No dia 5 de fevereiro, em 13 capitais do Brasil, foram realizados atos por justiça ao caso do assassinato do congolês Moïse Kabagambe. Neles, foi denunciada a relação da violência contra o jovem com o racismo e a xenofobia. A participação de parlamentares negros nos atos gerou calúnias e, até mesmo, o pedido de cassação de mandatos.
O vereador de Curitiba Renato Freitas (PT-PR) foi denunciado à Comissão de Ética da Câmara de Curitiba por compor uma manifestação que adentrou a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, no centro histórico, após a celebração de uma missa. A reunião se iniciou, no dia 5 de fevereiro, no Largo da Ordem, em frente ao templo, em um ato organizado pelo Coletivo Núcleo Periférico.
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“É uma igreja que foi construída em 1737, justamente porque os negros, nossos ancestrais, não podiam frequentar outras igrejas”, disse o parlamentar.
Freitas, que pediu desculpas por ter ofendido algumas pessoas com o ato, declarou que passar a mensagem de valorização da vida dentro de uma igreja seria adequado, justamente porque a igreja estava vazia. “As pessoas da manifestação sentaram-se nas primeiras cadeiras. Acreditei que fazer um ato pela valorização da vida neste ambiente fosse convergir com os valores do cristianismo”, afirmou ao dizer que esta foi uma manifestação pacífica e ordeira.
A Mesa Diretora da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) admitiu quatro representações pela suposta quebra de decoro do vereador Renato Freitas. A reunião da mesa foi realizada na manhã do dia 10 de fevereiro. De acordo com a decisão da Mesa, a ação do petista demonstra “violação ao Código de Ética e Decoro Parlamentar”. O processo agora será enviado ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar e pode resultar em várias penalidades como censura pública, suspensão de prerrogativas regimentais, suspensão temporária ou perda de mandato. Também há possibilidade de arquivamento das representações.
A assessoria do vereador informou à Alma Preta Jornalismo que o mandato já é vítima de ataques por parte da Casa desde o princípio e que “jovens negros e periféricos não são bem vistos na Câmara”. A equipe informa que está tomando todas as providências para que o Freitas termine seu mandato de forma democrática, como foi eleito para “representar as pessoas negras, do movimento hip-hop, em uma cidade onde a maioria branca e elitista domina”.
O presidente da Câmara Municipal da cidade, Tico Kuzma, declarou publicamente que a Casa está apurando os fatos ocorridos na Igreja do Rosário com isenção e com a seriedade que o caso merece. Segundo ele, a Mesa Diretora analisou as apresentações recebidas e entendeu que ficaram demonstrados os requisitos mínimos para admitir quatro delas.
“Decidimos remeter ao Conselho de Ética de Coro Parlamentar para que se instaure o procedimento disciplinar previsto no nosso Código de Ética. Quando o processo chegar ao Conselho de Ética, o vereador [Renato Freitas] poderá apresentar a sua defesa e os seus argumentos para que fiquem garantidos a ampla defesa e o contraditório”, declarou.
Kuzma disse ainda que apoia manifestações pacíficas, não compactua “com quaisquer violações às liberdades religiosas e locais de culto”. O presidente disse ainda que “precisamos fazer um alerta para que as pessoas, ao questionarem os fatos ocorridos aqui em Curitiba, não cometam outros crimes como injúria, racismo ou ameaça. Isso nós também não podemos aceitar”. A Corregedoria tem até essa segunda-feira (14) para se manifestar.
A vereadora Iza Lourença foi denunciada por curtir fotos nas redes sociais após a manifestação em prol de justiça por Moïse Kabagambe.
Foto: Câmara Municipal de Belo Horizonte
Em Minas Gerais
A vereadora Iza Lourença (PSOL-MG) também foi alvo de perseguições após posicionar-se frente à execução de Moïse. O vereador Nikolas Ferreira (PRTB) encaminhou à Corregedoria da Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) uma queixa contra a parlamentar por quebra de decoro. Ferreira alegou que Iza teria incitado discurso de ódio ao curtir, em uma rede social, uma publicação em que a imagem do vereador é queimada. A foto foi registrada durante um ato, na capital mineira, contra o assassinato do jovem congolês.
A assessoria da vereadora confirma que após a manifestação em prol de Moïse, a vereadora curtiu e comentou algumas imagens do ato compartilhadas nas redes. No entanto, a postagem que continha a foto de Nikolas Ferreira era um carrossel com 10 imagens, sendo que a quinta era uma foto do vereador pegando fogo.
“Não estava presente neste momento da manifestação, não queimei foto alguma, não publiquei esta imagem e nem mesmo notei, quando comentei, que a imagem do vereador estava entre as fotos da publicação”, explicou.
Segundo a equipe de Iza, o mandato da vereadora estará sempre a serviço da luta contra a violência racista e essa ação tem o objetivo de desviar a atenção – uma cortina de fumaça – de mais um caso bárbaro de racismo e tentar deslegitimar a indignação popular frente à execução de Moïse.
Em depoimento à Alma Preta Jornalismo, ela disse que sempre esteve nas manifestações antirracistas e levou esses enfrentamentos para dentro do parlamento, por isso é alvo de ataques. “É a lógica de quem despreza a democracia e despreza, ainda mais, a nossa presença nos espaços de poder. Ver uma jovem, negra, LGBTI+ e periférica como vereadora é inconcebível. Me chamam de despreparada, analfabeta, burra e daí pra baixo”, afirmou a parlamentar.
A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Câmara Municipal de Belo Horizonte que, em nota, declarou que o primeiro-secretário da Mesa Diretora, Professor Juliano Lopes (Agir) manifestou-se contrário a qualquer discurso de intolerância e de ideias que incitem o ódio.
“O Parlamento é o foro ideal para o exercício da cidadania e da democracia e jamais pode ser confundido com um espaço para a prática de agressão e violência de qualquer natureza, independente de crenças e ideologias. Intolerância não é liberdade de expressão, lembrando que discurso de ódio já é tipificado no ordenamento jurídico brasileiro e deve ser combatido com o rigor da lei. Tolerância. É isso que defendemos e é o que deve ser defendido também pelos pares na conduta de seus mandatos legitimamente conquistados pelo voto popular”, afirmou o parlamentar durante sessão.
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