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Governador do Pará incentiva participação de indígenas no mercado de créditos de carbono

Helder argumentou que os indígenas deveriam receber recursos resultantes da redução do desmatamento a partir da participação no mercado de crédito de carbono.
Governo Helder Barbalho promoveu a Semana dos Povos Indígenas, em Belém.

Governo Helder Barbalho promoveu a Semana dos Povos Indígenas, em Belém.

— Marco Santos/Agência Pará

25 de maio de 2025

O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), tem incentivado a participação de indígenas no mercado de crédito de carbono no estado. A discussão tem tomado espaços de discussões sobre o meio ambiente e COP30

Mas, apesar da aparente pretensão de gratificar os povos indígenas pela preservação da floresta, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) querem a suspensão de um contrato bilionário firmado pelo governador.

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Durante a Semana dos Povos Indígenas, em abril passado, Helder argumentou que os indígenas deveriam receber recursos resultantes da redução do desmatamento. Para isso, deveriam participar do mercado de crédito de carbono.

“Aqueles que sejam contra, que apresentem as suas sugestões e, a partir do processo democrático, nós possamos dar o direito aos povos indígenas a ter acesso ao pagamento de serviços ambientais. Porque vocês, efetivamente, são os maiores protetores da floresta amazônica”, completou o governador.

Em seu discurso para 400 lideranças em Belém, ele afirmou que esse mercado sofre “preconceito”. Também defendeu que o mecanismo é uma “oportunidade” para os indígenas receberem recursos.

“Não podemos deixar que o preconceito nos limite à escuta, que é o processo de crédito de carbono. O fato é que, no momento em que o Estado se dispõe a receber recursos advindos da redução do desmatamento, se tem alguém nesse Estado que ajuda a proteger a floresta e a reduzir o desmatamento, são os povos indígenas”, declarou o governador.

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Essa “oportunidade”, como Helder defende, vem de um acordo do governo, por meio da Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará (CAAPP). Essa empresa, criada em 2023, é de economia mista (capital privado e capital estatal) e vinculada à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Estado do Pará.

O acordo garante 12 milhões de toneladas de crédito de carbono, a US$ 15 cada. Em reais, é o equivalente a R$ 1 bilhão em uma única venda para uma coalizão denominada LEAF (Lowering Emissions by Accelerating Forest Finance).

Essa coalizão é composta por governos internacionais do Norte Global — mais precisamente dos Estados Unidos, Reino Unido, Noruega e Coreia do Sul — e grandes corporações mundiais, como a Amazon, a Bayer, a BCG, a Capgemini, a H&M Group e a Fundação Walmart.

Barbalho estimou que a venda de créditos de carbono pode gerar R$ 35 bilhões para os cofres estaduais até 2026. Ele prometeu a seguinte partilha desses recursos:

  • 24% para os povos indígenas;
  • 14% para quilombolas;
  • 14% para agricultura familiar; 
  • e 48% para o Estado investir em políticas de continuidade da redução das emissões.

MPs se opõem a contrato bilionário no Pará

Os Ministérios Públicos Federal (MPF) e do Estado do Pará (MPPA) querem a suspensão do contrato bilionário com a CAAPP. 

Os ministérios públicos destacam que os países e as megacorporações que formam a coalizão são “historicamente responsáveis pela degradação ambiental e desigualdades sociais no mundo”.

“[São eles] que estão definindo o valor da tonelada de carbono de florestas paraenses, sem levar em conta os custos sociais envolvidos na gestão pública desses territórios, como os efeitos sobre o bem-estar das populações locais e dos ecossistemas”, frisa a recomendação.

Há também representantes dos indígenas e das demais comunidades tradicionais que também são contrários à proposta.

Os órgãos apontam que o contrato prevê a venda antecipada desses créditos. Isso transforma as florestas “em objeto de especulação financeira, aumentando as desigualdades sociais ao favorecer interesses econômicos em vez da população”.

De acordo com a recomendação dos MPs, publicada um dia antes da fala de Helder na Semana dos Povos Indígenas, o contrato contraria a Lei 15.042/2024, que  proíbe a venda antecipada de créditos de carbono.

Os ministérios públicos explicam que o Estado não pode prometer a venda de créditos de carbono ainda não emitidos. Para isso, o governo depende do sucesso do projeto de REDD+ Jurisdicional no Estado do Pará, que ainda está em “fase de construção”.

A recomendação cita a alta especulação gerada por contratos futuros e a potencial “corrida” para aprovação do sistema, podendo gerar “abordagens assediosas e considerável pressão sobre povos indígenas e comunidades tradicionais”.

Além da questão legal, a recomendação menciona a falta de transparência no processo de construção do sistema REDD+ Jurisdicional, a necessidade de consulta prévia, livre e informada às comunidades tradicionais e os riscos associados à especulação financeira e pressão sobre os territórios.

O que é o crédito de carbono?

Pela lógica do mercado de carbono, empresas reduzem o gás carbônico e outros gases poluentes da natureza em troca de um título financeiro, que tem o nome de crédito de carbono.

Cada unidade de crédito de carbono representa a redução ou remoção de uma tonelada de gás carbônico da atmosfera. Isso pode ser feito a partir de um projeto de reflorestamento ou de combate ao desmatamento.

O crédito de carbono é um tipo de ativo financeiro, parecido com uma ação na bolsa de valores. O que significa que ele é comercializável e intangível, ou seja, não é como um papel ou algum objeto físico. 

As negociações dos créditos de carbono acontecem nos mercados de carbono, que são de dois tipos: o voluntário e o regulado.

O mercado voluntário funciona por meio de iniciativas, como o nome diz, voluntárias e independentes para redução de emissões. Os projetos são validados por uma instituição certificadora, que emite os créditos para serem comercializados nos mercados voluntários mundiais.

Já o mercado regulado é um sistema onde as empresas e entidades são obrigadas a compensar suas emissões de gases de efeito estufa, por meio da compra de créditos de carbono. No Brasil, ele foi implementado por meio do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), aprovado no ano passado. 

“É importante ressaltar que esses créditos têm que ser adquiridos e comercializados com responsabilidade socioecológica e em complemento a outras estratégias de redução de emissões das cadeias produtivas. Porque nem tudo dentro desse sistema regulado poderá ser compensado”, explica a líder da área de Créditos da Natureza e Integridade de Carbono na Amazon Investor Coalition, Ana Beatriz Freitas.

O mecanismo é uma das ferramentas que pode apoiar o cumprimento das metas de redução de emissões previstas na Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA).

Como emitir o crédito de carbono?

Para emissão de um crédito de carbono, é preciso que haja a execução de uma atividade por trás, seja ela para reduzir ou evitar emissões, ou para “sequestrar” carbono da atmosfera. A essas e outras atividades dá-se o nome de “projeto de carbono”.

Qualquer agente que tenha áreas com cobertura florestal e que tenha o direito de uso dessas áreas pode desenvolver projetos de carbono. Eles podem envolver, por exemplo, atividades para evitar ou reduzir o desmatamento, desde que tenha validação de uma instituição certificadora.

No Brasil e na região amazônica, a predominância é de projetos no setor florestal, que, em geral, envolvem a Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD).

O REDD é um instrumento desenvolvido no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) para recompensar financeiramente países em desenvolvimento pela redução de emissão de carbono. Ela pode acontecer das seguintes formas:

  • redução das emissões de carbono geradas pelo desmatamento;
  • redução das emissões provenientes de degradação florestal;
  • conservação dos estoques de carbono florestal;
  • manejo sustentável de florestas;
  • e aumento dos estoques de carbono florestal.

No Pará, está em andamento a construção do Sistema Jurisdicional de REDD+. De acordo com a agência de notícias estadual, o mecanismo visa implementar um sistema de monitoramento e verificação, capaz de identificar e quantificar a diminuição do desmatamento e a redução nas emissões de carbono. O objetivo é garantir a credibilidade dos dados e resultados apresentados.

Na teoria, o sistema também assegura a construção de salvaguardas socioambientais. Consequentemente, ajuda a garantir os direitos e a participação das comunidades locais e assegurar o acesso à repartição dos recursos e demais benefícios.

Áreas indígenas têm maior estoque de carbono

Dentre os agentes que mais realizam atividades de conservação da floresta e, consequentemente, de estocagem de carbono, estão os povos indígenas. 

Conforme dados do Imazon, as terras indígenas são os territórios com a menor derrubada na Amazônia. De 2012 a 2024, tiveram apenas 3% de toda a devastação registrada na região, cerca de 1.825 km² desmatados.

“É importante a gente imaginar uma comunidade que protege uma área de floresta que ia ser derrubada. Como a floresta continua em pé, ela continua absorvendo o carbono e evita que ele vá para a atmosfera. Ou seja, essas iniciativas evitam que o carbono seja emitido para a atmosfera ou ‘sequestram’ o carbono da atmosfera”, diz Ana Beatriz Freitas.

Dessa forma, de acordo com a especialista, os indígenas podem receber uma compensação por meio dos créditos de carbono, que são comercializáveis. Mas é preciso que eles sejam protagonistas nas tomadas de decisão, com consentimento prévio, livre e informado. Além disso, precisam ter clareza de qual impacto esse mercado pode trazer para o território, reforça a líder da Amazon Investor Coalition.

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“A introdução dessas noções e valores econômicos nos territórios pode ter consequências nocivas, como a destruição da cultura, da forma de vida e da organização social. Os prejuízos podem ser maiores do que qualquer benefício econômico que possa surgir com a implementação desse pagamento por serviço ambiental através dos créditos de carbono”, alerta Freitas.

“Eles [os créditos de carbono] podem só reproduzir desigualdades históricas, transformando esse instrumento econômico aplicado à temática ambiental em um novo vetor de injustiça social, de injustiça climática e de colonialismo”, ressalta.

Ela também pontua que o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, criado pela Lei 15.042/2024, garante que os direitos dos créditos emitidos nos territórios indígenas sejam das próprias comunidades.

“É preciso também que haja uma repartição equitativa dos benefícios arrecadados com esse tipo de projeto. Independente do tipo de projeto, para que haja entrada em territórios indígenas, ele tem que obedecer um conjunto de informações. Elas devem ter sido repassadas previamente para a comunidade, para que ela tenha a capacidade de tomar decisões informadas”, conclui.

Controvérsias com os indígenas

Sheyla Juruna, liderança indígena da região do Xingu que esteve presente na Semana dos Povos Indígenas, defendeu que o Estado precisa ter mais diálogo com as comunidades antes de implementar políticas de crédito de carbono nos territórios. 

“A gente quer o diálogo, mas um diálogo que não beneficie apenas um lado. Fala-se do crédito de carbono, mas, para nós, isso é muito novo. Tem discussão que precisamos amadurecer. Quem vai lucrar com isso? E realmente a Amazônia vai ficar em pé depois dessa negociação de crédito de carbono? Esse é o nosso medo”.

A cacica Miriam Tembé, da aldeia I’xing, em Tomé-Açu, presidente da Associação Indígena Tembé do Vale do Acará e membro do movimento COP do Povo, afirmou ser contra a política proposta por Helder. Ela lembra que os povos indígenas nunca precisaram receber recursos para preservar a floresta.

“Nós sempre vivemos na floresta, sem depender de contratos com empresas multinacionais que não entendem o que é a Amazônia e a importância dela para nós. Nós não precisamos de dinheiro, porque a floresta é a nossa casa e da nossa casa nós sabemos cuidar”, dispara.

A liderança avalia que o discurso do governo tem entrada em algumas aldeias indígenas já devastadas pela ação de empresas — as mesmas que estão envolvidas no acordo. Ela afirma, porém, que a maioria dos indígenas é contrária à proposta.

“Esse discurso é uma forma de iludir os parentes daqueles territórios já impactados pelas empresas, ao ponto de vir uma escassez grande de alimentação, de ervas medicinais, de água para beber. O governador se aproveita dessa situação e diz que a solução é eles aceitarem esse contrato de venda de crédito de carbono”.

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Miriam Tembé alerta que a colaboração de indígenas com o governo pode afetar diretamente a relação dos povos com a terra.

“Sempre vivemos em harmonia com a natureza. Mas, com esse contrato, o indígena não vai poder pescar, nem tirar uma madeira para construir uma casa ou uma canoa, não vai poder fazer uma roça. Aceitar essa proposta é assinar um acordo de que nós vamos perder a nossa liberdade. E não podemos pagar por uma destruição que nós não causamos”.

“O governo diz que essa é a solução. Mas nós, que estamos aqui na base, não recebemos nenhuma resposta das nossas reivindicações quando a gente pede demarcação do nosso território. Nem o governo estadual, que é o principal ator de toda essa falácia de crédito de carbono, nem o governo federal assumem responsabilidade de contribuir com nossos requerimentos de demarcação”, completa Miriam Tembé.

Em carta pública, organizações de povos tradicionais que compõem a COP do Povo criticam Helder Barbalho pelo contrato. Para eles, a iniciativa esconde uma intenção de “privatização das florestas” e ignora os protocolos internacionais de consulta prévia, livre e informada, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Eles também denunciam a participação de governos e megacorporações, que “são responsáveis pela crise ambiental e social que afeta o Sul Global”. “Essa imposição revela um alinhamento do governo de Helder Barbalho com interesses estrangeiros e privados em detrimento da soberania e do bem-estar da população paraense e amazônica”, diz a carta.

Estado do Pará negocia sobre territórios da União

Na análise do educador popular Pedro Martins, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase) Amazônia, o governador foi defensivo em seu discurso. E o motivo seriam as denúncias dos MPs. Para ele, a fala revela uma tentativa de trazer os indígenas para o lado do governo.

“Como o Ministério Público tem chamado ponto, o governo não poderia fazer nenhuma tratativa de crédito de carbono sem ter alguma estrutura de governança que tivesse participação de povos indígenas e comunidades tradicionais”, ressalta Martins. 

Para Martins, o interesse do governador em ter os indígenas como aliados na política de créditos de carbono ocorre em razão das exigências dos países e corporações envolvidas no acordo. 

“Na verdade era uma condição para que esses compradores negociassem com o Estado. O governo precisava ter salvaguardas e repartição de benefícios, já que os créditos de carbono vão ser obtidos a partir de áreas de florestas conservadas. E elas estão, em boa parte, dentro de terras indígenas demarcadas”.

O pesquisador chama atenção ainda para o fato de que o Estado não tem influência sobre as áreas indígenas, já que as demarcações são de responsabilidade do governo federal. 

“O governo estadual não tem diretamente influência no processo de demarcação, porque não é ele que demarca. É uma competência federal. Mas, mesmo assim, o Estado do Pará quer obter créditos de carbono a partir dessas áreas de conservação de terras indígenas”.

Ele também critica que o processo de consulta prévia, livre e informada descumpriu os protocolos internacionais ao não chegar às comunidades. A avaliação é que a a consulta se restringiu a lideranças próximas ao governo. No sistema previsto na lei do SBCE, as comunidades indígenas já estariam compulsoriamente dentro do sistema jurisdicional de REDD+.

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  • Fernando Assunção

    Atua como repórter no Alma Preta Jornalismo e escreve sobre meio ambiente, cultura, violações a direitos humanos e comunidades tradicionais. Já atua em redações jornalísticas há mais de três anos e integrou a comunicação de festivais como Psica, Exú e Afromap.

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