Considerado o estado mais letal do Nordeste, a Bahia acumula índices de violência que aumentam a cada ano e expõem a fragilidade no sistema de segurança pública que cada vez mais mata civis e policiais, principalmente a população negra (pretos e pardos). Só em 2020, a cada policial morto, 103,3 pessoas morreram pela letalidade de agentes de segurança, sendo os negros os mais atingidos (98% de civis e 57,2% de policiais). O levantamento é do Fórum Brasileiro de Segurança Pública com dados da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA).
No ano passado, o percentual de policiais negros mortos na Bahia foi de 57,2%. Em 2019, o indicador foi maior: 75%, sendo 62,5% pardos e 12,5% pretos. Em números absolutos, houve um aumento de mortes nos períodos analisados, passando de oito, em 2019, para 11, em 2020.
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Seguindo pela mesma crescente, a letalidade policial aumentou de forma expressiva mesmo em ano de isolamento devido à pandemia da Covid-19, passando de 773 mortes, em 2019, para 1.137, em 2020. No ano passado, a taxa de letalidade policial na Bahia ficou acima da média nacional (3,0 mortes por 100 mil habitantes), fechando em 7,6 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes.
Em conversa com a Alma Preta Jornalismo, o coordenador da Rede de Observatório da Segurança Pública, Dudu Ribeiro, destaca que a política de guerra às drogas e confronto, adotada pela segurança pública, é uma das vertentes do racismo estrutural que vitima a população negra, seja ela policial ou civil.
“Ainda que entre pessoas fardadas, a vida negra vai valer menos dentro dessa política de segurança pública, desse modelo de guerra às drogas e a própria exposição à morte desses agentes da segurança pública é causada pela insistência do Estado nesse modelo de confronto”, analisa.
‘Subnotificação é o reflexo de uma vontade política em negar o racismo’
A análise por perfil racial dos policiais mortos também evidencia a letalidade mesmo com os agentes negros nas corporações. Segundo o Fórum de Segurança Pública, em 2020, nenhum policial branco morreu, enquanto 57,2% dos agentes vitimados eram negros. O levantamento também expõe uma subnotificação na coleta dos dados raciais pela Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), já que 42,9% das mortes de policiais não tinham informações sobre raça.
Para o pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e fundador do coletivo Negro Vozes, Dennis Pacheco, a falta da coleta racial faz parte de um jogo político utilizado como forma de negação de enfrentamento ao racismo.
“Essa “dificuldade” que o setor da segurança pública tem em identificar o perfil racial das vítimas, sejam elas policiais ou não, é, na verdade o reflexo de um desinteresse político e de uma vontade política de negar a realidade do racismo e de ter que lidar com ela institucionalmente, na medida em que a negação da existência do racismo, o ato de “varrer para debaixo do tapete” – eregindo essas barreiras de opacidade e de falta de transparência -, acaba te isentando da responsabilidade de lidar com a questão racial e o racismo de maneira frontal”, explica.
Racismo e desigualdade salarial como fator de vulnerabilidade
De janeiro a outubro deste ano, 15 policiais militares morreram na Bahia por crimes violentos letais intencionais (CVLI). O PM Gilson Rodrigues Pereira foi uma das vítimas. O soldado foi morto no dia 3 de outubro após ser baleado por dois homens na cidade baiana Retirolândia, localizada a 246 km de Salvador. Gilson estava de folga e curtia uma festa quando foi surpreendido pelos suspeitos, que fugiram após o crime. Ele atuava como PM há 13 anos e deixou a esposa e dois filhos. O caso ainda segue em apuração e nenhum suspeito foi identificado.
Segundo o Anuário, os policiais militares negros e em folga são as maiores vítimas fatais. O também PM Joanilson da Silva Amorim foi morto por policiais civis de Pernambuco depois de ter sido “confundido” com um suspeito de assalto. O caso está em investigação e, até o momento, nenhum policial foi responsabilizado pelo caso. Gilson e Joanilson fazem parte de uma estatística nacional que mostra que a 3 policiais assassinados no país, dois são negros.
A estrutura policial também reproduz as desigualdades socioeconômicas entre negros e brancos. Por questões financeiras, os policiais brancos têm maior acesso aos cargos superiores. Já os agentes negros acabam exercendo funções de nível inferior e recebem salários menores, o que os levam a atuarem em trabalhos informais e ficarem mais expostos à violência, conforme explica o pesquisador Dennis Pacheco.
“Evidentemente, se arriscar em “bicos” e trabalhos de segurança privada é mais arriscado para quem tem menores salários e a gente sabe que, na sociedade brasileira, por conta do racismo, policiais negros tendem a ter menores salários e a precisar desse complemento de renda no mercado informal muito mais do que pessoas brancas. Isso se reproduz na polícia, que é um outro fator que aumenta a vulnerabilidade de policiais negros em relação aos policiais brancos”, completa.
Posicionamento da SSP-BA
A Alma Preta procurou a Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) para questionar quais são os fatores que poderiam explicar o motivo do crescimento de civis mortos pela polícia, enquanto houve uma redução na morte de policiais mortos pela violência.
Em nota, a Secretaria respondeu que “após 4 mil detentos, a maioria envolvida com tráfico de drogas, serem colocados em prisão domiciliar, devido a pandemia da Covid-19, houve um acirramento nas disputas por pontos de vendas de entorpecentes”, e que, por causa da ampliação de ações preventivas e repressivas, alguns casos resultaram em confrontos. A SSP-BA também disse que todos os casos são apurados pela Corregedoria e “existindo qualquer comportamento inadequado, os policiais são responsabilizados”.
Sobre as subnotificações apontadas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a SSP-BA respondeu que a coleta é realizada pelas polícias Civil e Militar, que podem esclarecer a metodologia utilizada.
A Secretaria também foi questionada sobre quais estratégias têm sido utilizadas para reduzir a morte de civis e policiais. Em resposta, informou que investe em treinamento para que as armas letais sejam utilizadas apenas em “última opção, em situações de serviço ou de folga” e completou dizendo que os testes com as câmeras acopladas nas fardas dos policiais já está em fase final para licitação. “O equipamento filmará todas as abordagens, protegendo os policiais e os cidadãos”, completa.