Alunos da escola particular D’Incao Instituto de Ensino, de Bauru (SP), estranharam um informe do colégio disparado pelo aplicativo no dia 6 de outubro, que continha críticas ao sistema de cotas raciais. No texto, a escola afirma que “a lei não terá mais validade a partir de 2022”. Em outro trecho, o comunicado diz que “grupos auto-denominados ‘pró-inclusão’ pleiteiam a extensão dessa lei por mais 10 anos. Entretanto, nem o atual presidente do Congresso e nem mesmo o atual presidente da República (que sempre se posicionaram contrários à lei de cotas e não mudaram suas opiniões)”.
A ideia do informe, como é destacado no final da mensagem, é convencer os pais a continuarem com os seus filhos na escola particular em 2022, quando não existiria mais o sistema de cotas.
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“Essa informação, assim pensamos, é de enorme relevância a vocês alunos do D’Incao que pagam uma escola de qualidade e ao enfrentar o vestibular, muitas vezes, são surpreendidos com notas que já chegaram a 400 pontos superior ao de um cotista e, ainda assim, não foi aprovado no seu curso de interesse”, diz outro trecho do informe.
“Além de absurdo, o texto é preconceituoso e tem o mesmo discurso da base bolsonarista”, comentou um aluno do D’Incao sobre os boatos contidos na mensagem sobre o fim das cotas raciais.
“Acreditamos que a verdadeira inclusão se dará pelo fortalecimento do Ensino Básico das escolas públicas e não pela imposição de um sistema de cotas que perpetua muitas injustiças e faz da universidade o local para o expurgo de todos os males educacionais do país”, continua o comunicado.
No entanto, nas redes sociais, dois dias depois, a escola postou que desenvolve um projeto pedagógico com os alunos para debater “Equidade e Justiça Raciais”, utilizando conhecimentos de Filosofia, Sociologia e Matemática para “uma análise objetiva e profunda desse importante tema”. No projeto, os alunos da escola elaboraram questionários com perguntas como: “você já presenciou casos de racismo?” ou “você tem costume de ver pessoas negras em cargos altos?”.
Em Bauru fica o CTI (Colégio Técnico Industrial Prof. Isaac Portal Roldán), ligado à Unesp, universidade estadual, uma das melhores escolas públicas do Estado de São Paulo e é um concorrente natural das escolas particulares da região.
Sobre isso, a nota da escola, cuja mensalidade custa cerca de R$ 2 mil, classifica a ida de alunos para a rede pública como uma “aventura”. “Por último, orientamos os nossos alunos do 9º ano a fazerem nosso Ensino Médio e que não entrem em aventuras, como matricular seus filhos em Etecs ou mesmo no CTI”.
Lei de cotas
A especialista em direito legislativo e assessora legislativa e racial no Senado Federal, Maria Isabel Sales, destaca que a lei de cotas, em vigor desde 2012, ajudou a dobrar a participação de estudantes negros nas universidade federais, de acordo com o IBGE, passando de 9% em 2011 para 18% em 2019.
“A lei de cotas, carrega em uma das suas muitas missões, a tentativa de equilibrar na área educacional, o racismo e as desigualdades existentes há séculos”, diz Isabel. Ela pondera também que os impactos positivos da lei de cotas favorecem a sociedade como um todo.
”Garantir a presença e a permanência da multiculturalidade da população brasileira nos bancos escolares é de extrema importância para o desenvolvimento social, econômico e financeiro do país, pois o capital intelectual criativo e real que a diversidade propicia gera a nossa literal riqueza”, afirma Isabel.
A lei de cotas só deve ser reavaliada em 2022, ano das eleições presidenciais, e não existe a previsão que ela perca automaticamente a validade, como afirmou a escola D’Incao no informe.
A legislação em vigor prevê o ingresso, nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio, para os autodeclarados pretos, pardos e indígenas e para as pessoas com deficiência, estudantes oriundos de famílias com renda igual ou inferior a um salário-mínimo e meio per capita e para alunos oriundos de escola pública.
Posicionamento
A Alma Preta Jornalismo encaminhou mensagens para a escola D’Incao com perguntas sobre o comunicado, mas a instituição não respondeu os e-mails e nem as mensagens nas redes sociais.
Após a publicação do texto, porém, Carlos D’Incao, que se apresenta como um dos sócios da escola, entrou em contato por telefone e disse que o informe não era uma crítica ao sistema de cotas, mas ao modo como são aplicadas as regras. Por mensagem, ele escreveu: “Meu texto foi infeliz e abriu margem para interpretações”.
Em seguida, enviou um novo texto com o título “A mentira não se desmancha no ar”, no qual diz: “O nosso informe se dirigia à uma população que tem renda elevada e que se vale do CTI, ligado à Unesp, não para serem técnicos, mas para obterem o benefício das cotas. O Alma Preta não investigou o fato de ‘estranhamente’esse colégio técnico quase não formar técnicos e no censo escolar, ser uma escola considerada da ‘classe A’. Nossa escola alertava as distorções de notas. Nada mais verdadeiro”.