O uso de câmeras de filmagens nas fardas policiais resultou em uma queda de até 61,2% no uso de força pelos agentes de segurança, incluindo uso de força física, armas letais e não letais, algemas e realização de prisões em ocorrências com a presença de civis. É o que revelou o estudo feito com um grupo de 450 policiais, sendo 150 com câmeras no uniforme e 300 sem o aparelho, durante dois meses em Santa Catarina.
No Brasil, apenas São Paulo e Santa Catarina adotam o uso de câmeras nos uniformes da polícias militar, em ambos os estados, no entanto, apenas uma parte dos policiais têm acesso ao equipamento de gravação. São Paulo passou a adotar as câmeras em agosto de 2020; em Santa Catarina, começou em julho de 2019.
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Na comparação entre os dois grupos de policiais catarinenses pesquisados no estudo, também foi notado que houve queda de 28,5% na apresentação de acusações de desacato, desobediência ou resistência de cidadãos, que sabiam que estavam sendo filmados.
Outro ponto significativo do estudo é que, com as câmeras, houve alta de 67,5% nos registros de casos de violência doméstica, o que indica que as câmeras dão maior segurança para que as vítimas registrem o crime.
O estudo foi feito nas cidades de Florianópolis, São José, Biguaçu, Tubarão e Jaraguá do Sul, entre setembro e dezembro de 2018, antes da implantação oficial das câmeras, por pesquisadores das universidades de Warwick, Queen Mary e da LSE (London School of Economics), da Inglaterra, e da PUC-Rio.
Alcides Peron, pesquisador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP, entende que as imagens geram condições favoráveis ao controle do uso da força apenas para situações extremas. Por outro lado, segundo Peron, há efeitos negativos como a exposição da privacidade do policial e de quem vai ter acesso às imagens. Do ponto de vista da sociedade, é preciso avaliar quais serão critérios para a liberação das imagens onde pode haver suspeita de abusos, sem atingir o direito à privacidade de outras pessoas.
“A implantação de tecnologia na atividade policial traz aspectos positivos e negativos como mostram algumas pesquisas internacionais. O importante é que mais estudos sejam feitos porque o trabalho das forças policiais não é homogêneo, há alterações por conta da localidade, contexto e práticas”, disse Peron.
Após a adoção efetiva das câmeras, Santa Catarina apresentou melhoras nos índices de criminalidade, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Na comparação do primeiro semestre de 2021, com o mesmo período do ano anterior, o estado apresentou queda de 14% em roubos, 7,3% em furtos e 21% em homicídios. Foram 723 roubos, 3.452 furtos e 83 homicídios a menos.
Ainda segundo os dados da Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina, a taxa de homicídios tem permanecido em queda. Neste último semestre, foram 312 registros contra 379 casos, de janeiro a junho de 2008. Número que já chegou a 515 casos em 2017, comparando os seis primeiros meses de cada ano.
São Paulo
No estado de São Paulo, a implantação das câmeras nos uniformes faz parte do programa Olho Vivo. A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, avalia como positiva a iniciativa, mas alerta que não pode ser a única ação para diminuir a letalidade policial.
De acordo com Carolina, as câmeras corporais devem acompanhar medidas como o uso de armas não-letais, a apuração séria dos casos de abuso do uso da força e acompanhamento psicológico. “O uso das câmeras corporais tem um papel muito importante no controle do uso da força, mas não deve ser a única medida. A profissionalização do uso da força reduz a letalidade e melhora a interação entre a polícia e a sociedade”, pontua Carolina.
Além disso, a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz acredita que o acompanhamento dos resultados é a chave para a estruturação de mais medidas que salvem vidas. “Se a implantação do uso das câmeras é feita da forma correta, com todos os cuidados necessários e com a avaliação dos impactos, ela é muito mais útil ainda porque gera reflexo no comportamento do policial e no comportamento das pessoas que se relacionam com a polícia”, diz Carolina.