Uma pesquisa realizada pela organização Énois, em parceria com o projeto De Olho na Quebrada e a União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (UNAS), revelou que 67,25% dos moradores de Heliópolis, maior favela de São Paulo, enfrentam problemas ambientais como enchentes, coleta de lixo inadequada, esgoto a céu aberto e mofo em casa.
O estudo intitulado “Análise do Ecossistema de Informação: Desinformação Ambiental em Heliópolis”, realizado entre novembro de 2023 e junho de 2024, demonstra como a desinformação ambiental afeta diretamente a vida das pessoas que vivem nas periferias.
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A ausência de informações confiáveis sobre temas ambientais como mudanças climáticas, saneamento e risco de enchentes agrava os impactos enfrentados por comunidades historicamente marginalizadas — em sua maioria negras e indígenas. Essa realidade se insere no conceito de racismo ambiental, que associa os efeitos mais severos da degradação ambiental a populações vulnerabilizadas.
Além disso, 78% dos entrevistados relataram já ter escutado que os problemas ambientais enfrentados pela comunidade seriam culpa dos próprios moradores. Mais da metade (53%) concorda com essa afirmação, o que contribui para a culpabilização social e dificulta o engajamento da população na cobrança de medidas efetivas por parte do poder público.
Falta de informação e consequências
O levantamento revelou que metade dos moradores não sabe o que fazer em caso de enchentes, e 25,73% relataram já ter tomado decisões erradas baseadas em informações falsas, principalmente sobre coleta de lixo e riscos de enchentes.
Entre os principais tipos de informação demandados pela população estão alertas antecipados de enchentes (64%), informações sobre a coleta de lixo (62%) e orientações sobre o que fazer quando há alagamento em casa (49%).
Quando perguntados sobre os temas em que mais sentem falta de informações confiáveis, 50% mencionaram enchentes, 44% citaram coleta de lixo adequada e 43% destacaram esgoto a céu aberto.
Um dos trechos do estudo mostra o impacto da falta de transparência em obras públicas. Uma comunicadora local relatou: “Não encontro nenhum PDF que mostre o cronograma. E é uma obra pública, deveria ter isso, no mínimo. Essas pessoas não têm sequer uma informação de quando a obra vai andar. Não tem informação da segurança sanitária.”
Canais de informação e confiança na mídia
A televisão ainda é o meio de comunicação mais confiável para 62% dos entrevistados. Na sequência, aparecem internet e redes sociais, como WhatsApp e Instagram, utilizados por cerca de 60% da população para obter informações.
Apesar disso, 46,98% dos moradores acreditam que a grande imprensa apresenta informações incorretas ou desrespeitosas, e mais da metade (56,73%) afirma não conhecer comunicadores ou jornalistas locais de Heliópolis.
O estudo aponta que as mídias locais gozam de maior confiança, embora ainda faltem mecanismos para ampliar seu alcance e efetividade. Para Amanda Rahra, fundadora da Énois, “a informação pode salvar vidas e, por isso, precisa chegar rápido e a quem mais precisa, que no caso das enchentes, são as periferias”.
Recomendações para combater a desinformação
O estudo da Énois aponta uma série de recomendações para enfrentar a desinformação ambiental em Heliópolis. Entre as principais sugestões está o fortalecimento das mídias comunitárias, com investimento em oficinas de capacitação para lideranças locais e comunicadores populares, focadas em verificação de fatos, cobertura de temas ambientais e estratégias para distribuição de conteúdo confiável.
Outra recomendação é a criação de campanhas educativas sobre gestão de resíduos sólidos, destinadas a informar a população sobre a importância do descarte correto do lixo e a responsabilidade do poder público na coleta. Essas campanhas devem também combater a ideia de que os próprios moradores são os culpados pelos problemas ambientais que enfrentam.
A pesquisa também propõe o uso de diferentes formatos e canais para a disseminação de informação, como vídeos curtos em redes sociais, carros de som, lambe-lambes e rodas de conversa. A linguagem deve ser direta e acessível, conectada ao cotidiano da comunidade.
Além disso, o relatório destaca a necessidade de divulgar amplamente os canais oficiais de denúncia ambiental e de ampliar o acesso à internet com qualidade, para garantir inclusão digital efetiva da população. O estudo reforça que, em contextos de emergência climática, como enchentes, a informação precisa circular com rapidez e chegar prioritariamente às regiões mais vulnerabilizadas.