O Comprova não encontrou registros de que apartamentos do Minha Casa, Minha Vida, em Belém, tenham sido alagados no dia da entrega das chaves. Mas a região possui histórico de inundações. Entenda o caso.
Conteúdo analisado: Vídeos compartilhados por deputados federais mostram o presidente Lula deixando a cerimônia de entrega de um conjunto habitacional em Belém, no Pará. Ele atravessa uma passarela erguida sob um volume de água. As imagens vêm acompanhadas da alegação de que os imóveis foram alagados.
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Onde foi publicado: X e Instagram.
Contextualizando: No dia 13 de fevereiro de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participou da cerimônia de entrega do Residencial Viver Outeiro, situado na Ilha de Caratateua, em Belém. Na ocasião, mais de mil famílias beneficiárias do programa Minha Casa, Minha Vida receberam as chaves dos apartamentos. Além de Lula, estiveram presentes o ministro das Cidades, Jader Filho, o governador do Pará, Helder Barbalho, e o prefeito de Belém, Igor Normando.
Nas redes sociais, publicações alegam que as unidades habitacionais foram tomadas pela água das chuvas no mesmo dia da entrega. Não há registros de que as moradias tenham sido alagadas naquela data, mas relatos de moradores e da imprensa local apontam que é recorrente o acúmulo de água em trechos da localidade.
Ao Comprova, o Ministério das Cidades, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República e a Prefeitura de Belém negaram qualquer tipo de invasão pela água no empreendimento no dia 13 de fevereiro. “Não houve dano ao conjunto, mas ocorreu uma chuva torrencial de quase quatro horas durante a entrega do residencial. Algumas áreas do estacionamento, onde aconteceu o evento, acumularam água devido ao excesso de chuva”, explicou o governo municipal.
Na quinta-feira, 20, poucos dias após a inauguração do imóvel, um vídeo publicado no Instagram mostra uma das ruas do condomínio alagada. A gravação, com narração de uma moradora, foi publicada em um perfil na rede social que recebe o nome do residencial. Nas imagens, duas crianças atravessam a via encoberta por água.
Embora não seja possível afirmar que as unidades habitacionais foram invadidas pela água na data de entrega do empreendimento, há um histórico de alagamentos no distrito de Outeiro, além de queixas sobre a falta de pavimentação e de sistemas de drenagem em algumas áreas.
O Comprova questionou o Ministério das Cidades sobre o planejamento para a realização de algum serviço de drenagem nas ruas no entorno dos imóveis, mas o órgão não respondeu até a publicação deste texto. Já a Prefeitura de Belém afirmou que a responsabilidade pela manutenção do perímetro é do governo federal.
O Comprova entrou em contato com os gabinetes dos deputados federais Silvia Waiãpi (PL- AP) e delegado Éder Mauro (PL-PA), que postaram os vídeos analisados aqui, mas até a publicação deste texto, não houve resposta.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 19 de fevereiro, as publicações no X acumulavam mais de 7 mil compartilhamentos. No Instagram, o post somou mais de mil comentários e 7 mil e 400 curtidas.
Fontes consultadas: Foram consultados órgãos como o Ministério das Cidades, a Secretaria de Comunicação do Governo Federal e a Prefeitura de Belém. Além disso, buscamos documentos que abordam os problemas socioambientais que afetam o município e imagens publicadas por moradores do residencial.
Alagamentos e erosão
Entre fevereiro e novembro de 2021, o Serviço Geológico do Brasil (SGB) realizou um levantamento para mapear áreas de risco em Belém. Em Outeiro, foi identificado alto risco de inundação na Comunidade Fé em Deus II, no bairro São João do Outeiro, e muito alto risco de erosão e deslizamento na avenida Beira Mar e na praia Belo Paraíso, no bairro Fama.
De acordo com o documento, os riscos de inundação e alagamentos são agravados pela falta de planejamento urbano e pela ausência de fiscalização em áreas que são proibidas para ocupação. O relatório gerou um mapa entregue à Prefeitura de Belém em dezembro de 2021.
Anos depois, em 2024, os primeiros resultados do Plano Municipal de Redução de Riscos de Belém (PMRR), coordenado pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) em parceria com o Ministério das Cidades, apontaram mais uma vez que os principais desafios enfrentados pelos moradores do município são as inundações e os alagamentos. Além disso, nas ilhas, como é o caso da região onde fica Outeiro, as erosões costeiras também são um fator preocupante.
Durante o evento de lançamento dos resultados iniciais do plano, Kátia Demeda, coordenadora do PMRR Belém, explicou que as inundações estão relacionadas aos ciclos das chuvas e às características geográficas da cidade, que possui vários cursos de água adentrando o perímetro do município. “Ou melhor, a cidade que adentrou sobre esses cursos d’água”, enfatizou a pesquisadora.
Na primeira fase do PMRR, também foram mapeados a falta de saneamento básico adequado, a ausência de pavimentação em algumas ruas e o acúmulo de lixo em locais inapropriados como agravantes para os alagamentos.
Residencial Outeiro
Contratado em 2014, o empreendimento recebeu o investimento total de R$ 97,2 milhões, segundo informações do governo federal. No dia 13 de fevereiro deste ano, foram entregues 1.008 unidades com apartamentos de 43,85 m², distribuídos em 63 blocos de prédios de quatro andares. Ao longo dos anos, o projeto recebeu críticas em razão da demora da conclusão das obras, que foram paralisadas em 2021 e reiniciadas apenas no ano de 2023.
Para a retomada da construção, foi assinado um termo de cooperação que garantiu repasses de R$ 1,6 milhão da Prefeitura de Belém e de R$ 20 milhões do Ministério das Cidades. Na época, o acordo marcou o relançamento do “Minha Casa, Minha Vida” após a substituição do programa pelo “Casa Verde e Amarela” no governo Jair Bolsonaro.
Já em janeiro de 2025, mais de mil famílias beneficiárias do residencial protestaram a fim de reivindicar o recebimento dos imóveis. Os manifestantes alegavam que as obras tinham sido concluídas em novembro de 2024, mas ainda não havia uma data estabelecida para a entrega das moradias.
Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Para se aprofundar mais: O Comprova já checou que entrega de chaves de condomínio no Amapá começou no dia de evento com Lula, vídeo que compara casas em comunidade do RN engana ao atribuir estruturas a Lula e Bolsonaro e que é falso que PT tenha projeto de moradia social para abrigar famílias sem teto em casas que já têm dono.
Texto publicado originalmente no Projeto Comprova, do qual a Alma Preta faz parte.