Na madrugada do dia 7 de dezembro, mais uma vez a universitária e mãe solo Dilce de Campos teve o terreno de sua casa invadido pela Brigada Militar do Rio Grande do Sul. A mulher negra, que abriu um boletim de ocorrência contra a corporação em agosto deste ano, como noticiado pela Alma Preta Jornalismo, havia recebido a intimação para depor durante o mesmo dia, a respeito da hostilização dos militares na ocasião.
Para ela, a presença da Brigada Militar representa uma ameaça e faz parte do racismo estrutural que acomete o estado sulista. As condições de submoradia, que acarretam preconceitos aos moradores por parte da corporação, segundo Dilce, também pode ter sido crucial para a atitude dos brigadianos. A mãe de três filhos mora na região periférica de Caxias do Sul, bairro Cruzeiro, local conhecido pelo tráfico de drogas. O Censo Brigadiano de 2020 revelou que o efetivo tem atualmente 84% de homens em exercício da função, sendo 80,1% brancos.
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Segundo Dilce, em 18 de agosto, os militares constrangeram seus filhos com armas de fogo enquanto ela estendia roupas no varal. Ela afirma que a Brigada Militar não possuía mandado de busca e apreensão, documento exigido pela Lei nº 13869/2019.
Após a invasão e abertura do B.O, Dilce aguardou para depor. Próximo à data do depoimento, três militares foram até a sua casa durante a madrugada. De maneira agressiva, bateram na porta, chamando-a. Seu irmão, que está de visita em sua casa, falou que Dilce não estava presente. Nesta ocasião, uma policial militar feminina estava presente, o que foi um alerta de que desta vez ela poderia ser revistada.
“Meu irmão ficou com medo de me chamar quando a brigadiana bateu à porta, porque vai saber o que teria acontecido. Não tem justificativa mais uma vez essa invasão, sendo que o escrivão já havia me entregado o IPM [Inquérito Policial Militar]. Ele achou que se me chamasse, iam invadir a casa. Ficou tomado pelo medo”, relata a mãe.
Mesmo com a denúncia, invasão deixa marcas na família
A universitária conta ainda que, no outro dia de manhã, ligou no quartel e um capitão da corporação a incentivou a fazer mais uma denúncia investigativa contra a Brigada Militar, acompanhada por um advogado. “Isso é coação. Por mais que o capitão tenha sido educado, ele sabe que a Brigada Militar não tem o direito de fazer isso”, pontua.
“Quanto aos meus filhos, eles estão com medo. Eles tinham uma pequena liberdade antes, hoje não ficamos mais limpando o pátio, como a gente ficava. Meu filho estava começando a ir para a escola a pé, mas tive que começar a mandá-lo de Uber, porque estamos com medo de ele andar sozinho na rua”, lamenta a mãe.
Dilce afirma ainda que não consegue compreender o que a Brigada quer em sua propriedade tantas vezes, mas se sente insegura, por si e por seus filhos. “Me sinto coagida, exposta. Penso que todos os carros que vejo na rua são policiais se passando por civis. É muito constrangedor. Toda hora eles na minha casa mostra a desconstrução moral do local em que eu moro, até porque somos apenas mulheres no quintal, praticamente. Está todo mundo apavorado, tomado pelo medo”, desabafa.
A universitária diz que vai seguir em frente com as denúncias que já abriu contra a corporação e afirma que está sendo amparada por um advogado que entende as questões raciais relacionadas ao caso. O filho mais velho, segundo ela, irá prestar depoimento na próxima sexta-feira (17) sobre o caso, bem como seu irmão, que estava presente no momento que os brigadianos chegaram à sua casa de madrugada.
A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Brigada Militar e com a Secretaria de Segurança Públçica do Rio Grande do Sul para repercutir as informações. Até o momento desta publicação, os órgãos não responderam. Caso se manifestem, o texto será atualizado.