O tradicional congado de Nossa Senhora do Rosário e Escrava Anastácia, de Tiradentes (MG), foi impedido, no último dia 31 de outubro, de realizar as homenagens à santa padroeira na missa tradicional anual por estar com uma bandeira da escravizada Anastácia. Segundo relatos, o padre Alisson Sacramento, à frente da igreja há pouco tempo, pediu para que os turistas interessados na homenagem se retirassem do local, como pode ser conferido no vídeo gravado por uma das testemunhas.
Desde 2011, o festejo acontece na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, sendo interrompido pela pandemia no ano passado. Normalmente, uma bandeira do congado é posicionada no altar, em homenagem à padroeira do grupo. Além disso, o congado realiza cânticos de agradecimento, acompanhado por tambores. No entanto, este ano, o dirigente da igreja mandou retirar do altar a bandeira, ilustrada com a imagem de Anastácia, e disse ao congado que tocasse os tambores do lado de fora.
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“Ele [padre] rezou a missa pela metade e mandou os turistas que estavam lá para nos acompanhar saírem da igreja, deixando apenas o nosso grupo reduzido de quatro pessoas lá dentro, e fechou a porta. Depois ele falou que era pra gente tocar lá fora. Em nenhum momento ele falou do congado ou citou que Nossa Senhora é protetora dos pretos”, relata o líder do congado, Mestre Claudinei Matias, conhecido como Prego.
Claudinei afirma que essa atitude do padre foi similar aos tempos de regime escravocrata, em que brancos e negros não podiam participar da mesma missa ou ficar juntos no mesmo ambiente. A partir disso, ele se retirou junto com o congado e entoou cânticos do lado de fora, com a promessa de nunca mais entrar na igreja.
“O problema do padre é a gente carregar a imagem da escrava Anastácia conosco. A justificativa dele é que nós estamos falando que ela é santa, mas não é verdade. Para nós, a escrava Anastácia é um símbolo de luta e resistência. E ele está sendo racista com ela”, avalia o mestre do congado.
“Foi extremamente constrangedor”
O fotógrafo e cinegrafista André Frade Andrade estava no momento em que o padre pediu para que os visitantes se retirassem da igreja, mas se recusou a sair. De acordo com a testemunha, “foi extremamente constrangedor. Estou há oito anos acompanhando o congado e sempre vi a homenagem de forma muito respeitosa”, comenta.
“Eu estava realmente empolgado para assistir a missa do congado, que resgata a ancestralidade tão esquecida aqui de Tiradentes. Eu senti algo de cunho racista. Um conservadorismo bolsonarista do padre. Para mim, ainda é muito difícil de acreditar em tudo que eu testemunhei e registrei em vídeo”, lamenta André.
Mestre Claudinei Matias afirma que uma denúncia junto ao Ministério Público já foi aberta a respeito do caso e da gestão do padre. Ele afirma que se o grupo for chamado para dar depoimento, “diremos a verdade sobre o que aconteceu e que o preconceito dele foi para com a Anastácia, que é tão importante para nós”.
Com tristeza, o líder do congado de Nossa Senhora do Rosário afirma que enquanto o dirigente Alisson estiver à frente da igreja, o grupo não irá participar de nenhuma atividade. “Para nós, foi realmente muito doloroso, pois achamos que iríamos participar da missa do povo. Foi uma das piores coisas que já me aconteceu. Não tenho nem como explicar”, finaliza.
A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, em Tiradentes (MG), para repercutir as informações. Até o momento desta publicação, não houve resposta. Caso retornem, a matéria será atualizada.
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