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Cabeleireira que pichou estátua da Justiça no 8 de janeiro é acusada de 5 crimes, não só de vandalismo

Diferentemente do que diversas publicações disseminadas nas redes sociais apontam, Débora Rodrigues dos Santos responde por cinco crimes diferentes
A Justiça, estátua em frente ao STF e que foi pichada por manifestante de ato golpista, em 8 de janeiro de 2023.

A Justiça, estátua em frente ao STF e que foi pichada por manifestante de ato golpista, em 8 de janeiro de 2023.

— Joédson Alves/Agência Brasil

19 de abril de 2025

Post compara atentado contra a estátua da Justiça em 2016 com pichação feita na mesma obra durante os atos golpistas do 8 de janeiro de 2023. A publicação alega que o primeiro ataque seria de responsabilidade de movimentos de esquerda e, por esse motivo, estaria impune. Já o segundo, feito pela direita, é classificado como atentado contra a democracia. Não há provas de que os envolvidos na ação de 2016 sejam pessoas de esquerda. Naquele ano, grupos antiaborto jogaram tinta vermelha na obra em retaliação a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Mulher que escreveu “perdeu mané” na escultura em 2023 responde por cinco crimes.

Conteúdo analisadoPost que coloca lado a lado duas imagens da estátua da Justiça, situada em frente ao prédio do STF. De um lado, a obra está coberta por uma tinta vermelha que simula sangue. No extremo oposto, a escultura tem uma bandeira do Brasil amarrada ao pescoço e os dizeres “perdeu mané” escrito no peito. As imagens vêm acompanhadas de manchetes de jornais e textos. As legendas afirmam que, enquanto uma ação feita pela esquerda foi considerada “no máximo vandalismo”, a outra feita pela direita foi classificada como “atentado contra a democracia e terrorismo”, fazendo referência aos ataques de 8 de janeiro de 2023.

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Onde foi publicado: TikTok.

Contextualizando: As imagens mostram duas situações diferentes envolvendo a mesma escultura, a estátua “A Justiça”, localizada em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília. Elas vêm sendo compartilhadas fora de contexto em meio à mobilização da direita pela anistia dos condenados pelos ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. A foto da estátua coberta por tinta retrata uma ação de 2016. Em novembro daquele ano, a Primeira Turma do STF determinou em um caso específico não ser crime o aborto até o 3º mês de gestação. Como forma de protesto contra a decisão dos magistrados, pessoas ligadas a grupos conservadores e entidades que se intitulam “pró-vida” jogaram tinta vermelha e um boneco “ensaguentado” na estátua.

Não há provas de que as pessoas que atentaram contra a estátua em 2016 sejam ligadas a movimentos de esquerda, como a publicação afirma. Tradicionalmente, a pauta antiaborto faz parte da agenda de grupos conservadores. O caso chegou a ser investigado pela Polícia Federal (PF). O Comprova entrou em contato com a PF para verificar o resultado da investigação, mas não obteve resposta até o fechamento deste texto.

Já a pichação “perdeu mané” foi feita pela cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, de 39 anos, durante a invasão às sedes dos Três Poderes em 2023. O post comparando os dois atos faz parte de uma série de outras publicações que disseminam versões enganosas sobre o caso de Débora, na tentativa de minimizar suas ações e dizer que ela foi presa e está sendo julgada “só por pichar uma estátua com batom”, o que não é verdade. Na verdade, ela responde por cinco crimes diferentes (leia mais abaixo).

Os possíveis crimes cometidos em cada um dos casos não são os mesmos. Por isso, não é correto compará-los. Conforme a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), o episódio do 8 de janeiro envolveu uma tentativa de abolir o Estado Democrático de Direito e a deposição do governo legitimamente constituído. Débora, por exemplo, participava dos acampamentos em frente ao Quartel-General do Exército (QGEx), em Brasília, um dos locais onde a tentativa de golpe foi discutida. Ela chegou a pedir desculpas ao STF pelo atentado.

O Comprova entrou em contato com o autor da publicação feita no TikTok, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

“Só uma pichação de batom”

Diferentemente do que diversas publicações disseminadas nas redes sociais apontam desde que o julgamento de Débora no STF começou, a cabeleireira responde por cinco crimes diferentes. O ministro Alexandre de Moraes, que é relator das ações ligadas ao atentado do 8 de janeiro, votou a favor de que a condenação dela aconteça da seguinte forma:

Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito: pena de 4 anos e 6 meses de reclusão;

Golpe de Estado: pena de 5 anos de reclusão;

Dano qualificado: pena de 1 ano e 6 meses de detenção e 50 dias-multa, sendo cada dia multa em 1/3 do salário mínimo;

Deterioração do Patrimônio Tombado: pena de 1 ano e 6 meses de reclusão e 50 dias-multa, com cada dia multa em 1/3 do salário-mínimo;

Associação Criminosa Armada: pena de 1 ano e 6 meses de reclusão.

Ao todo, são 14 anos de pena, sendo 12 anos e 6 meses de reclusão e 1 ano e 6 meses de detenção, e 100 dias-multa.

O ministro Flávio Dino acompanhou Moraes. O ministro Luiz Fux pediu vistas (mais tempo para analisar o caso), mas durante o julgamento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro pela tentativa de golpe, sinalizou que pode rever a pena de Débora.

Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, ministros que também são membros da 1º turma do STF, não se manifestaram. Não há data ainda definida para a ação voltar a ser analisada.

No dia 28 de março, Moraes concedeu prisão domiciliar a Débora. Ela está presa preventivamente desde março de 2023. A PGR opinou pela prisão domiciliar até a conclusão do julgamento. Para conceder a prisão domiciliar, o ministro definiu as seguintes medidas cautelares:

  • Uso de tornozeleira eletrônica;
  • Proibição de utilização de redes sociais;
  • Proibição de comunicar-se com os demais envolvidos, por qualquer meio;
  • Proibição de concessão de entrevistas, salvo mediante autorização do STF;
  • Proibição de visitas, salvo de seus advogados, pais, irmãos e outras pessoas autorizadas pela Corte.

Fontes consultadas: Voto do ministro Alexandre de Moraes pela condenação de Débora. Decisão do mesmo ministro que concedeu prisão domiciliar para a mulher que é ré. Além disso, também foram consultadas reportagens de diversos jornais brasileiros.

Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Para se aprofundar mais: O Comprova já publicou que é enganoso um post que afirma que Moraes atropelou a competência do Superior Tribunal Militar ao decidir que cabe ao STF julgar os militares envolvidos nos atos de 8 de janeiro em Brasília. Outras verificações mostraram que não é verdade que o presidente Lula (PT) armou a invasão e que o atentado não foi uma “farsa”. Sobre o caso da verificação em questão, o Estadão Verifica e Aos Fatos apuraram que Débora Rodrigues é acusada de cinco crimes. O UOL Confere já apontou que Débora não é acusada apenas pela pichação e o Estadão Verifica esclareceu que a PGR não ofereceu acordo de não persecução penal a ela por conta da gravidade dos crimes.

Texto originalmente publicado no Projeto Comprova, do qual a Alma Preta faz parte.

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  • O Projeto Comprova é uma iniciativa colaborativa e sem fins lucrativos liderada pela Abraji e que reúne jornalistas de 42 veículos de comunicação brasileiros para descobrir, investigar e desmascarar conteúdos suspeitos sobre políticas públicas, eleições, saúde e mudanças climáticas que foram compartilhados nas redes sociais ou por aplicativos de mensagens.

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