O Coletivo de Entidades Negras (CEN) apresentou na Organização dos Estados Americanos (OEA) uma denúncia do Caso Gamboa, ação policial que resultou na morte de três jovens negros em Salvador, no início do mês de março. As vítimas foram identificadas como Patrick Souza Sapucaia, de 16 anos, Alexandre dos Santos, 20 anos, e Cleverson Guimarães Cruz, 22 anos.
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O documento foi entregue à relatora para igualdade racial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Laura Marcela Morelo Castro e, além do caso da Gamboa, as chacinas nas comunidades do Jacarezinho e do Salgueiro, no Rio de Janeiro, também foram denunciadas como violações de direitos humanos durante operações policiais.
A representação foi feita pela comitiva do CEN em Washington, capital dos Estados Unidos (EUA), e pediu a notificação do governo da Bahia e do Estado brasileiro sobre casos de violência racial. O coletivo também denunciou a política de segurança pública na Bahia e em todo território brasileiro, adotada como forma de genocídio da população negra, segundo afirma o ativista e integrante do CEN, Yuri Silva.
“Denunciar essas chacinas é dizer que essa é uma prática constante do Estado brasileiro contra a população negra […] É uma política baseada no extermínio físico da população negra, moradoras de territórios vulneráveis e pobres”, diz o ativista.
No documento, também entregue ao governo da Bahia, o coletivo aponta a escalada da violência policial nas comunidades periféricas do Brasil e o aumento da morte de jovens negros. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), só em 2020, 100% dos mortos pela polícia em Salvador foram homens negros. Ao todo, foram registrados 381 assassinatos, o que dá uma média de 1,043 homem negro morto por dia.
“A gente não pode mais aceitar que a cada 23 minutos um jovem negro seja assassinado no Brasil. A gente não pode aceitar que no Estado da Bahia 100% dos homicídios cometidos pela polícia sejam contra pessoas negras. A gente não quer que a polícia da Bahia mate gente branca, a gente não quer que a polícia mate ninguém”, exclama Yuri Silva.
Uma audiência pública internacional sobre o tema deve ser marcada ainda para o final do primeiro semestre.
Segundo o ativista, a procura por uma organização internacional se dá por falta de respostas efetivas das entidades brasileiras a respeito da violência policial contra a população negra.
“Nunca temos resposta, nunca temos atenção devida com vista a elucidar os casos que apresentamos. A gente acredita que ir para a instância internacional denunciar o Estado brasileiro é uma forma de pressionar os gestores, os políticos que atuam em prol desse tipo de política genocida”, diz Yuri Silva.
A perseguição a defensores dos direitos humanos e líderes populares também tem sido vista com preocupação pelo coletivo. O diretor nacional do CEN e morador da comunidade da Gamboa, Marcos Rezende, diz que tem recebido ameaças e críticas por grupos ligados a policiais por causa da sua atuação na comunidade.
Ele afirma que essa é uma tentativa de intimidar e violar o pedido por direitos das populações mais vulneráveis. “Essas mobilizações têm um interesse de fundo que é justamente desqualificar as lideranças populares e tem tentando criminalizar essas pessoas. Na sequência, o que se costuma acontecer é a violência, que pode ser um atentado, assassinato”, diz Marcos Rezende.
Sobre o sistema que sustenta a política de guerra às drogas e segurança pública no Brasil, Marcos Rezende comenta: “A guerra às drogas é a maior mentira criada pelo Estado brasileiro para justificar atos criminosos contra os corpos negros”.
Monitoramento da violência
“Qual a dificuldade do governo da Bahia em colocar câmera no fardamento dos policiais? Um governo que pode comprar armas e viaturas não pode comprar uma câmera?”, questiona o diretor nacional do CEN, Marcos Rezende.
Por meio do documento, o coletivo pede a adoção de medidas como a instalação de câmeras de monitoramento nos veículos e uniformes policiais, investigações rígidas em todos os casos de violência, o cumprimento das disposições de normas internacionais, em especial da Declaração dos Direitos Humanos, e a implementação de um ‘ombudsman’, ou seja, uma pessoa encarregada pelo Estado de defender direitos dos cidadãos.
Uma semana após o caso, o secretário da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), Ricardo Mandarino, realizou uma reunião com as famílias dos jovens mortos pela PM na Gamboa e com ativistas de movimentos sociais.
Durante a conversa, o secretário prometeu uma maior celeridade na apuração do caso, abordou a implementação de políticas públicas que visem a redução das mortes nas operações policiais, além da implantação das ‘bodycams’, ou seja, das câmeras acopladas na farda dos policiais.
“A SSP, através da Corregedoria Geral, está acompanhando o caso de perto para que nós possamos esclarecer o mais rápido possível para a sociedade qual foi a dinâmica da operação que aconteceu na Gamboa”, afirmou o titular da SSP.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA), o processo para aquisição de câmeras que serão usadas nas fardas dos policiais está na fase de consulta de preços. A pasta também informou que, em seguida, será publicada a licitação e que todo o rito legal para compra de equipamentos, no serviço público, está sendo obedecido.
“Essas chacinas não podem ficar impunes e no silenciamento. Ninguém pode nos silenciar em meio a tanta violência”, completa o ativista Marcos Rezende.
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