Gomes de Azevedo (PROS-BA). Na ocasião, ocorrida em 30 de agosto de 2021, o parlamentar atacou o deputado estadual Carlos Robson Rodrigues da Silva, o popular “Robinho” (PP), em suas redes sociais.
Por decisão judicial, Jonathas Gomes foi obrigado a retirar todas suas postagens ofensivas das redes, sob pena de multa de R$1 mil por dia, e a pagar a quantia de R$ 20 mil, a título de indenização por danos morais.
Motivação
A avaliação do estudo é de que a baixa apuração e responsabilização dos fatos têm sido motivadoras para a continuidade de práticas racistas nos discursos das autoridades públicas brasileiras. Do total de ocorrências em 2021, apenas 33% delas tiveram algum pedido de apuração dos fatos e/ou responsabilização, seja por meio de abertura de inquérito, ação ou procedimento administrativo contra as autoridades envolvidas.
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Para a pesquisadora e co-fundadora da Conaq, Givânia Silva, os dados representam uma realidade alarmante sobre como tem se manifestado o discurso de ódio racial no Brasil.
“Esses números representam práticas constantes de governos autoritários, racistas e excludentes, que usam as instituições públicas para manifestar suas patologias, tipo racismo, homofobia, entre outras. Não podemos mais permitir que tais práticas passem e fiquem impunes. É dever de todo cidadão e cidadã se manifestar contra esses males. Quem se cala colabora e até financia práticas como essas”, destaca a pesquisadora.
No período analisado, somente quatro mulheres estiveram envolvidas nos casos registrados, de acordo com o levantamento. No entanto, do total de discursos de 2021, todos foram proferidos por homens, e somente 12 deles tiveram algum pedido de providências instaurado contra as autoridades envolvidas até o final do ano.
Além disso, em comparação com 2020, foi registrada uma diminuição no número de casos publicados pela mídia: 16 casos em 2019, 42 em 2020, e 36 casos em 2021.
Outros dados
Dos 36 discursos racistas proferidos por autoridades públicas em 2021, 41% das falas foram voltadas ao reforço de estereótipos racistas – que é quando se baseiam em estereótipos negativos, utilizados historicamente para inferiorizar povos ou justificar processos violentos como a escravidão. Em comparação com 2020, esse tipo de discurso cresceu 33%, ano em que foram identificados 15 casos.
Logo em seguida, estão os discursos que negam a existência do racismo, com 25% das ocorrências em 2021. Para a coordenadora do Programa Quilombola da Terra de Direitos, Vercilene Dias, “além da ação nociva dos discursos das autoridades, práticas racistas têm avançado também no desmonte das políticas públicas da população negra e quilombola no país. A exemplo a baixa execução da política de titulação quilombola e a diminuição de recursos para escolas nos quilombos”, finaliza.
Os dados completos do levantamento foram divulgados na última terça-feira (22), no canal do Youtube da Terra de Direitos e da Conaq por meio de um debate virtual.
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